Padre Josimo Tavares: 27 anos de martírio
Frei Gilvander Luís Moreira
Frei Carmelita; mestre em Exegese Bíblica; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina
"Feliz de um povo
que não esquece seus mártires”. (Dom Pedro Casaldáliga)
Dia
10 de maio de 2013, antevéspera do dia das mamães, celebramos 27 anos do
martírio do padre Josimo Tavares. Por isso o recordamos. Após tentativa de
assassinato contra padre Josimo Moraes Tavares, no dia 15 de abril de 1986,
quando cinco tiros foram disparados contra a Toyota dele, profundamente
ameaçado de morte e de ressurreição, incompreendido até por colegas padres e
agentes de pastoral, padre Josimo foi "intimado" a elaborar um
relatório de suas atividades e a esclarecer as circunstâncias que levaram a
tantas ameaças de morte contra ele.
Em
seu belíssimo Testamento Espiritual pronunciado durante a Assembléia Diocesana
de Tocantinópolis, MA, no dia 27 de abril de 1986, poucos dias antes de seu
assassinato, dizia Josimo que sua morte estava anunciada, encomendada e
prescrita nos anais das correntes que desejavam ardentemente eliminá-lo. Novos
Anás e novos Caifás já o haviam julgado. Mas Josimo se encontrava firme, pois
havia assumido o seu trabalho pastoral no compromisso e na causa em favor dos
pobres, dos oprimidos e injustiçados, impulsionado pela força do Evangelho.
Josimo declarou:
"Pois
é, gente, eu quero que vocês entendam que o que vem acontecendo não é fruto de
nenhuma ideologia ou facção teológica, nem por mim mesmo, ou seja, pela minha
personalidade. Acredito que o porquê de tudo isso se resume em três pontos
principais.
- Por
Deus ter me chamado com o dom da vocação sacerdotal e eu ter correspondido.
- Pelo senhor bispo, D. Cornélio, ter me ordenado sacerdote.
- Pelo apoio do povo e do vigário de Xambioá, então Pe. João Caprioli, que me ajudaram a vencer nos estudos”.
- Pelo senhor bispo, D. Cornélio, ter me ordenado sacerdote.
- Pelo apoio do povo e do vigário de Xambioá, então Pe. João Caprioli, que me ajudaram a vencer nos estudos”.
"O
discípulo não é maior do que o Mestre. Se perseguirem a mim, hão de perseguir
vocês também”. Tenho que assumir. Agora estou empenhado na luta pela causa dos
pobres lavradores indefesos, povo oprimido nas garras dos latifúndios. Se eu me
calar, quem os defenderá? Quem lutará a seu favor? Eu pelo menos nada tenho a
perder. Não tenho mulher, filhos e nem riqueza sequer, ninguém chorará por mim.
Só tenho pena de uma pessoa: de minha mãe, que só tem a mim e mais ninguém por
ela. Pobre. Viúva. Mas vocês ficam aí e cuidarão dela. Nem o medo me detém. É
hora de assumir. Morro por uma justa causa. Agora quero que vocês entendam o
seguinte: tudo isso que está acontecendo é uma conseqüência lógica resultante
do meu trabalho na luta e defesa pelos pobres, em prol do Evangelho que me
levou a assumir até as últimas conseqüências.
A
minha vida nada vale em vista da morte de tantos pais lavradores assassinados,
violentados e despejados de suas terras. Deixando mulheres e filhos
abandonados, sem carinho, sem pão e sem lar. É hora de se levantar e fazer a
diferença! Morro por uma causa justa(1)”.
Mas
ele não imaginava que a morte viria tão cedo. Dia 10 de maio de 1986, dia das
mamães, padre Josimo foi assassinado covardemente enquanto subia as escadas do
prédio da Mitra Diocesana de Imperatriz, MA, onde funcionava o escritório da
CPT Araguaia-Tocantins. Ainda teve forças para entrar no hospital andando. Isso
foi o que fazendeiros deram a dona Olinda, mãe do padre Josimo, no dia das
mães.
Padre
Josimo era coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Bico do Papagaio.
O pistoleiro Geraldo Rodrigues da Costa efetuou dois disparos com uma pistola
de calibre 7,65. Para executar Josimo contou com a participação de Vilson Nunes
Cardoso, que até hoje está foragido.
