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segunda-feira

Os gritos e gemidos ensurdecedores históricos do campo têm dois significados



ALEX SILVA:


Caro Ernesto 



Sei do quanto gostas da terra e da produção agrícola; conheço tuas enormes dificuldades na condição de pequeno agricultor. Faltam insumos, mão de obra, equipamentos, investimentos etc. Tua vida aí significa dolorida contradição que agride o mais profundo do ser do trabalhador do campo. É dura e injusta a vida no campo. Representas, meu irmão Ernesto, o sofrimento incalculável de uma estatística enorme de pessoas por todo o Brasil. Do campo veio, nas décadas de 50 em diante, a maioria dos habitantes das cidades brasileiras, empurrados para fora de suas terras pelos tubarões e pelos grileiros injustos, cercados de jagunços bandidos que destruíam pequenas propriedades e matavam os que resistissem, fato que continua acontecendo até hoje. Gilmar Mendes que o diga. Nos setores urbanos milhões perderam os pedaços vendo os filhos jogados nas drogas, nos desempregos, no alcoolismo e no ócio infernal da falta de perspectivas e de qualificação para o trabalho. Porém, os 30 ou 20% que permaneceram nos campos, nas duras lidas agrícolas, não melhoraram em nada suas vidas e condições de trabalho. 


Sou originário do mundo agrícola, como sabes, meu irmão Ernesto. Vi verdadeiras tragédias nas lavouras, campos e rios do interior do Estado. Faltaram educação formal para as crianças, adolescentes e jovens. A ausência de infra-estrutura para o transporte da produção sempre foi assustadora. Lembro dos atoladoras em se transformavam as precárias estradas que ligavam os campos com a cidade. Os trabalhadores rurais envelheciam mais cedo por falta de assistência à saúde em face da dureza da vida. A rudeza de comportamento e relacionamentos pessoais transformava nossos irmãos trabalhadores agrícolas em presas fáceis da criminalidade e do ódio.  Quando alguns escapavam para a cidade e conseguiam se entregar aos estudos provavam o quanto as mulheres e homens rurais são capazes de crescer e se humanizar, basta que lhes respeite os direitos de estudar, crescer e contribuir com a sociedade. 

De sorte que o grande e respeitado líder Pedro Stedile tem razão ao se indignar com o governo Dilma como se indignou com Lula.  Somente quem vive cercado de privilégios, refrescado com aparelhos de ar condicionado nos entapetados gabinetes dos Ministérios em Brasília, contando com viagens gratuitas por todo o País e pelo mundo inteiro, não consegue compreender solidaria e politicamente os problemas do campo, onde sofregamente trabalham, vivem e morrem anonimamente nossos irmãos ao produzir nossos alimentos, boa parte deles transformados em moedas nas contas dos poderosos que especulam com nossa fome. 

Já escrevi aqui que a Presidenta Dilma não avança na necessária reforma agrária. A insensibilidade de seu governo para com a agricultura e a complexidade de problemas na vida rural é gritante. Porém, os poderosos continuam a concentrar terras nas mãos de apenas 1% de privilegiados brasileiros, que usam as terras para especulação e lazer, sem compaixão do País e suas famílias que precisam de alimentos de mais qualidade e de menor preço. Os poderosos que “usam” (!) a mão de obra barata dos trabalhadores rurais para plantar desviam a produção agrícola para o acúmulo de riquezas e até para internacionalizar as terras e o consumo de produtos delas demandados e nelas aplicados, como os insumos, os adubos, os equipamentos, boa parte comprados das multinacionais. 

Pedro Stedile, companheiro presidente do Movimento dos Sem Terras, faz grave advertência à Presidenta, denunciando os gritantes problemas nas terras. Não apenas denuncia, mas anuncia soluções e propõe encaminhamentos, fornecendo competentemente à Presidenta enorme cabedal de informações com as soluções praticamente prontas. Portanto, de um lado ele denuncia as barbaridades geradas pela falta de compromisso e de coragem para empreender a reforma agrária e, por outro, anuncia as soluções, praticamente mastigadas. Stedilie não faz a demagogia dos que jogam pedras nas vidraças e depois correm. Ele põe um dedo nas feridas e abre as mãos para ajudar a curar. Por isso temos que apoiá-lo. Ele é sério. 

Vale apena conferir o texto de Pedro Stedile abaixo, um verdadeiro documento profético escrito à Presidenta Dilma através da Revista Carta Capital e reproduzido pelo site Brasil 247. 

