Vendeta e afronta à Carta guiam condenação de Dirceu e Genoino
Votos dos ministros do Supremo foram políticos, para criminalizar o
PT, sem provas e pautados nos períodos mais sombrios da nossa história e da
Humanidade.
De
acordo com os critérios usados pelos seis ministros do STF que condenaram José
Dirceu, José Genoino e outros por "formação de quadrilha", eles
próprios, os seis inquisidores, são uma quadrilha. Segundo disseram, basta a
associação para fazer alguma coisa, ainda que nem isso tenham provado...
Há
coisas com que não vale a pena perder tempo: por exemplo, ver o sr. Gilmar
Mendes, depois de livrar Daniel Dantas duas vezes da cadeia, exibir seus
conhecimentos sobre o que é uma "quadrilha". Ou ver o relator Barbosa
falar de "exclusão sociológica", ao tentar intimidar uma das
ministras, como se as injustiças sociais tornassem justa a injustiça que estava
perpetrando – ou como se os injustiçados na vida tivessem algum privilégio para
cometer injustiças.
GUARDIÃES
Não
é apenas o problema jurídico-formal – apontado pelas ministras Carmen Lúcia,
Rosa Weber, e, naturalmente, pelo ministro Lewandowski: evidentemente, uma
"quadrilha" é definida como uma organização permanente, formada para
cometer crimes mais ou menos em geral, e não uma associação fortuita para fazer
algo específico, sobretudo quando nem esse "algo específico" está
provado .
Mais
importante é o caráter político, isto é, de perseguição política, da condenação
– esse caráter que faz com que alguns indivíduos que deveriam ser guardiães da
Constituição e das demais leis, saiam atirando contra o que deveriam proteger.
O
ministro Marco Aurélio de Mello não foi o único a colocar a ditadura num
pedestal maior que o das estátuas equestres de D. Pedro I.
Mello
disse, em seu voto, que "mostram-se os integrantes em número de 13. É
sintomático o número". Portanto, não se avexa de exibir publicamente -
e despudoradamente - que seu julgamento é meramente político, isto é, uma
perseguição política. Naturalmente, nem é sutil o suficiente para que haja
dúvidas quanto ao significado do que disse: quer livrar o país do
"13", isto é, do PT.
Em
2010, o mesmo Marco Aurélio de Mello, nomeado para o STF por seu primo,
Fernando Collor de Mello, declarou que a ditadura "foi um mal necessário".
Na segunda-feira, numa conferência sobre "Segurança Jurídica no País"
(logo sobre isso!) reafirmou seu elogio e disse que, sem o golpe, "o
que teríamos hoje? Eu não sei".
O
golpe de 1º de abril não somente depôs o presidente eleito e constitucional do
país; não somente fechou e cassou metade do Congresso; não somente ceifou as
fileiras mais patrióticas das Forças Armadas. O golpe (que Mello tem o
descaramento de chamar de "revolução", como os golpistas e
torturadores de 50 anos atrás) rasgou a Constituição, substituindo-a por um
outorgado estatuto de submissão – e nem esse era respeitado, uma vez que os
"atos institucionais" é que realmente valiam; o golpe aboliu os
direitos democráticos da população; e aleijou o Supremo Tribunal Federal,
tornando-o um órgão homologatório, ao nomear ilegalmente cinco membros para
alterar sua composição e ao cassar, pelo AI-5, três ministros, dos mais
importantes e brilhantes: Vitor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva
(que, 24 anos depois, seria o advogado do povo contra o primo de Marco Aurélio,
o malfadado Collor).
Em
suma, é disso que o sr. Mello está fazendo apologia – e nem citamos as prisões,
as torturas, os assassinatos, enfim, o regime do pau-de-arara, do choque
elétrico e da submissão à CIA e ao FMI.
O
PT, cujo número é 13, pode ter lá seus problemas – e deve ter muitos. Porém,
não apoiou golpes, não apoiou ditaduras, e, muito menos, fez apologia de uma
ditadura derrubada há 27 anos (só para registro, nem houve algum de seus
membros, entre os condenados no STF, que houvesse enriquecido ou tirado
vantagem pessoal; se houvesse, com tanta investigação, nós já saberíamos).
