Dom Orvandil: bispo cabano,
farrapo e republicano,
Meu querido amigo Aldo
Bueno amigo, vivemos o início de
2013. A rigor, mudanças de ano do ponto de vista do calendário não significam
nada. Com respeito às grandes lutas o que importa são os novos fatos apresentados
pela realidade que nos produz e produzida por nós.
Pois bem, há alguns fatos
conjunturais no Brasil que nos chamam a atenção e que pedem de nós revisão de
vida e retomada da luta.
Não padece dúvidas de que o Brasil
avançou econômica, social e politicamente desde 2002 ao fragilizar muito o
neoliberalismo e a direita golpista, sempre emboletada no poder para acumular
riquezas, empobrecer o povo e o País. A eleição de Lula como Presidente da
República e, principalmente sua reeleição, questiona o poder político e
econômico ao propor novo modelo marcado por um pouco mais de distribuição de
renda, promovendo a inclusão de milhões de brasileiros/as até então excluídos e
desumanizados pela miséria promovida intencionalmente pelos poderosos e
vendilhões de nossas riquezas. A eleição de Dilma em 2010 é a reafirmação e continuação
desse projeto fortemente nacional, estatista e aliado aos mais sofridos povos do
chamado Mundo Periférico, explorado à exaustão pelo imperialismo.
Os testemunhos, tanto dos desastres sociais de deterioração da vida humana, do meio ambiente e das relações sociais promovidos pela ditadura militar e pelo desgraçado neoliberalismo de FHC, que jogaram milhões de pessoas concretas na miséria, no desemprego e na destruição dos valores sociais, como das conquistas construídas no sentido de partilhar os bens o máximo possível entre a maioria do povo, são inúmeros. Quem de nós não viu famílias inteiras desempregadas, jovens drogados, pessoas morrerem prematuramente sem médico, crianças e adolescentes sem escolas? Vimos milhões de vidas perdidas enquanto tubarões depositavam trilhões de reais roubados do povo em contas secretas em paraísos fiscais, tudo com apoio de leis iníquas.
Nós, os que não nos deixamos enrolar
pelos cantos enganadores das sereias golpistas e neoliberais e que ajudamos a
pavimentar os caminhos do desenvolvimento com distribuição de renda, com muita
luta, prisões, torturas e mortes, sofremos preocupados com a inexperiência com
o poder. Temíamos que os que chegaram ao poder da República não escutassem mais
o povo que clamava por justiça social, cuja luta é sempre incessante; que se
deixassem engolir pelas gargantas do inferno que se abrem coloridas ante os que
com elas se enganam; temíamos os golpes ardilosos da direita, inconformada com
a vitória do povo, conhecedores que somos da natureza dos direitistas: são
essencialmente traiçoeiros e golpistas. Ao ler documentos e reflexões hoje
concluo que perdemos alguns combatentes que se deixaram iludir pelos encantos
do poder e às tentações da acomodação e do enriquecimento fácil, invariavelmente
à custa da venda da consciência. Outros se perderam pelos descaminhos de
práticas semelhantes e corruptas da direita; outros pelo divisionismo sectário;
outros pelo hegemonismo dos que se acham donos das conquistas e únicos lutadores,
sem cientificidade baseada na história de lutas, imaginando subjetivamente que
o Brasil e o mundo foram criados em 1979. Porém, numa avaliação crítica somos
vitoriosos e aprendemos muito com o poder e com a luta.
Porém, quem de nós não sabe que
estamos somente no começo da luta pelas transformações? De um lado vemos o Governo
Federal emperrado sem tomar medidas mais ousadas em favor do povo, como envidar
mais investimentos na geração de empregos e na defesa das empresas nacionais;
como aprofundar a reforma agrária e tirar do egoísta agronegócio a concentração
de terras e de lucros com os alimentos, que deveriam ser priorizados ao povo e
não aos grandes supermercados, indústrias e bancos, que faturam fortunas com o
encarecimento do pão nosso de cada dia; a democratização da mídia com o
objetivo de matar os ovos da serpente da ditadura neoliberal e golpista, que
são cultivados nos ninhos da casa grande, que tudo faz para que a senzala não
derrube os muros de separação entre elas. Sabemos dos entraves reforçados pelo
STF que abriga a direita golpista na tentativa de lhe dar fôlego para seu retorno
ao poder total. Sabemos também que a direita golpista ainda conta com significativo
espaço no parlamento, em todas as esperas do poder, sempre a serviço do que é
historicamente mais podre nesta República.
