Casaldáliga deveria ser papa, mas – de novo – está ameaçado de morte
Leonardo Sakamoto
Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia e um
dos maiores defensores dos direitos humanos no país, mais uma vez está
marcado para morrer Aos 84 anos e doente, teve que deixar sua casa em
São Félix do Araguaia por conta das ameaças surgidas em decorrência do
governo brasileiro, finalmente, ter começado a retirar os invasores da terra indígena Marãiwatsédé, Nordeste de Mato Grosso – ação que sempre foi defendida por ele.
Incentivados por fazendeiros e políticos locais, alguns grupos de
invasores decidiram resistir à decisão judicial de sair e forçaram
conflitos com as tropas, além de ameaçar lideranças.
Casaldáliga, junto com Tomás Balduíno, dois bispos engajados na luta
pela dignidade no campo, serão homenageados, nesta segunda (17), na
entrega do Prêmio Direitos Humanos 2012, em Brasília.
Joseph Ratzinger, em um discurso a bispos brasileiros na época da
nossa última eleição presidencial, afirmou que “os pastores têm o grave
dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas”. Ou seja,
Bento 16 pediu para que os representantes de sua igreja orientassem
politicamente os fiéis. E seguiu o script esperado, condenando o aborto e
a eutanásia e, implicitamente, a pesquisa com embriões para obtenção de
células-tronco.
Todas as igrejas e suas chefias são livres para elencar seus assuntos
mais importantes. Mas fico imaginando a pauta de preocupações se, ao
invés de Joseph Ratzinger, fosse Pedro Casaldáliga o papa. E, ao se
dirigir a bispos brasileiros, fizesse outro tipo de “juízo moral” em
“matérias políticas”, retomando palavras que ele proferiu há tempos:
“Malditas sejam todas as cercas! Malditas todas as propriedades
privadas que nos privam de viver e amar! Malditas sejam todas as leis
amanhadas por umas poucas mãos para ampararem cercas e bois, fazerem a
terra escrava e escravos os humanos.”
A Teologia da Libertação tem sido uma pedra no sapato de quem lucra
com a exploração do seu semelhante. Na prática, esses religiosos
católicos realizam a fé que a Santa Sé não consegue colocar em prática.
Pessoas como Pedro Casaldáliga, Tomás Balduíno, Henri des Roziers, Erwin
Klautler e Xavier Plassat que estão junto ao povo, no meio da Amazônia,
defendendo o direito à terra e à liberdade, combatendo o trabalho
escravo e acolhendo camponeses, quilombolas, indígenas e demais
excluídos da sociedade.
Bento 16, no mesmo discurso, defendeu a solidariedade aos pobres e
desamparados. Como ex-coroinha, fico pensando em que tipo de
solidariedade ele estava falando? Da caridade? Uma ação pouco útil, que
consola mais a alma daquele que doa do que o corpo daquele que recebe?
Ou da solidariedade de reconhecer no outro um semelhante e caminhar
junto a ele pela libertação da alma e do corpo de ambos? Se for a
primeira, ele está pregando a continuidade de uma igreja que ainda não
consegue entender as palavras revolucionárias que estão no alicerce de
sua própria fundação.
Se falou da segunda, a solidariedade como redenção do corpo e da alma, ele se referiu claramente à Teologia da Libertação.
Prefiro acreditar que ele estava falando da primeira, pois seria
irônico a atual administração do Vaticano pregar algo que o catolicismo
vem combatendo há tempos.
Enquanto isso, nossa realidade continua lembrando muito daqueles
microcosmos de poder do Brasil profundo, presentes nas obras de Dias
Gomes: o padre, o delegado e o coronel, amigos de primeira hora, tomando
uma cachacinha na (ainda) Casa-grande, gargalhando da vida e discutindo
sobre os desígnios do mundo, que – para eles – deveria ter a cara de
seu vilarejo.
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