Roraima abriga pouco mais de 400 mil habitantes num território de 224.298 km² (pouco menor que o Equador). Raposa Serra do Sol é uma área de 1,67 milhão de hectares, situada no nordeste do estado, nas fronteiras com a Venezuela e a Guiana. A área foi demarcada pelo Ministério da Justiça, através da Portaria 820/98, em 1998, durante o governo FHC.
        Da área de Roraima, 46,35% são reservadas aos indígenas.          Ali eles somam 46.106, distribuídos em 152 aldeias dos povos Yanomami          (15 mil), Macuxi, Wapixana, Wai-Wai, Ingaricó, Taurepang, Waimiri-Atroari          e Patamona.
        Políticos e arrozeiros queriam a demarcação em área          descontínua, "ilhas" onde pudessem permanecer com suas          terras (invadidas) e propriedades (ilegais). Três municípios          foram criados dentro da reserva indígena: Normandia, Uiramutã          e parte de Pacaraima.
        Raposa Serra do Sol não é apenas uma selva salpicada de          tribos. Ali atuam 251 professores indígenas em 113 escolas de ensino          fundamental e três de ensino médio. Os indígenas manejam          um rebanho de 27 mil cabeças de gado. Funciona dentro da reserva          a Escola Agropecuária de Surumu, que profissionaliza técnicos          de nível médio. Conveniados com a Funasa, há 438          Agentes Indígenas de Saúde e 100 indígenas técnicos          em microscópio, trabalhando em 187 postos de saúde e 62          laboratórios. Valoriza-se a medicina tradicional indígena.
        Dentro do território demarcado, seis rizicultores ocupam 6 mil          hectares, com lavouras irrigadas, nas margens dos rios Cotingo, Tacutu          e Surumu. Todos grileiros em terras da União. Utilizam agrotóxicos,          destroem a mata ciliar, soterram lagoas e igarapés, abrem valas          para canalizar a água dos rios às suas lavouras. A mesma          água, poluída com agrotóxico e inutilizável          para o consumo, retorna ao rio, matando os peixes.
        No verão, impedidas de fazer uso da água dos rios, as comunidades          indígenas são obrigadas a cavar poços. Com a destruição          das lagoas e da mata ciliar, as caças desaparecem. Os vilarejos          dentro da reserva dão apoio ao garimpo ilegal e ali circulam bebidas          alcoólicas, muitas vezes oferecidas às jovens indígenas.
        Os direitos dos povos indígenas estão garantidos pelo artigo          231 da Constituição; este assegura-lhes a posse permanente          e o uso exclusivo de suas terras. Uma demarcação fracionada          da área favorecerá a invasão de forasteiros, aumentará          a incidência de conflitos e porá em risco a sobrevivência          de culturas milenares.
        Na primeira semana de janeiro de 2004, o Jornal Nacional mostrou a mobilização          de arrozeiros e latifundiários interrompendo estradas na tentativa          de evitar a homologação de Raposa Serra do Sol. Com o apoio          de lideranças indígenas cooptadas, seqüestraram três          missionários católicos da Missão Surumu: os padres          Ronildo Pinto França, brasileiro; Cézar Avellaneda, colombiano;          e o irmão espanhol Juan Carlos Martinez, todos membros do Instituto          Missão Consolata.
        O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, advertiu o          governador Flamarion Portela, de Roraima, de que o governo federal tomaria          providências para liberar os reféns e desmobilizar o protesto.          A Polícia Federal agiu e libertou os seqüestrados.
        Eram seis horas da manhã de 23 de novembro de 2004 quando a comunidade          Jauari foi despertada por tiros, gritos, roncos de máquinas. Quarenta          homens armados mataram galinhas, porcos, cães e deram dois tiros          no macuxi Jocivaldo Constantino, um deles na cabeça. De lá,          marcharam para destruir as comunidades indígenas Brilho do Sol,          Retiro São José e Homologação. Nas quatro          aldeias derrubaram, com tratores, 37 casas e incendiaram os escombros,          sem poupar a igreja, a escola e o posto de saúde; isolaram as áreas          e fecharam as estradas. Ficaram desabrigadas 131 pessoas.
        Retroagir a homologação de Raposa Serra do Sol para área          não-contínua representa grave precedente jurídico          em relação aos demais processos demarcatórios e poderá          estimular grileiros e oportunistas a realizarem invasões nos mesmos          moldes das que ocorrem em Roraima.
        Quanto à Segurança Nacional, lembro que os povos indígenas          têm, historicamente, desempenhado papel fundamental na preservação          e defesa de nossos atuais limites territoriais. Não são          os índios que promovem degradação ambiental, contrabando,          garimpagem de minérios preciosos e derrubada de madeiras nobres.          A hipótese de se criar uma faixa de 10 a 20 km de largura ao longo          de nossas fronteiras abre o risco de atrair intenso movimento migratório          de não-índios para a região, causando degradação          ambiental e social, desmatamento e contaminação dos rios.
        Cabe ao STF fazer cumprir a Constituição, ou seja, confirmar          a homologação em área contínua, e, ao governo,          deslocar a sede do município de Uiramutã para as margens          da rodovia BR-401 (que liga à Guiana); promover a regularização          fundiária de Roraima e reassentar os posseiros em áreas          definidas pelo Incra, com pagamento das justas indenizações;          preservar as atuais rodovias, como bens públicos, para uso de cidadãos          indígenas ou não.
        Retalhar Raposa Serra do Sol é retalhar a Constituição          Brasileira, reforçar a discriminação aos indígenas          e premiar o faroeste dos que apóiam os interesses de apenas seis          arrozeiros.
Fonte: www.vermelho.org.br
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