Isso
é muito mais, e melhor, do que pode-se dizer do sr. Mello – ou do sr. Gilmar
Mendes, ou do sr. Celso de Mello, ou dos muito medíocres Barbosa, Ayres ou Fux.
A
propósito, eis um trecho do voto do ministro Luís Fux:
"Abalar
a normalidade e a paz do parlamento mediante votações viciadas já caracteriza
um dos mais significativos abalos à paz pública, tanto é assim que em
tempos passados essa estratégia de abalo da vontade legítima do parlamento
configurava crimes de segurança nacional" (grifos nossos).
Fux
sabe que não há prova dessas "votações viciadas": por isso não pediu
que votação alguma do Congresso, uma única sequer, fosse anulada, o que é uma
sólida prova de que não há provas do que ele diz - ou é uma prova de
prevaricação judiciária.
No
entanto, o que mais chama a atenção no trecho que citamos é que a "paz
pública" é definida pela "lei de segurança nacional" da
ditadura, talvez a lei mais fascista e antinacional que já vigorou no país – e
que nada tinha a ver, como observou há 32 anos o jurista Heleno Fragoso, com a
segurança nacional, até porque foi imposta pelos EUA (para o leitor interessado
no assunto e em conhecer um verdadeiro jurista, recomendamos: Heleno C.
Fragoso, "Lei de segurança nacional. Uma experiência antidemocrática",
Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris, 1980; "Sobre a lei de segurança
nacional", Revista de Direito Penal, n.º 30, 1980; e "Advocacia
da Liberdade", Rio de Janeiro, Forense, 1984).
Pelo
que diz Fux, a "lei de segurança nacional" da ditadura foi feita para
proteger as instituições (ou, quem sabe, o país) de uma suposta
"estratégia de abalo da vontade legítima do parlamento". Deve ser por
isso que a ditadura fechou várias vezes os parlamentos (Senado, Câmara,
Assembleias, câmaras de vereadores) e mutilou-os impiedosamente, cassando
parlamentares durante quase duas décadas.
Para
resumir: se a ditadura chamava tal ou qual coisa de "crime de segurança
nacional", segundo Fux, é porque a coisa era muito grave... De onde se
conclui que aquilo que ele condenou em Dirceu e Genoino foi a recusa deles em
se conformar com os ditames da ditadura para a "segurança nacional".
A
condenação, portanto, nada tem a ver com "formação de quadrilha". Tem
a ver com vingança daqueles que acabaram com a era dourada ditatorial e
fascista de alguns fariseus.
SAULO
Vejamos
o raivoso sr. Celso de Mello, cuja credencial para ser ministro do STF foi a de
ter sido secretário do Consultor Geral da República, Saulo Ramos, no governo
Sarney. Aliás, Saulo escreveu e publicou, em seu livro "Código da
Vida", o conceito que tinha – ou chegou a ter – do seu ex-secretário
(literalmente: "um juiz de merda" - ver matéria nesta página).
Mas,
disse o ex-secretário de Saulo Ramos que "nunca presenciei caso em que o
delito de quadrilha se apresentasse tão nitidamente caracterizado". Por
quê? Ora, pois, o conceito é "plurissubjetivo" (o que não quer dizer
absolutamente nada, pois é evidente que uma quadrilha não pode ser composta só
por um sujeito, logo, o conceito não pode ser "unissubjetivo"). Mas o
melhor vem em seguida: "[o conceito de formação de quadrilha é um crime] que
subsiste autonomamente, ainda que os crimes sequer venham a ser cometidos".
A
única coisa clara nessa confusão entre conceito jurídico e caso concreto, entre
capitão de fragata e sabe-se lá o quê, é que o ex-secretário de Saulo Ramos não
vê dificuldade alguma em condenar alguém por um crime, sem que tenha sido
cometido crime algum... Aliás, foi exatamente o que ele fez - e ele sabe
exatamente o que fez:
"Estamos
a condenar não atores políticos, mas protagonistas de sórdidas tramas
criminosas. Condenam-se não atores ou agentes políticos, mas agentes de crimes".
Só
existe uma razão para tal esclarecimento: não é um esclarecimento. Pelo
contrário, ele só é "necessário" para esconder, ao modo da folha de
parreira que enfatiza mais o que está por trás, a perseguição por razões
políticas, ou seja, a condenação de "atores políticos".
CARLOS LOPES
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