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sexta-feira

Joaquim Barbosa pratica julgamento iníquo



No afã de condenar, Joaquim Barbosa ignora Código Penal Hora do Povo

Para ele, o que vale agora é a culpa presumida. Com a decisão do Supremo, a autoridade moral do tribunal vaporiza-se. 
  
 
O afã do ministro Barbosa era tanto, para condenar os réus, que na terça-feira esqueceu-se de que, exceto quando se está numa monarquia ou ditadura absolutas, não é possível condenar alguém a uma pena que não esteja prevista no Código Penal. Em Espanha, na década de 30 do século passado, Franco estabeleceu – evidentemente, contra a lei – que, nas condenações à morte, os pedidos de clemência não poderiam ser apreciados antes da execução da pena. Porém, Barbosa não tem as tropas de Hitler e Mussolini para sustentar sua propensão de colocar-se acima do Código Penal (e, aliás, da Constituição)...

Por isso, foi de um ridículo atroz. Mas a isso chegou a histeria, subproduto inevitável da submissão a um torpe esquema, de resto golpista até os cueiros.

Já se sabe há muito, a histeria é uma manifestação de impotência, nesse caso auto-infligida por ilusão de que os refletores da mídia serão eternos - quando nem mesmo essa mídia golpista é eterna. Menos ainda, os seus refletores.

Longe de ser uma demonstração de sua ignorância – o que, provavelmente, também é – o festival de erros fornecido por Barbosa ao público, mostrou, sem pundonor algum, o espírito que presidiu ao julgamento da Ação Penal nº 470 (AP 470): o desprezo pelas leis, a começar pela Constituição, o desrespeito aos mínimos procedimentos civilizados do que se chama Justiça – por exemplo, a dispensa de provas para condenar alguém – e a parcialidade, o partidarismo e a raivosa perseguição política, no mesmo nível, infinitamente baixo, das teorias nazistas a que se recorreu (e só podia ser a elas) para consumar esse aborto jurídico e moral.

Se o leitor não gosta do José Dirceu ou do José Genoino – ou do PT -, isso não tem a menor importância: nem por isso, certamente, será a favor de um esbulho. Basta colocar-se no lugar deles. Como escreveu Martin Luther King em sua Carta da Prisão de Birmingham, "a injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todos os lugares" ("injustice anywhere is a threat to justice everywhere").

Um dos perpetradores, o sr. Ayres de Britto, nada menos que o presidente do STF, declarou, há dias, que as condenações lhe deixavam com um "gosto amargo na boca. Gosto de jiló, mandioca roxa, berinjela crua".

Ninguém que esteja fazendo justiça sente-se com uma mandioca roxa na boca – muito menos uma berinjela crua ou um jiló. Mas, é forçoso reconhecer, há quem goste de um jiló – quem sabe se de uma mandioca roxa ou de uma berinjela crua? Mas, seja como for, esse não é o gosto da justiça...

Alexis de Tocqueville, o historiador francês do século XIX, escreveu - se não nos falha a memória, em seu livro sobre o sistema penitenciário dos EUA - que "o grande objetivo da Justiça é substituir a ideia da violência pelo Direito".

Parece tão óbvio que somente agora, diante dessa substituição do Direito pela violência, percebemos que a frase de Tocqueville é algo mais profunda do que até então havíamos considerado. Pelo menos, não é uma banalidade. Realmente, não é por acaso que o fascismo jamais conseguiu conviver com o Direito, exceto com suas caricaturas e simulacros horrendos – e, aliás, a rigor, nem com estes.

Sem dúvida, os que desempenharam esse lastimável papel ganharam alguns editoriais, o mais das vezes de um nazismo meia-tigela - porque sem força para se impor sobre a nação. Naturalmente, não existem odes escritas em homenagem a Pilatos. Mas, antes não tivessem ganho nem esses editoriais: acabaram por obter um documento próprio para a sua execração pública – e histórica. O que pensará um descendente, ao saber que o grande apoio que seu antepassado angariou foi o de um certo Cabeção, que exibe seus dotes amestrados no canil - quer dizer, no órgão oficial - da quadrilha Cachoeira?
Antes a morte do que tal notoriedade.

No entanto, é inevitável que os atentados à democracia – ao povo e a seus interesses – tenham esse fim.

Os integrantes do STF que colocaram sua instituição nessa triste situação que arquem com as consequências. A única força que o Supremo tinha era a sua autoridade moral – isto é, nas palavras de Rui Barbosa, a de ser o "guardião das leis", o tribunal máximo que garantia a aplicação das leis. Sua autoridade provinha, exatamente, da lei e de sua fidelidade a ela. Nas palavras de um dos ministros que mais honraram o Supremo, Evandro Lins e Silva, citando outro (Pedro Lessa, que foi, precisamente, o primeiro negro na história do STF):

"O grande Ministro Pedro Lessa já estigmatizara a figura do ‘juiz legislador’, não prevista ‘pelos que organizaram e limitaram os nossos poderes políticos’. (....) Em nosso sistema, a fonte primária do direito é sempre a lei, emanada do Poder Legislativo, para isso eleito pelo povo diretamente. Os juízes não têm legitimidade democrática para criar o direito, porque o povo não lhes delegou esse poder. A sua função precípua, na organização estatal, é a de funcionar como árbitros supremos dos conflitos de interesse na aplicação da lei" (Evandro Lins e Silva, "Crime de hermenêutica e súmula vinculante", Consulex nº 5, 1997).

Se a figura do "juiz legislador" é um estigma desde os tempos de Pedro Lessa (ministro do STF de 1907 a 1921), pior ainda o "juiz executor" - aquele que serve aos poderosos no delírio de que está exercendo algo parecido com uma ditadura judicial. Cícero tinha razão ao dizer que "um juiz iníquo é pior do que um carrasco".

O problema é que, se a maioria atual dos membros do STF desbarata a própria fonte do que até então constituía a sua autoridade, quem respeitará essa autoridade? Em toda a História, a obrigação dos homens e mulheres decentes sempre foi a de não coonestar e não se submeter à iniquidade e à injustiça.

CARLOS LOPES

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