Querida amiga Ester
Sou-te muito agradecido pela gentileza com que guiaste meus
passos aí no contato com todas as pessoas e grupos. Percebi teu sofrimento como
jovem mãe a criar sozinha teu bebezinho. Teu trabalho te rende um salário
mínimo enquanto tua babá recebe R$300,00. Espero que consigas breve a creche
pública, que é de excelente qualidade, segundo me informaram.
Na semana passada o mundo viveu a chamada semana santa, que
cada vez mais as novas gerações denominam de feriadão, sem a menor reflexão
sobre seu significado. Nós cristãos continuamos a viver os reflexos da páscoa
até o pentecostes. Portanto, falar sobre os acontecimentos da semana santa é
parte da agenda pascal.
Os eventos em torno da crucificação de Jesus se relacionam
com todo o contexto já referido pelas cartas anteriores que escrevi me
referindo à falsificação da eucarisitia e o empobrecimento do lava pés, que virou
teatrinho de emocionar beatas, sem qualquer relação com o que Jesus de fato
viveu, segundo os evangelhos canônicos.
Os pregadores e as pregadoras, agora também em grande número,
os cantores e cantoras que dominam o dito mercado sacro adoram falar e cantar a
cruz e o sangue derramado de Jesus. Parece que a crucificação é bom marketing
de vendas de produtos que a exaltam. Até ditados estilo popular criaram: “pelo
sangue do cordeiro”, estilo “pelo amor de Deus”, que não significa nada, a não
ser identificar crente “crentão”.
As dramáticas pregações de pregadores/pregadoras que até
ensaiam à frente de espelhos e gravam suas pregações para avaliar o impacto que
causarão no público emocionado e sem critérios críticos para compreender que
tudo não passa de sabonete perfumado para aliviar os crimes que o escravagismo,
o feudalismo e o capitalismo impactam sobre os massacrados pela exploração, com
a inegável colaboração de religiosidades que açucaram o peso do sofrimento do
povo.
Começa que pregadores/as sem preparo adequado, a não ser o
que recebem em forma de cursinhos de oratórias misturados com a destorcida neurolinguística,
fazem uma confusão predatória com os messias aspirados pelo Velho Testamento e
Jesus, o messias do Novo Testamento. Não entendem que este não tem nada a ver
com aqueles. O Velho Testamento nada pensa, nada escreve ou nada sonha com
Jesus. O Jesus do Novo Testamento não tem nada a ver com o servo sofredor de
Isaías. Há apenas figurações literárias semelhantes e nada mais.
Os/as pregadores/as provocam emoções chorosas nas massas, que
não sabem a realidade da cruz, seu contexto e significado políticos. Encenações
até brutais da crucificação impressionam, mas não se relacionam com o que acontecia
na Palestina nos tempos de Jesus. Encenações, pregações e poesias cantadas são
vazias do Jesus palestinense crucificado pelo império romano com a importante
ajuda do templo judaico e de seus teólogos fariseus.
É verdade que a cruz é chave importante para se interpretar e
ler o Novo Testamento, como o êxodo é fundamental para entender as propostas do
Velho Testamento, ensinava o saudoso teólogo ecumênico e pastor luterano Milton
Schwantes.
Porém, é necessária honestidade de interpretação, longe
dessas pregações de rádio e televisão, com o objetivo de encher os templos de propriedade
dos pastores, padres e bispos amantes de dízimos.
Na velha e viciada pregação emotiva Jesus é destinado desde
os tempos antigos para ser crucificado para nos salvar dos pecados, que os
teólogos de várzeas definem como deslizes morais, invariavelmente sob uma ótica
farisaica e moralista. O Jesus de que
falam é um ser fantasmagórico, sem consciência social, desenraizado histórica e
geograficamente, totalmente manipulado por um Deus que descarrega sobre ele o
ódio que tem da humanidade pecadora, que Ele mesmo criou e errou ao projetá-la.
Ao triturá-lo sobre a cruz como um bode indefeso esse Deus dos pregadores
desvia todas as culpas da humanidade para cima dele. Resultado: o sangue desse
Jesus manipulado e fantástico vira moeda de troca que os coitados pecadores
convertidos devem resgatar, onerados com pesados dízimos e chantageados a
frequentar igrejas de domingo a domingo, como se fosse pagamento, via de regra
sob comando de religiosos extremamente autoritários, alienados ou comprometidos
com a direita mais esquizofrênica possível, sem nenhum toque com a realidade
histórica e social dos tais convertidos e “libertos” pelo sangue santo do Jesus
que pregam, num autêntico sadismo emocional.