Em
1993, nova denúncia, apontou como mandantes do assassinato de Padre Josimo,
Geraldo Paulo Vieira, Adailson Vieira, Osmar Teodoro da Silva, Guiomar Teodoro
da Silva, Nazaré Teodoro da Silva e Osvaldino Teodoro da Silva e João Teodoro
da Silva. Em 1998 Adailson Vieira, Geraldo Paulo Vieira (pai do Adailson) e
Guiomar Teodoro da Silva foram julgados e condenados. Os dois primeiros foram
condenados a 19 anos de reclusão e Guiomar, a 14 anos e 3 meses. João Teodoro
da Silva faleceu antes de ser levado a julgamento. Geraldo morreu alguns meses
depois da sentença. Osmar Teodoro da Silva ficou foragido durante anos, sendo
capturado pela polícia somente em 2001, depois de ter sido alvo do programa
Linha Direta, na TV Globo. Em setembro de 2003, ele foi condenado, por
unanimidade, a 19 anos de reclusão.
Geraldo
Rodrigues da Costa, o executor do crime, foi condenado, em 1988, a 18 anos e 6
meses de reclusão. Conseguiu fugir da penitenciária por três vezes, mas, depois
da última fuga, nunca mais fora encontrado. Há informações de que faleceu
durante fuga após um assalto na cidade de Guaraí, Tocantins.
Em
2006, Claudemiro Godoy do Nascimento, no artigo "20 anos com Josimo”,
recordava:
"Há
20 anos atrás, o Brasil vivia momentos de transformações políticas e econômicas
que dinamizavam o cenário das relações políticas. Na região do Bico do Papagaio
a situação não se diferenciava. Com o anuncio do fim do regime ditatorial havia
uma rearticulação política das oligarquias rurais na chamada Nova República. A
luta social se encontrava diante de fortes momentos de tensão e conflito por
parte de fazendeiros e trabalhadores rurais que tinham na Igreja, na CPT, nos
sindicatos e nos novos movimentos sociais do campo uma esperança em ver
realmente a Terra partilhada para todos e todas. Josimo é a testemunha fiel e
nos ensina de que vale a pena dar a vida pela causa do Reino, das comunidades e
do povo. Sua morte significou o compromisso assumido em denunciar as estruturas
de morte alimentadas pelas injustiças políticas de mandos e desmandos de uma
oligarquia rural que ousava (ou ainda ousa) se estabelecer no poder da
República. É neste sentido que Josimo se torna o padre mártir da Pastoral da
Terra ao selar com seu sangue uma opção, um compromisso e um engajamento na
defesa dos oprimidos, em especial, os trabalhadores rurais. Poderíamos
relembrar os versos de Pedro Tierra escritos por ocasião do martírio de Padre
Josimo em maio de 1986: "Quem é esse menino negro / Que desafia limites? / Apenas
um homem. / Sandálias surradas. /Paciência e indignação. / Riso alvo. / Mel
noturno. / Sonho irrecusável. / Lutou contra cercas. / Todas as cercas./ As
cercas do medo. / As cercas do ódio. / As cercas da terra. / As cercas da fome.
/ As cercas do corpo. / As cercas do latifúndio.
Diante
de tanta fé e de uma teimosia do Reino inexplicável, Josimo sentia-se
fortalecido pela experiência de Deus, pois se encontrava dentro do próprio
Deus. Com certeza, Josimo fez a experiência de Deus que somente os grandes
místicos da humanidade fizeram. Um homem que chega a ponto de saber que terá
seu sangue derramado em defesa dos pobres e pela causa do Reino só pode ter
tido a experiência concreta do Deus que se fez gente entre os homens e
mulheres.
Para
Josimo ser padre significava sentir a vida brotando como serviço justo a Deus e
aos pobres, sobretudo. Para ele, o culto, a eucaristia, a teologia do
sacrifício significava o agrado que fazemos a Deus no serviço aos pobres, aos
doentes e marginalizados da sociedade. Percebemos nos escritos, nos poemas e
nos registros de Josimo uma profunda intimidade com sua opção primeira, a
saber: aDiakonia, ou seja, o serviço, o estar sempre servindo aos mais
necessitados. Necessitados do Bico do Papagaio eram os trabalhadores rurais
expulsos e espoliados da terra pelos grandes fazendeiros locais e pelos
políticos ao estilo coronelista. Portanto, ser padre Josimo era ser Profeta na
Justiça, Pastor na Caminhada e Sacerdote humilde que procurava oferecer a Deus
oferendas justas. Josimo é a própria oferta. Tornou-se um ofertório vivo para
nossas comunidades e para a construção do Reino.
