Caro Advogado Gerson Marques Ferreira
Sei de tuas posturas conservadoras política e
juridicamente que, certamente, nesse momento tenso que vivemos em nosso País, te
colocam na linha de apoio a Joaquim Barbosa, talvez até em admiração às
loucuras e irresponsabilidades desse quinta coluna do fascismo. Tua visão
teológica literalista te orienta a seguir cegamente e de modo isolado do
contexto o que se diz que São Paulo escreveu, sem ler o que vem abaixo: “Submetam-se
todos às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não venha de
Deus...” (Romanos 12.1).
Porém, o versículo posterior me dá base para a
revolta contra as iniquidades praticadas por JB contra o cerne da lei, o de
corrigir, antes o de julgar com respeito, com misericórdia, sobretudo com
verdade e com justiça. Valores que em momento algum o relator da AP470 seguiu,
tornando-se algoz raivoso e injusto de
cidadãos desrespeitados e mal tratados por seus instintos injustos. O versículo
de Romanos, o 4 do mesmo capítulo reza: “A autoridade é instrumento de Deus
para fazer o bem...”.
Ontem escrevi aqui em torno do grito da Profª Miruna a pedir respeito a seu pai,
o perseguido José Genoíno. Afirmei que a sociedade parece impassível e
adormecida diante da besta fera do palácio de justiça, sede do STF em Brasília,
onde Joaquim Barbosa se instalou para violar a alma humana sedenta de que se
faça o bem.
É preciso ser justo e lembrar, no entanto, como em
todos os tempos e conjunturas, que sempre há fagulhas da justiça que se acendem
no coração do povo e que se esparramam socialmente. Comentei aqui, em favor
dessa luta, que o Movimento dos Sem Terra se articula com os movimentos sociais
para avançar em marcha pacífica sobre o Supremo Tribunal Federal, no dia 29 deste mês de maio, para
protestar contra as injustiças e autoritarismo de Joaquim Barbosa.
Com muita alegria tomei conhecimento no final da
noite de ontem que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, da Igreja
Católica Apostólica Romana, através de sua Comissão Justiça e Paz, emitiu nota
alertando o País para as provocações de vinganças que gestos de ódio como os
praticados por Joaquim Barbosa produzem na sociedade.
Ressalte-se que a nota não é um artigo inopinado de
alguém que se sentou e escreveu palavras inspiradas subjetivamente. Não, a nota
reflete trabalho de muitos anos através das pastorais carcerárias em todo o
País. Esta pastoral se insere nos porões sociais mais brutais onde seres
humanos gemem aos pedaços morais, emocionais e jurídicos, de tremendos sofrimentos
e abandonos. No antro dos presídios as doenças pululam abundantes gerando contaminações
e desordem humana. As injustiças gritam aos céus com condenados injustamente e
apenados cujas penas expiraram e que continuam presos sem direito à liberdade
porque a justiça é lenta, por isso injusta. A pastoral carcerária dialoga com o
judiciário em todas as instâncias e conhece muito bem a realidade penal,
carcerária e jurídica brasileiras.
A pastoral carcerária sabe muito bem o quanto as irresponsabilidades
de Joaquim Barbosa despertam ressentimentos e geram instintos de justiciamento
pelas próprias mãos. É isso que a sociedade vê nele quando autoritário esconde
provas, condena com ódio, violenta decisões plenárias do STF, rompe a ordem
coletiva da justiça e expõe pessoas de quem não gosta ideologicamente ao
ridículo e à humilhação.
Falta agora os bispos e cardeais somarem-se ao MST,
que tem o apoio da Comissão Pastoral da Terra e de outras centenas de pastorais
sociais, para engrossarem a luta contra a injustiça, ao marcharmos sobre o STF
no dia 29. Tal gesto concreto alegraria muito o Papa da justiça social, Francisco,
sem dúvidas. Aí a nota que espelha tanto sofrimento e indignação contra a injustiça
transcenderá mais consequentemente as linhas do texto para ganhar as ruas e
reforçar a justiça com misericórdia, como inspira o maravilhoso versículo do
salmo que embasa a nota: “Misericórdia e fidelidade se encontram, justiça e paz
se abraçam” (Sl 85, 11).