Essa gente de igreja não admite nada que não sejam as suas “verdades”.
Caso alguém comece a perceber a máquina armada e o uso da figura de Jesus para
manipular o povo em favor dos seus negócios, é perseguida e expulsa sem defesa.
Na verdade, o Jesus dos evangelhos foi abandonado e sua cruz
virou refresco e teatro mal ensaiado para enganar as massas exploradas. Tudo o
que os/as pregadores/as dizem sobre a cruz é para cegar as pessoas e torná-las
presas fáceis dos exploradores, que as preferem dóceis e acríticas. Antes de
construírem um templo grande a primeira coisa que constroem é uma cruz para
impressionar. Tanto que nas colonizações que vitimaram indígenas e os povos
originários das terras, que de direito eram deles, os missionários usaram a
cruz para humilhar os legítimos proprietários e até para matar muitos deles que
resistiram.
O Jesus dos/as pregadores/as enfrentou a cruz sem reagir por
ser escolha eterna do seu Deus vingativo, principalmente com os pobres e
massacrados pela exploração.
Na verdade, Jesus foi vítima do império romano. Este
costumeiramente crucificava sediciosos que contra ele se rebelavam e que lideravam
o povo para resistir suas invasões e truculências. Jesus foi perseguido o tempo
inteiro pelo império romano, desde seu nascimento. Cruz é exatamente isso:
conflito de interesses entre o poderio romano e a fragilidade palestina
invadida e pisada.
Jesus foi crucificado porque optou pelos explorados. As tentações
que sofreu eram a angústia entre escolher submeter-se ao império ou servir o
povo humilhado e amedrontado pelas patas dos cavalos de guerra dos poderosos.
Jesus sofreu ao não conseguir escapar da cruz imposta pela
aliança do império carniceiro com a religião que traiu a autêntica aliança
libertadora do povo. Na famosa angústia no Jardim do Getsêmani seu sofrimento subiu a níveis insuportáveis de
stress ao ponto de suar sangue, tal era o medo e a insegurança que sofreu em
face da iminente tortura do julgamento espúrio, na calada ilegal da madrugada e
despojado de quaisquer provas a caminho da cruz dos insurgentes, provas que não
importam para os inimigos do povo e seus amados líderes.
É falsa a pregação de que a cruz de Jesus salva. Os
colaboradores e narcotizantes da exploração não dizem que o que salva é a luta
libertária a que Jesus se entregou, mesmo a custa da liberdade e da própria vida.
A cruz na qual Jesus foi pregado ao lado de outros heróis do momento
é consequência de sua opção por Madalena, pelos leprosos abandonados, pelas
prostitutas exploradas pelos sacerdotes e religiosos, pelos famintos que saciou,
pelas crianças mortas por quaisquer razões, como descreve o mito de Herodes que
matou os meninos com menos de 2 anos à caça da criança Jesus de Belém. O
império romano, com o auxílio de setores religiosos, impôs a cruz sobre Jesus e
o pregou nela porque o caminhante da Palestina divergiu dos rumos seguidos
pelos capachos religiosos que se curvaram traiçoeiramente à ganância do invasor
assassino, que arrancava impostos pesados do povo sem fôlego para viver.
A cruz de Jesus não aconteceu por dogma ou para enfeitar com
seu sangue o egoísmo de convertidos a um fantasma acomodado, acomodador e
alienante. Não, a cruz de Jesus era uma espécie da cadeira elétrica construída
pelos opressores para eliminar o projeto de libertação dos humildes.
É isso que tem que se pregar. Mas isso não dá dinheiro. Essa
cruz real e política perturba e deixa o Jesus dos evangelhos muito comprometido
com o povo e distante do moralismo que penaliza os que já se sentem culpados
pela pobreza e carência de vida digna e justa.
Em tempos da campanha eleitoral os pregadores da cruz
refresco, instrumento de alienação, correm desesperadamente ao encontro dos
candidatos que lhes dão mais vantagens em dinheiro, notadamente os de direita.
Portanto, a cruz refresco e teatral nada tem a ver com o Jesus
dos evangelhos. Ela é puro palco onde os religiosos pregadores prontamente
entregariam o Jesus palestino à crucificação, naqueles tempos aos romanos, hoje
aos Estados Unidos, a quem veneram e para onde viajam, inclusive usando a
Bíblia como carteira para transportar dólares.
Não creio nenhum pouquinho nesses e nessas pregadores/as. São
adúlteros/as da consciência e criminosos como os soldados romanos, sempre
prontos a chicotear, a cuspir e coroar com espinhos o Cristo do povo.
Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano.
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