Frei Betto sempre esteve ao lado dos oprimidos e dos
ameaçados de extinção como os indígenas. Aqui apresenta claramente o
conflito que envolve os Guarani-Kaiowá, estes ameaçando suicídio
coletivo caso suas demandas por terra não forem atendidas. São duas
visões de mundo que se confrontam: aquela dos ruralistas que representam
a perspectiva da terra como meio de produção numa lógica utilitarista e
mercantil; a dos povos originários que veem a terra como prolongamento
do corpo, como viva e “mãe do índio” como costumam dizer. Precisamos
aprender desses representantes originários como entreter uma relação
diferente para com a Terra, entendida como Gaia, Pacha Mama e Grande Mãe
que nos dá gratuitamente tudo o que precisamos. Mãe não pode ser
comprada, vendida ou tratada de qualquer jeito. Mãe é para ser venerada,
respeitada e amada. Assim deve ser com a Magna Mater, a boa e generosa
Mãe Terra. LBoff
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A Justiça revogou a ordem de retirada de 170 índios
Guarani-Kaiowá das terras em que habitam no Mato Grosso do Sul. Em carta
à opinião pública, eles apelaram: “Pedimos ao Governo e à Justiça
Federal para não decretar a ordem de despejo, mas decretar nossa morte
coletiva e enterrar nós todos aqui. Nós já avaliamos a nossa situação
atual e concluímos que vamos morrer todos, mesmo, em pouco tempo”.
A morte precoce, induzida – o que nós,
caras-pálidas, chamamos de suicídio – é recurso frequente adotado pelos
Guarani-Kaiowá para resistirem frente às ameaças que sofrem. Preferem
morrer que se degradar. Nos últimos vinte anos, quase mil indígenas, a
maioria jovens, puseram fim às suas vidas, em protesto às pressões de
empresas e fazendeiros que cobiçam suas terras.
A carta dos Guarani-Kaiowá foi divulgada após a
Justiça Federal determinar a retirada de 30 famílias indígenas da
aldeia Passo Piraju, em Mato Grosso do Sul. A área é disputada por
índios e fazendeiros. Em 2002, acordo mediado pelo Ministério Público
Federal, em Dourados, destinou aos índios 40 hectares ocupados por uma
fazenda. O suposto proprietário recorreu à Justiça.
Segundo o CIMI (Conselho Indigenista Missionário),
vinculado à CNBB, há que saber interpretar a palavra dos índios: “Eles
falam em morte coletiva (o que é diferente de suicídio coletivo) no
contexto da luta pela terra, ou seja, se a Justiça e os pistoleiros
contratados pelos fazendeiros insistirem em tirá-los de suas terras
tradicionais, estão dispostos a morrerem todos nela, sem jamais
abandoná-las”, diz a nota.
Dados do CIMI indicam que, entre 2003 e 2011, foram
assassinados, no Brasil, 503 índios. Mais da metade – 279 – pertence à
etnia Guarani-Kaiowá. Em protesto, a 19 de outubro, em Brasília, 5 mil
cruzes foram fincadas no gramado da Esplanada dos Ministérios,
simbolizando os índios mortos e ameaçados.
São comprovados os assassinatos de membros dessa etnia
por pistoleiros a serviço de fazendeiros da região. Junto ao rio Hovy,
dois índios foram mortos recentemente por espancamentos e torturas.
A Constituição abriga o princípio da diversidade e
da alteridade, e consagra o direito congênito dos índios às terras
habitadas tradicionalmente por eles. Essas terras deveriam ter sido
demarcadas até 1993. Mas, infelizmente, a Justiça brasileira é
extremamente morosa quando se trata dos direitos dos pobres e
excluídos.
Um quarto de século após a aprovação da carta
constitucional, em 1988, as terras dos Guarani-Kaiowá ainda não foram
demarcadas, o que favorece a invasão de grileiros, posseiros e agentes
do agronegócio.
Participei, no governo Lula, de toda a polêmica em
torno da demarcação da Raposa Serra do Sol. Graças à decisão
presidencial e à sentença do Supremo Tribunal Federal, os fazendeiros
invasores foram retirados daquela reserva indígena.
No caso dos Guarani-Kaiowá não se vê, por enquanto, a
mesma firmeza do poder público. Até a Advocacia Geral da União,
responsável pela salvaguarda dos povos indígenas – pois eles são
tutelados pela União – chegou a editar portaria que, na prática, reduz a
efetivação de vários direitos.
O argumento dos inimigos de nossos povos originários é
que suas terras poderiam ser economicamente produtivas. Atrás desse
argumento perdura a ideia de que índios são pessoas inúteis,
descartáveis, e que o interesse do lucro do agronegócio deve estar acima
da sobrevivência e da cultura desses nossos ancestrais.
Os índios não são estrangeiros nas terras do Brasil.
Ao chegarem aqui os colonizadores portugueses – equivocamente
qualificados nos livros de história de “descobridores” – se depararam
com mais de 5 milhões de indígenas, que dominavam centenas de idiomas
distintos. A maioria foi vítima de um genocídio implacável, restando
hoje, apenas, 817 mil indígenas, dos quais 480 mil aldeados, divididos
entre 227 povos que dominam 180 idiomas diferentes e ocupam 13% do
território brasileiro.
Não adianta o governo brasileiro assinar documentos
em prol dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável se isso
não se traduzir em gestos concretos para a preservação dos direitos dos
povos indígenas e de nosso meio ambiente.
Bem fez a presidenta Dilma ao efetuar cortes no
projeto do novo Código Florestal aprovado pelo Congresso. Entre o agrado
a políticos e os interesses da nação e a preservação ambiental, a
presidente não relutou em descartar privilégios e abraçar direitos
coletivos.
Resta agora demonstrar a mesma firmeza na defesa dos
direitos desses povos que constituem a nossa raiz e que marcam
predominantemente o DNA do brasileiro, conforme comprovou o Projeto
Genoma Humano.
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