Avalio que é preciso barrar o quinta coluna do golpe
antes que seja tarde. Os atentos à conjuntura percebem que tentativas golpistas
insanas, no esforço de devolver o Brasil à condição vira-lata de horta do imperialismo,
são feitas a todo o momento. Noutros lugares da América Latina o golpe contra a
democracia veio pelo judiciário. Quem tem ouvidos ouça, quem tem olhos veja. Pois, a justiça somente serve à sociedade e à democracia, o contrário é injustiça e deve ser rechaçada pelo povo.
Pelo-te, Gerson, que leias a nota da CNBB abaixo e
compartilhes esse artigo com teus contatos, mesmo que tenhas raiva de mim.
***
Comissão
Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo vinculado à CNBB, emitiu
nota ontem, 22, sobre a execução da Ação Penal 470. No texto, a Comissão
comenta as decisões da presidência do Supremo Tribunal Federal sobre
esta Ação Penal e repudia a “política de encarceramento em massa, que
penaliza especialmente negros e pobres”.
De
acordo com a nota, a Comissão entende ser necessário o imediato debate
acerca das situações do sistema prisional brasileiro, “atentado direto à
dignidade humana”.
"A CBJP tem a firme convicção de que as instituições não podem ser dependentes de virtudes ou temperamentos individuais”.
Leia a íntegra do texto:
Nota da Comissão Brasileira Justiça e Paz sobre a execução da Ação Penal 470
As
decisões proferidas pela Presidência do Supremo Tribunal Federal sobre a
execução da Ação Penal 470 (mensalão) que têm suscitado críticas e
preocupações na sociedade civil em geral e na comunidade jurídica em
particular, exigem o inadiável debate acerca das situações precárias,
desumanas e profundamente injustas do sistema prisional brasileiro.
A
Pastoral Carcerária, em recente nota, referiu-se à Justiça Criminal
como um “moinho de gastar gente” por causa de decisões judiciais que
levam a “condenações sem provas” e “negam a letra da lei” com
“interpretações jurídicas absurdas”. Inseriu, neste contexto, a situação
dos presos da Ação Penal 470 ao denunciar o conjunto do sistema
penitenciário, violento e perverso, que priva os apenados “dos cuidados
de saúde e de higiene mais básicos” e carece de políticas públicas para
sua inserção no mercado de trabalho.
A
Comissão Brasileira Justiça e Paz, organismo vinculado à CNBB, soma-se à
Pastoral Carcerária e “repudia” o conteúdo destas decisões, bem como a
política de encarceramento em massa, que penaliza especialmente negros e
pobres, com inúmeras práticas cruéis, estendidas aos familiares e
amigos dos presos, como a “revista vexatória”, atentado direto à
dignidade humana.
A
independência do Poder Judiciário somente realiza a necessária
segurança jurídica em sua plenitude, quando viabiliza sem obstáculos o
amplo direito de defesa e a completa isenção na análise objetiva das
provas. Ela é imprescindível na relação do Judiciário com os meios de
comunicação, não se podendo confundir transparência nos julgamentos com
exposição e execração pública dos réus.
A
CBJP tem a firme convicção de que as instituições não podem ser
dependentes de virtudes ou temperamentos individuais. Não é lícito que
atos políticos, administrativos e jurídicos levem a insuflar na
sociedade o espírito de vingança e de “justiçamento”. Os fatos aqui
examinados revelam a urgência de um diálogo transparente sobre a
necessária reforma do Judiciário e o saneamento de todo o sistema
prisional brasileiro.
Brasília, 22 de maio de 2014
Pedro Gontijo
Secretário Executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB
***
Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça
e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano,
em todas as situações.
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