É bom que o governo Dilma lembre que o MST e outros seguimentos de mobilização rural apoiaram Lula no momento mais crítico quando a direita golpista armava o golpe para derrubá-lo. Depois empenharam-se para reelegê-lo. Apoiaram a candidata Dilma sob a justificativa de que José Serra significava o aumento da violência nos campos e o emperramento da reforma agrária. Até agora os Sem Terras apóiam o governo Dilma, num maravilhoso testemunho de paciência. Ao firmar que Dilma está cega para os problemas dos campos, Stedile chama a atenção do governo para o problema e aponta a solução, com toda a razão.  Não é bom testar os nervos e serenidade dos trabalhadores nem trair-lhes a confiança. Eles são sagrados por lidar com o solo e com os alimentos. Merecem respeito e justiça.

Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano. 

Abraços críticos e fraternos.
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Conflito permanente

A sociedade brasileira enfrenta no meio rural problemas de natureza distintos que precisam de soluções diferenciadas. Temos problemas graves e emergenciais que precisam de medidas urgentes. Há cerca de 150 mil famílias de trabalhadores sem-terra vivendo debaixo de lonas pretas, acampadas, lutando pelo direito que está na Constituição de ter terra para trabalhar. Para esse problema, o governo precisa fazer um verdadeiro mutirão entre os diversos organismos e assentar as famílias nas terras que existem, em abundância, em todo o País. Lembre-se de que o Brasil utiliza para a agricultura apenas 10% de sua área total.

Há no Nordeste mais de 200 mil hectares sendo preparados em projetos de irrigação, com milhões de recursos públicos, que o governo oferece apenas aos empresários do Sul para produzirem para exportação. Ora, a presidenta comprometeu-se durante o Fórum Social Mundial (FSM) de Porto alegre, em 25 de janeiro de 2012, que daria prioridade ao assentamento dos sem-terra nesses projetos. Só aí seria possível colocar mais de 100 mil famílias em 2 hectares irrigados por família.

Temos mais de 4 milhões de famílias pobres do campo que estão recebendo o Bolsa Família para não passar fome. Isso é necessário, mas é paliativo e deveria ser temporário. A única forma de tirá-las da pobreza ó viabilizar trabalho na agricultura e adjacências, que um amplo programa de reforma agrária poderia resolver. Pois nem as cidades, nem o agronegócio darão emprego a essas pessoas.

Temos milhões de trabalhadores rurais, assalariados, expostos a todo tipo de exploração, desde trabalho semiescravo até exposição inadequada aos venenos que o patrão manda passar, que exige intervenção do governo para criar condições adequadas de trabalho, renda e vida. Garantindo inclusive a liberdade de organização sindical.

Há na sociedade brasileira uma estrutura de propriedade da terra, de produção e de renda no meio rural hegemonizada do modelo do agronegócio que está criando problemas estruturais gravíssimos para o futuro. Vejamos: 85% de todas as melhores terras do Brasil são utilizadas apenas para soja/ milho; pasto, e cana-de-açúcar. Apenas 10% dos fazendeiros que possuem áreas acima de 200 hectares controlam 85% de todo o valor da produção agropecuária, destinando-a, sem nenhum valor agregado, para a exportação. O agronegócio reprimarizou a economia brasileira. Somos produtores de matérias-primas, vendidas e apropriadas por apenas 50 empresas transnacionais que controlam os preços, a taxa de lucro e o mercado mundial. Se os fazendeiros tivessem consciência de classe, se dariam conta de que também são marionetes das empresas transnacionais.

A matriz produtiva imposta pelo modelo do agronegócio é socialmente injusta, pois ela desemprega cada vez mais pessoas a cada ano, substituindo-as pelas máquinas e venenos. Ela é economicamente inviável, pois depende da importação, anotem, todos os anos, de 23 milhões de toneladas (s/ç) de fertilizantes químicos que vêm da China, Uzbequistão, Ucrânia etc. Está totalmente dependente do capital financeiro que precisa todo ano repassar: 120 bilhões de reais para que possa plantar. E subordinada aos grupos estrangeiros que controlam as sementes, os insumos agrícolas, os preços, o mercado e ficam com a maior parte do lucro da produção agrícola. Essa dependência gera distorções de todo tipo: em 2012 faltou milho no Nordeste e aos avicultores, mas a Cargill, que controla o mercado, exportou 2 milhões de toneladas de milho brasileiro para os Estados Unidos. E o governo deve ter lido nos jornais, como eu... Por outro lado, importamos feijão-preto da China, para manter nossos hábitos alimentares.