Mas uma coisa me angustia mais do que as outras, meu amigo Aldo. Hoje
li que o Deputado Rui Falcão, presidente nacional do PT, reconhece que o
partido errou ao assimilar práticas semelhantes às dos outros, principalmente a
de fazer caixa dois para financiar campanhas eleitorais. Concordo. Todavia, não sei se a mídia omitiu
autocrítica que Falcão fizesse, mas se não omitiu, afirmo que esse não foi o
principal erro do PT e da esquerda. Todos os partidos fizeram e fazem caixa dois,
até para sobreviverem à baixa consciência de seus filiados que não contribuem
financeiramente, e à mecantilização inflacionada das campanhas eleitorais, pois nos partidos de esquerda não há Silas Malafaia nem RR.
Soares, Edir Macedo e Valdomiro Santiago que vendem toalhas sagradas, porções de
terras de Jerusalém, sal do Mar Morto e outras besteiras para iludir a fé
alheia e ganhar dinheiro. Falcão tem
razão, a reforma política derrubaria a anomalia do financiamento das campanhas
eleitorais. Mas esse não é o maior problema. Os problemas das esquerdas no Brasil nesse momento são muito
maiores e isso depende delas e não de reformas. Quando vi a choradeira e a retranca de José
Dirceu, consciente de que ele e outros são perseguidos pela direita, que
promove espetáculo lamentável e golpista ao condená-los à prisão sem provas, me
preocupei e me entristeci. Nunca imaginei que um combatente esperasse em casa
que os algozes da direita usassem os serviços da Polícia Federal para prender
patriotas. Foi o que correu pela imprensa: no dia em que o arrogante Joaquim
Barbosa decidiria se prenderia Dirceu, Genuíno, Delúbio e outros, José Dirceu
esperava em seu apartamento a decisão do possível encarceramento. Como pode isso?
Como um lutador pode baixar a guarda, entregar seus passa portes e aguardar de
braços cruzados a prisão arbitrária? Sem dúvidas, tais atitudes são maus
sinais.
Outras atitudes indicam gritante
necessidade de autocrítica por parte das esquerdas. A maioria dos partidos
confunde eleições burguesas com luta política. Muitos se empenham em “ganhar”
as eleições. Depois seus parlamentares e executivos viram funcionários de
gabinetes, esquecidos e distantes do povo. Suas agendas e discursos não mais mencionam o
povo, os trabalhadores e os pobres. Igualam-se, aí sim, à direita perversa.
Isso é muito ruim e perigoso. Afastam-se dos movimentos sociais, das entidades
comunitárias e trabalhistas. O PT sofre a agravante de viver intensa e
desgastante briga interna entre correntes, que vão desde uma esquerda “pôrra
louca” à direita neoliberal privatista, confundindo inimigos, no desperdício de
energias. Muitas correntes petistas incorrem ainda no erro de confundir o
partido com o governo, abandonando sua missão de engenhar alianças com amplos
setores sociais e crítica na constante pressão por mudanças, sempre com o
coração e razão alimentados pelo povo. O que mais dói é ver partidos marxistas
leninistas conformados com a gelatina burguesa, pensando somente em eleições,
abandonando a luta, que exige avanços políticos e econômicos, no afã de destruir
o sistema da direita criminosa e entreguista. Parece até que pensam que já
libertamos o Brasil das agruras da dependência e do capitalismo.
Na verdade, Aldo, é preciso não
esmorecer. O chamado do povo precisa ser ouvido. Vozes como as de Hugo Chaves,
apaixonado pelo povo, mesmo desde doença grave, entre estados de coma e de
consciência, sempre pergunta por seu povo venezuelano, sem se desesperar e
chorar pelos cantos, como o fez José Dirceu. Outro exemplo é o de Oscar
Niemeyer que, antes de amar a arquitetura, amava a revolução como forma de
libertar o povo da miséria, apesar de seus 104 anos, bem mais lúcido do que o
jovem José Dirceu. Recordo aqui do testemunho de outro brasileiro, o “Cavaleiro
da Esperança”, Luiz Carlos Prestes, de uma vida inteira dedicada ao povo, mesmo
na clandestinidade e na prisão, capaz de perdoar Getúlio Vargas que mandara entregar
sua companheira Olga Prestes ao nazismo alemão, priorizando a unidade do povo e
da Nação Brasileira.
Os sacerdotes e profetas da
revolução não se deixam acomodar por ar condicionado, por mansões e pelos
encantos do poder. O seu conforto é a justiça social conquistada pela luta.
Abraços críticos e fraternos.
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