Nas
últimas semanas, além do futebol de sempre, dois assuntos ocuparam as
manchetes: o julgamento do chamado "mensalão" e, na campanha eleitoral
em São Paulo, o programa de combate à homofobia, grotescamente apelidado
de "Kit Gay". Quase nenhuma importância se deu a uma espécie de
testamento de uma tribo indígena.
A Justiça Federal decretou a expulsão de 170 índios
da terra em que vivem. Isso no município de Iguatemi, no Mato Grosso do
Sul, à margem do Rio Hovy. Isso diante de silêncio quase absoluto da
chamada grande mídia. (Eliane Brum trata longamente do assunto no site
da revista Época nesta segunda-feira, 22). Há duas semanas, numa
dramática carta-testamento, os Kaiowá-Guarani informaram:
- Não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e
justa tanto aqui, na margem do rio, quanto longe daqui. Concluímos que
vamos morrer todos. Estamos sem assistência, isolados, cercados de
pistoleiros, e resistimos até hoje (…) Comemos uma vez por dia.
Em sua carta-testamento os Kaiowá-Guarani rogam:
- Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não
decretar a ordem de despejo/expulsão, mas decretar nossa morte coletiva e
enterrar nós todos aqui. Pedimos para decretar nossa extinção/dizimação
total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para
jogar e enterrar nossos corpos. Este é o nosso pedido aos juízes
federais.
Diante dessa história dantesca, a vice-procuradora
Geral da República, Déborah Duprat, disse: "A reserva de Dourados é
(hoje) talvez a maior tragédia conhecida da questão indígena em todo o
mundo".
Em setembro de 1999, estive por uma semana na reserva
Kaiowá-Guarani, em Dourados. Estive porque ali já se desenrolava a
tragédia. Tragédia diante de um silêncio quase absoluto. Tragédia que se
ampliou, assim como o silêncio. Entre 1986 e setembro de 1999, 308
índios haviam se suicidado. Em sua maioria, índios com idade variando
dos 12 aos 24 anos.
Suicídios quase sempre por enforcamento, ou por
ingestão de veneno. Suicídios por viverem confinados, abrutalhados em
reservas cada vez menores, cercados por pistoleiros ou fazendeiros que
agiam, e agem, como se pistoleiros fossem. Suicídios porque viver como
mendigo ou prostituta é quase o caminho único para quem é expelido pela
vida miserável nas reservas.
Italianos e um brasileiro fizeram um filme-denúncia
sobre a tragédia. No Brasil, silêncio quase absoluto; porque Dourados,
Mato Grosso, índios… isso está muito longe. Isso não dá ibope, não dá
manchete. Segundo o Conselho Indigenista Missionário, o índice de
assassinatos na Reserva de Dourados é de 145 habitantes para cada 100
mil. No Iraque, esse índice é de 93 pessoas para cada 100 mil.
Desde fins de 1999, quando, pela revista Carta
Capital, estive em Dourados com o fotógrafo Luciano Andrade, outros 555
jovens Kaiowá-Guarani se suicidaram no Mato Grosso do Sul, descreve
Eliane Brum. Sob aterrador e quase absoluto silêncio. Silêncio dos
governos e da chamada mídia. Um silêncio cúmplice dessa tragédia.
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Autor: Bob Fernandes Fonte: Unisinos |
quinta-feira
A sociedade brasileira omite-se em face de assassinatos de indígenas
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testamento de uma tribo indígena.
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