Esse modelo é insustentável para o meio ambiente, pois pratica a monocultura e destrói toda a biodiversidade existente na natureza, usando agrotóxicos de forma exagerada. E isso desequilibra o ecossistema, envenena o solo, as águas, a chuva e os alimentos. O resultado é que o Brasil responde por apenas 5% da produção agrícola mundial, mas consome 20% de todos os venenos do mundo. C) Instituto Nacional do Câncer (Inca) revelou que a cada ano surgem 400 mil novos casos de câncer, a maior parte originária de alimentos contaminados pelos agrotóxicos. E 40% deles irão a óbito. Esse é o pedágio que o agronegócio das multinacionais está cobrando de todos os brasileiros! E atenção: o câncer pode atingir a qualquer pessoa, independentemente de seu cargo e conta bancária.

Uma política de reforma agrária não é apenas a simples distribuição de terras para os pobres. Isso pode ser feito de forma emergencial para resolver problemas sociais localizados. Embora nem por isso o governo se interesse. No atual estágio do capitalismo, reforma agrária é a construção de um novo modelo de produção na agricultura brasileira. Que comece pela necessária democratização da propriedade da terra e que reorganize a produção agrícola cm outros parâmetros. Em agosto de 2012, reunimos os 33 movimentos sociais que atuam no campo, desde a Contag até o movimento dos pescadores, quilombo-las, MST etc., e construímos uma plataforma unitária de propostas de mudanças. E preciso que a agricultura seja reorganizada para produzir, em primeiro lugar, alimentos sadios para o mercado interno e para toda a população brasileira. E isso é necessário e possível, criando políticas públicas que garantam o estímulo a uma agricultura diversificada em cada bioma, produzindo com técnicas de agroecologia. E o governo precisa garantir a compra dessa produção por meio da Conab.

A Conab precisa ser transformada na grande empresa pública de abastecimento, que garante o mercado aos pequenos agricultores e entregue no mercado interno a preços controlados. Hoje já temos programas embrionários como o PAA (programa de compra antecipada) e a obrigatoriedade de 30% da merenda escolar ser comprada de agricultores locais. Mas isso atinge apenas 300 mil agricultores e está longe dos 4 milhões existentes.

O governo precisa colocar muito mais recursos em pesquisa agropecuária para alimentos e não apenas servir às multinacionais, como a Embrapa está fazendo, em que apenas 10% dos recursos de pesquisa são para alimentos da agricultura familiar. Criar um grande programa de investimento em tecnologias alternativas, de mecanização agrícola para pequenas unidades e de pequenas agroindústrias no Ministério de Ciência e Tecnologia.

Criar um grande programa de implantação de pequenas e médias agroindústrias na forma de cooperativas, para que os pequenos agricultores, em todas as comunidades e municípios do Brasil, possam ter suas agroindústrias, agregando valor e criando mercado aos produtos locais. O BNDES, em vez de seguir financiando as grandes empresas com projetos bilionários e concentradores de renda, deveria criar um grande programa de pequenas e médias agroindústrias para todos os municípios brasileiros.

Já apresentamos também ao governo propostas concretas para um programa efetivo de fomento à agroecologia e um programa nacional de reflorestamento das áreas degradadas, montanhas e beira de rios nas pequenas unidades de produção, sob controle das mulheres camponesas. Seria um programa barato e ajudaria a resolver os problemas das famílias e da sociedade brasileira para o reequilíbrio do meio ambiente.Infelizmente, não há motivação no governo para tratar seriamente esses temas. Por um lado, estão cegos pelo sucesso burro das exportações do agronegócio, que não tem nada a ver com projeto de país, e, por outro lado, há um contingente de técnicos bajuladores que cercam os ministros, sem experiência da vida real, que apenas analisam sob o viés eleitoral ou se é caro ou barato... Ultimamente, inventaram até que seria muito caro assentar famílias, que é necessário primeiro resolver os problemas dos que já têm terra, e os sem-terra que esperem. Esperar o quê? O Bolsa Família, o trabalho doméstico, migrar para São Paulo?

Presidenta Dilma, como a senhora lê a Carta Capital, espero que leia este artigo, porque dificilmente algum puxa-saco que a cerca o colocaria no clipping do dia.

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