A ocupação religiosa do espaço público
Enviado por luisnassif, sab, 03/11/
Análise: Padre Marcelo busca catolicismo de massas, mas menos atento às questões sociais
Por Ricardo Mariano, na Folha de S.Paulo
A guinada conservadora católica, o acelerado declínio
numérico da filial brasileira da Santa Sé e a avalanche pentecostal acirraram a
competição entre católicos e evangélicos a partir de 1980. Essa peleja
deflagrou uma disputa religiosa pelo espaço público e uma desenfreada ocupação
religiosa da mídia e da política partidária.
Desde então tele-evangelistas,
padres-celebridades e cantores gospel tornaram-se onipresentes na mídia
eletrônica, emissoras de TV pentecostais e católicas brotaram como cogumelos,
rebanhos religiosos viram-se tratados como currais eleitorais, igrejas passaram
a formar bancadas parlamentares, a expandir seu poder nos legislativos e a
controlar partidos, discursos moralistas reacionários de inspiração bíblica
tomaram de assalto as eleições.
A ocupação religiosa do espaço público, sobretudo
nas capitais e regiões metropolitanas, tornou-se ainda mais monumental, mais
espetacular e mais triunfalista. Tudo para causar o maior impacto
evangelístico, gerar a maior visibilidade pública e revestir seus líderes e
suas organizações religiosas de maior poder, status e legitimidade.
Foi por isso que católicos, liderados por
carismáticos e suas comunidades, e neopentecostais, turbinados pela famigerada
teologia da prosperidade, trataram de investir pesado em megaeventos,
megasshows, megamarchas e megamissas e torrar fortunas na construção de
imponentes santuários e catedrais.
Não é à toa que a inauguração do maior templo
católico da América Latina ocorra nesse contexto de vigoroso ativismo religioso
e de midiatização da religião intensificado por uma concorrência
inter-religiosa sem precedentes na história nacional.
Autor do slogan "sou feliz porque sou
católico" e líder religioso mais popular do país, padre Marcelo Rossi foi
o idealizador do Santuário Theotokos "" Mãe de Deus. A fim de
resgatar as ovelhas desgarradas do rebanho e de impedir o "avanço das
seitas", o sacerdote multimídia, multitarefa e workaholic tem trabalhado,
em ritmo toyotista anos a fio, como cantor, ator, escritor, radialista e
tele-evangelista, militado no Twitter e no Facebook e, de quebra, acolhido
romarias de políticos às missas em busca da bênção nas urnas. Em reconhecimento
a seus feitos, o papa Bento 16 lhe deu o Prêmio Van Thuân, em 2010.
No novo santuário, Marcelo Rossi ocupará um palco
muito maior e mais reluzente para cantar seus louvores e baladas, coreografar a
"aeróbica do Senhor", receber celebridades, agitar, entreter e
emocionar as multidões de seguidores, benzer seus objetos pessoais e
lançar-lhes baldes de água benta ao fim de cada show-missa.
Assim ele vai contribuindo para configurar um
catolicismo de massas alegre, corpóreo, sensorial, emotivo, mágico, midiático,
terapêutico, taumatúrgico, moral e teologicamente conservador. Mais popular,
mas menos intelectualizado e menos atento aos problemas socioeconômicos.
RICARDO MARIANO,
professor da PUC-RS, é autor de "Neopentecostais: sociologia do novo
pentecostalismo no Brasil" (Loyola)
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