Com
certeza, a memória dos 26 anos do martírio de Padre Josimo nos traz à luz a
experiência das CEBs – Comunidades Eclesiais de Base -, da Igreja Povo de Deus,
Igreja Povo Novo enquanto sinal do Reino de Deus no mundo. Novos Josimos só
surgirão quando a Igreja novamente for sinal vivo do Reino de Deus, quando
estiver ao lado dos pobres e oprimidos, dos fracos e perseguidos; quando
denunciar as injustiças e as opressões cometidas contra o povo; quando anunciar
a esperança, a fé, o amor e a alegria aos pobres.
10 de
maio de 2012 são 26 anos com Josimo. Ele continua vivo nas memórias do povo,
nas experiências dos educadores populares, nos escritos da Teologia da
Libertação e no compromisso dos poucos agentes de pastorais que continuam
reafirmando o mesmo compromisso com o Reino, com a causa de um novo mundo, com
a justiça social e a solidariedade para com os excluídos da sociedade. Vivo no
martirológico latino-americano, alternativo por excelência, sem nenhuma ligação
e reconhecimento por parte da estrutura eclesial oficial. A história não pode
perder a figura de Josimo. Ele é importante na história porque promoveu com o
povo a história. Com Josimo, os dominados contam suas histórias. Com Josimo, a
história não é na lógica da classe dominante. Com Josimo, os dominados são os
sujeitos históricos”.
O
nome de Padre Josimo está hoje em centenas de Acampamentos de Sem Terra, de
Assentamentos de Reforma Agrária e de Comunidades Eclesiais de Base. Ele está
muito vivo e presente nos corações e na mente de milhões de pessoas que lutam
para que a Mãe terra seja libertada das garras do latifúndio e partilhada com
milhões de sem-terra através de uma reforma agrária popular, massiva e
democrática.
Algumas
pessoas nos alertam perguntando: "Por que valorizar tanto o martírio, o
sofrimento...?" Devemos ser criteriosos para não incentivarmos um martírio
voluntário. É claro que existem muitas pessoas que, de mil e uma formas, e não
raro, de um jeito eficaz e abrangente, dão testemunho, dinamizam a vida, atuam
na cidadania e constroem o bem comum. Não podemos também jamais esquecer a memória
dos inúmeros mártires da caminhada. Ai de um povo que esquece os seus mártires.
José
Vicente, compositor e cantor das CEBs, diz sobre Padre Josimo: "Padre Josimo
sofreu várias ameaças, dois atentados e foi executado à bala, por um
pistoleiro, a mando de um grupo de fazendeiros da região chamada Bico do
Papagaio no Tocantins, onde ele acompanhava toda a situação de conflitos pela
posse da terra e pelos direitos dos trabalhadores, como membro da coordenação
da CPT.
Como
cantor da caminhada, movido pelo testemunho de Josimo, Zé Vicente compôs a
música "Renascerá” em sua homenagem.
"Renascerá, renascerá, o teu sonho, Josimo,
De um novo destino renascerá!
E chegará, e chegará tempo novo sagrado
Há tanto esperado, pra nós chegará!”.
"Renascerá, renascerá, o teu sonho, Josimo,
De um novo destino renascerá!
E chegará, e chegará tempo novo sagrado
Há tanto esperado, pra nós chegará!”.
Dona
Olinda, mãe de Padre Josimo ainda vive e mora na região do Bico do Papagaio. Ao
contemplar sua imagem tão pequena, cabelos brancos, silenciosa, vestindo a
camiseta comemorativa, com a frase do testamento do filho: "morro por uma
Causa justa!”, o nosso coração arde de emoção. Quem conviveu com Josimo diz: "Ele
era um poeta, tocava violão, gostava de escutar as histórias das pessoas, tinha
um jeito manso, gostava de usar aquelas chinelas havaianas”.
Ao
contemplar o pôr-do-sol na beira do grande Rio Tocantins, sob a lua nova que
também deu o ar de graça sobre os presentes, a última estrofe do Samba pra
Josimo irrompe na lembrança, como utopia teimosa, assinada com seu sangue há 27
anos.
"Cada
rio formoso lá do Tocantins
Levará teu sonho a todos os confins
Levará teu sonho a todos os confins
E
cada braço erguido, conquistando o chão
Terá as energias do teu coração!”
Terá as energias do teu coração!”
Assim seja! Amém, Aleluia, Auerê, Uai!
Belo
Horizonte, MG, Brasil, 10 de maio de 2013, 27 anos com padre Josimo Tavares
vivendo vida plena.
Nota:
(1) LE BRETON, BINKA; Todos Sabiam, a morte anunciada
do Padre Josimo, Ed. Loyola, São Paulo, 2000, pp. 129-130.
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