Antes urgente, julgamento do STF é suspenso com viagem do relator
Barbosa zarpou para a Alemanha. Mas ministro
cumpriu o script: condenou Dirceu e Genoino antes da eleição
Aos
meses de fuzarca, de repente, substituiu o silêncio no STF.
O
que houve para vir, sem aviso, essa súbita paz? Onde está o intimorato Barbosa
e os outros (cáspite!) mosqueteiros? Será que, como em Varsóvia no século XIX,
reina a paz por falta de sobreviventes? Mas, estranhamente, ninguém morreu,
nenhum vampiro foi transpassa-do por uma estaca, e também não se moveu do lugar
a estátua que Ceschiatti fez da Justiça – continua ela onde sempre esteve: do
lado de fora do prédio do STF, na Praça dos Três Poderes.
Assim,
onde estão aqueles apressados que queriam condenar – e condenaram - dirigentes
políticos a toque de caixa, sem outra razão que não seja a perseguição política?
Aqueles que nem queriam dar o devido tempo ao revisor para apresentar o seu
parecer, onde estão? Que não queriam esperar ou gastar tempo com os
procedimentos formais que caracterizam a Justiça brasileira há mais de 100
anos, cadê eles? Aqueles mesmos que não podiam esperar 45 dias – tempo da
campanha eleitoral – para dar sua sentença: onde estão? Sim, onde foram aqueles
que, para condenar, dispensaram, em poucas semanas, as provas, o in dubio
pro reo, e, por falar no Direito Romano, antes de tudo, passaram por cima
do princípio de que "onde não existe justiça não pode haver direito"
(ubi non est justitia, ibi non potest esse jus)?
Onde
estão? Não há fumaça, aqui, que anuncie o bom direito (fumus boni juris).
Pelo contrário, aqui, se há fumaça, é porque o bom direito foi torrado no
forno.
Bastou
as eleições encerrarem as apurações, que não há mais pressa entre os apressados
do STF. Alguns já preveem que o processo vá durar mais uns três meses, outros
nem se arriscam a uma aposta – ou prognóstico. E todos falam que é preciso que
o relator volte, ou que ele vai voltar logo, para que se termine com o negócio.
Naturalmente, o problema não é se o relator vai levar pouco ou muito tempo para
voltar, mas o fato dele sumir do tribunal nesse processo, sem que ninguém sinta
que há qualquer anormalidade nesse sumiço. Imaginemos algo sério – por exemplo,
em Nuremberg, se um juiz soviético ou norte-americano, sem substitutos,
resolvesse sumir por uma semana. Estaria criado um charivari capaz de derrubar
o resto do Reichstag, se é que deste ainda havia algo em pé.
Mas,
na Ação Penal nº 470, o relator pode sumir sem problemas – contanto que seja
depois das eleições. Simplesmente, não há nada sério nesse suposto julgamento,
exceto a condenação de inocentes, o atentado à democracia, ao Direito, em suma,
à liberdade.
E
onde está o relator?
O
relator Barbosa está em Düsseldorf, na Alemanha (foi só a gente falar em
vampiro...), cidade que hoje tem péssima fama quanto ao gosto musical e que não
é mais a sede da indústria do aço alemã – dos Krupp, Thyssen e outros bandidos
-, mas um centro financeiro tentacular - dos Krupp, Thyssen e os outros mesmos
bandidos.
Os
fanáticos pela poesia vão lembrar que Heine nasceu nessa cidade – mas isso foi
há muito tempo, um pouco antes de Napoleão conquistá-la, quando um sujeito
nascido judeu podia se tornar um grande poeta alemão e escrever que sua cidade
era muito bonita, desde que lembrada de longe.
Porém,
Barbosa, que não é dado a essas frivolidades (poesia?), foi lá para tratar das
vértebras, que, segundo garantiu, estão em péssimo estado, depois de sua
atuação como relator da Ação Penal nº 470. Só em Düsseldorf, certamente, existe
um médico capaz de cuidar da coluna de sua excelência.
Naturalmente,
estão faltando ortopedistas no Brasil. Por isso, o relator foi para a Alemanha
com o espinhaço em pandarecos. Não podia confiar seus costados a um brasileiro.
Tinha que ser a um alemão. Deve ser por via ortopédica que ele absorveu a
teoria do domínio do fato e outras curiosidades nazistas que permitem, mesmo
sem provas, condenar os réus que a mídia e os golpistas que seguem a mídia
querem condenar.
Já
dizia o velho lente da ortopedia nacional, o inesquecível professor Dagmar
Aderaldo Chaves, de quem o autor destas linhas foi aluno, que certas posturas
causam muitos problemas para a coluna. Com efeito, mas o professor, apesar de
catedrático de quatro faculdades de medicina, era cearense de Mombaça.
O
relator Barbosa não podia confiar a coluna a um discípulo do grande Dagmar.
Sabe-se lá, era capaz de aparecer outro cearense... Portanto, arrumou um alemão
que descobriu na Internet – e que se diz ex-médico do papa, como se Sua
Santidade precisasse de médicos milagrosos, logo ele, que é administrador desse
condomínio aqui na terra.
Entretanto,
leitores, a questão é: por que a coluna do relator Barbosa aguentou até agora,
impavidamente? Se a situação era tão ruim e ele queria se submeter ao
tratamento alemão, por que não foi antes, e começou o processo depois? Que
diferença fazia?
Pelo
jeito, apenas uma.
Quer
dizer que, passada a eleição, o processo pode demorar à vontade? Se a questão
era tão urgente que quase causou uma briga com outros colegas, por que agora
deixou de ser urgente - exceto porque a eleição já passou? O relator,
naturalmente, podia recorrer a um especialista daqui mesmo (e há muitos que são
ótimos), ou, se fosse de sua preferência, usar um analgésico, uma pomada, ou
mesmo o tradicional emplastro Sabiá – e, ainda, tomar o infalível chá de sucupira,
que é tiro e queda para dores de coluna. Mas ele nem piscou para deixar o
processo inconcluso e viajar para a Alemanha. Ora, a urgência do processo...
Os
leitores certamente convirão que há poucas coisas que apontem tanto para os
incon-fessáveis interesses que presidiram (e relataram...) as condenações de
José Dirceu e José Genoino, quanto essa súbita, apesar de breve, incursão
pós-eleitoral de Barbosa pelas margens do Reno. Quando se perde até o senso das
conveniências, é porque a verdade, apesar de todas as tentativas de
sepultamento, permanece viva e batendo como um coração denunciador, além da
vontade dos - e em desafio - aos seus coveiros. E nem falemos no desrespeito ao
povo, porque, realmente, parece escárnio e deboche.
CARLOS LOPES
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