Médica Mitzi Moraes
Querida e
altaneira médica Mitzi Moraes
Sabe doutora, quando vi a avalanche de coxinhas, bobos da
corte, a invadir as ruas do Brasil portando cartazes bestas onde se lia que o
gigante acordou, que partidos, sindicatos e os movimentos sociais não nos representavam,
com o apoio da mídia golpista colonizada, tomei-me de tristeza.
Quando vi nas redes sociais e nas TVs amigos meus, pessoas
queridas, embarcando na conversa mole da direita e negando a luta que se trava
neste País, desde as masmorras das torturas e da morte até os luxuosos tapetes,
sem que os heróis se verguem à mediocridade dos encantos do poder, empunhando
dizeres ditados por golpistas, mesmo assim desejosos de fazer uma história
torta guiada pelo fascismo, meu coração se curvou de dor.
Quando vi pessoas da luta histórica temendo perder tudo o que
o povo brasileiro conquistou arduamente de desenvolvimento, ainda que
insuficiente e inicial, e as pesquisas dos institutos manipulados a indicar que
a direita privatista, vendida, sem escrúpulos e opressora por ser antipovo,
ameaçava retornar ao poder para entregar o Brasil e jogar novamente o povo na
miséria, minhas pernas tremeram cansadas.
Quando vi que a direita neoliberal prefere milhões de vezes
importar traficantes, traidores e pastor vendedor de Cristo a César, como o
caso do senador boliviano, do que importar médicos e saúde tomei-me de vergonha
pela destrutividade da direita brasileira.
Quando vi pessoas de esquerda sendo esmagadas e arriar a
bandeira de luta, divididas, acovardadas e imobilizadas em face de vagabundos
que jogavam no lixo a história sem fim de lutadores, que desde a chegada de
Pedro Alves Cabral (eita sobrenome maldito) constroem a linha sem fim da
libertação deste povo, dos filhos deste solo, para erguer nossa mãe gentil,
livre do imperialismo e de seus vendilhões e balconistas corruptos, meus olhos
de quem nunca sem acovardou choraram de vergonha.
Quando vi tanta falta de educação, de consciência social, de
falta de cidadania, de estupidez e roubo do dinheiro público gasto na formação
de médicos/as de asfalto e ar condicionado, agredir o colega ministro da saúde,
Alexandre Padilha, virando-lhe as costas e sepultando-o, decepcionei-me com
quem nada conhece de humanidade e que busca na medicina a morte do próximo em
troca do dinheiro para suas farras e deleites burgueses.
Mas desde há alguns dias vejo médicos/as brilhantes,
luminosos/as, aguerridos/as e socialmente comprometidos/as, que enchem
patriotas e cidadãos/ãs de alegria e de orgulho. Estes/as viraram o quadro de
violência e perplexidade pintado por seus colegas fracos de formação ética.
Ontem tive a alegria de fazer a amizade com uma dessas
médicas especiais e coerentes socialmente a Psiquiatra Márcia Tigani, que luta
destemidamente com os alienados em favor de uma saúde pública gratuita e de
qualidade. Depois escreverei também uma carta aqui para ela. Ontem li e reagi à
carta de médica briosa Rafaela Alves Pacheco, que rompeu com a alienação de seu
sindicato, não sem lutar muito em suas trincheiras.
Hoje deparo-me novamente com a surpresa, e com muita alegria,
da carta da psicanalista Maria Rita Khel, que polemiza com sua companheira
de partido, a ministra Marta Suplicy, sobre as prioridades dos investimentos do
MinC nos projetos culturais dos pobres.
Então, médica Mitzi, os coxinhas da medicina pensaram ser
reis da cocada e que centralizariam toda a verdade sobre a saúde no Brasil,
como se não houvesse médicos/as conscientes e inteligentes socialmente. Suas
atitudes e a de seus sindicatos pareciam obscurecer a inteligência.
Mas eis que surgem verdadeiros profetas que denunciam,
criticam, acolhem os estrangeiros e se propõem a caminhar para a frente, como
diz minha amiga psiquiatra Márcia Tigani. E interessante: adotam meu método de
denunciar através de cartas. Maravilha. Parabéns!
Abaixo posto a carta que a psicanalista Maria Rita Khel,
militante aguerrida e não alienada, escreve para a psicóloga e ministra da
cultura Marta Suplicy.
Abraços críticos e fraternos na maravilhosa luta pela justiça
e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano.
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“Prezada Ministra Marta, como vai?
Escrevo para lhe dizer que concordo com a sua afirmação: moda é
cultura. Alta culinária também. No entanto, eu não penso que sejam estas
as expressões culturais que precisam dos incentivos do MinC.
O argumento de que desfiles sofisticados “melhoram a imagem do Brasil
no exterior”, a meu ver, é inconveniente. Esta era uma preocupação dos
governos militares: enquanto havia tortura aqui dentro, eles se
preocupavam com a imagem do Brasil lá fora. Ora, só o fim da ditadura
poderia melhorar nossa imagem frente aos países democráticos.
Hoje, em plena democracia, a tortura só é praticada nas delegacias da
periferia, contra negros e pobres cujas famílias são intimidadas para
que as denúncias não cheguem nem à sociedade local, quanto menos à
comunidade internacional. Então, oficialmente, vivemos em plena
democracia. Mas o que é que “mancha” a imagem do Brasil no exterior? Não
é a falta de alta costura/alta cultura. É a permanência da
desigualdade, que nem os programas sociais dos governos petistas
conseguem debelar de fato, embora tenham sim diminuído
significativamente a miséria que excluía milhões de brasileiros dos
padrões mínimos de consumo.
A desigualdade que persiste no Brasil já não é a que impede o povo
brasileiro de se alimentar. É a que impede o acesso das classes baixas
aos meios de produção. Pescadores perdem as condições de pescar – e com
isso, sua cultura tradicional – expulsos de suas comunidades para se
tornarem, na melhor das hipóteses, trabalhadores braçais não
qualificados. Lavradores, quilombolas e grupos indígenas perdem suas
terras – e com isso, as condições de manter suas práticas culturais –
expulsos pela ganância do agronegócio.
Os Pontos de Cultura criados na gestão Gilberto Gil estão abandonados
em muitas regiões do país. Músicos e poetas das periferias das grandes
cidades não conseguem recursos para mostrar sua arte para o resto do
país. Pequenos grupos de teatro, que sobrevivem graças à Lei do Fomento
criada na sua gestão na Prefeitura de São Paulo, dificilmente conseguem
levar sua produção cultural para outros Estados, muito menos para outros
países.
Não prossigo indefinidamente com exemplos que sei que são de seu
conhecimento. Termino com uma afirmação que me parece até banal: em um
país tão desigual quanto o nosso, fundos públicos só deveriam ser
utilizados para possibilitar o crescimento de quem não tem acesso ao
dinheiro privado.
Tão simples assim. Por isso estou certa de que, a cada vez que o
MinC, o MEC, o Ministério da Saúde e quaisquer outros agirem na direção
oposta à da diminuição da desigualdade, a sociedade brasileira vai se
indignar. As expressões dessa justa indignação é que hão de “manchar a
imagem do Brasil no exterior”’.
Respeitosamente, Maria Rita Kehl.
* Maria Rita Kehl, psicanalista, ensaísta, crítica literária, poetisa
e cronista brasileira.1 Em 2010, foi vencedora do Prêmio Jabuti de
Literatura na categoria “Educação, Psicologia e Psicanálise” com o livro
O Tempo e o Cão.2 3 e recebeu o Prêmio Direitos Humanos do governo
federal na categoria “Mídia e Direitos Humanos”.
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