“A comunicação é um direito humano”
Para Rosane Bertotti, é forçoso reconhecer que
tanto o governo Lula quanto Dilma deixaram e deixam muito a desejar no
quesito comunicacional
10/10/2012
Nilton Viana,
da Redação Brasil de Fato
No campo da comunicação, tanto o governo Lula quanto Dilma deixaram e deixam muito a desejar - Foto: Antônio Cruz/ABr |
A
secretária nacional de Comunicação da Central Única dos Trabalhadores
(CUT) e coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da
Comunicação (FNDC), Rosane Bertotti, acredita que a comunicação é um
direito humano, e, que portanto, cabe ao Estado adotar políticas
públicas para assegurar esse direito. Segundo ela, os grandes
conglomerados de mídia têm posição cativa ao lado do capital, atuando
como correia de transmissão da ideologia mais reacionária, de
privatização, desmonte do Estado, arrocho salarial, retirada de direitos
sociais e trabalhistas.
Em entrevista ao Brasil de Fato,
Rosane Bertotti fala sobre a importância da mobilização “para garantir a
diversidade e a pluralidade de vozes. “Se nós olharmos o tipo de
enfrentamento que está sendo feito em alguns países ao nosso redor,
infelizmente, é forçoso reconhecer que tanto o governo Lula quanto Dilma
deixaram e deixam muito a desejar no quesito comunicacional.
Brasil
de Fato – Você participou, de 19 a 22 de setembro, em Quito, Equador,
do Encontro Latino- Americano de Comunicação Popular e Bem Viver. Quais
são avanços que na questão da comunicação que se podem destacar nos
países da região?
Rosane Bertotti – Creio
que o principal avanço é o da consciência sobre o papel da batalha de
ideias e a crescente disposição política dos governos do campo
democrático e popular, particularmente os da Argentina e do Equador, de
fazer uma nova lei que aposte na democratização da comunicação para
garantir a efetiva liberdade de expressão, sequestrada pela velha mídia.
São passos muito significativos, como a complementaridade dos sistemas
público, privado e estatal, que não teriam sido possíveis sem a atuação
de entidades como a Associação Latino-Americana de Educação Radiofônica
(Aler), que promoveu o encontro em Quito. Somando energia e experiência
em torno de pontos comuns, com espírito amplo, de verdadeiras frentes,
essas organizações populares conseguiram mobilizar a sociedade e
respaldar ações mais ousadas de governos que não se submeteram às
calúnias e chantagens dos grandes conglomerados.
No caso do Brasil, qual o embate a ser travado hoje pelos movimentos sociais nessa questão da comunicação?
Temos
a convicção de que é preciso afirmar a necessidade de um regramento
para o setor, enfrentando a disputa política e ideológica com a mídia
comercial, que vê a comunicação como um negócio qualquer, que deve
atender unicamente os donos do veículo e seus anunciantes. O mote da
campanha do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) é
“para expressar a liberdade, uma nova lei para um novo tempo”.
Acreditamos que é necessário popularizar o tema, mostrando à população a
necessidade de regulamentar os dispositivos da Constituição Cidadã,
fundamentalmente o que combate a formação de monopólios e oligopólios, e
o que garante a complementaridade dos sistemas. Sem isso não haverá
sociedade democrática e uns poucos proprietários de concessões públicas
continuarão ditando o que o povo deve ouvir, ver e ler. Para nós a
comunicação é um direito humano e, portanto, cabe ao Estado adotar
políticas públicas que o assegurem. Senão vira letra morta.
Na sua opinião, houve avanços, nos quase 10 anos de Lula e Dilma, em relação à democratização da comunicação?
A
Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada no final do
governo Lula, contribuiu para que o tema entrasse efetivamente na pauta,
estimulando a formação dos Conselhos Estaduais de Comunicação, como
conquistamos recentemente na Bahia e no Rio Grande do Sul. Infelizmente
vários pontos apontados pela Confecom para a efetivação de mecanismos de
controle social, participação popular e auditoria nos meios privados
não andam devido a uma defensiva inexplicável do governo. Se nós
olharmos o tipo de enfrentamento que está sendo feito em alguns países
ao nosso redor, infelizmente, é forçoso reconhecer que tanto o governo
Lula quanto Dilma deixaram e deixam muito a desejar no quesito
comunicacional.
As
verbas publicitárias ainda são investidas majoritariamente na mídia
comercial. Qual é a avaliação do FNDC sobre a insistência nessa
política?
É necessário mudar os
critérios publicitários para que haja uma desconcentração que tem se
demonstrado profundamente antidemocrática, ecoando a voz dos grandes
conglomerados, os mesmos que atentam todos os dias contra a pluralidade e
a diversidade. É preciso garantir principalidade dos recursos para a
mídia pública e comunitária, para os blogueiros, para os jornais
alternativos. Afinal, a mídia privada já conta com recursos abundantes
das transnacionais, do sistema financeiro e das grandes empresas para
defender seus interesses, para divulgar a pauta do capital. O governo
precisa priorizar a sociedade, necessita democratizar a publicidade.
Qual
é a avaliação do movimento pela democratização das comunicações em
relação à Confecom, realizada em 2009; o que avançou de lá para cá?
A
Confecom foi fruto da sociedade civil que garantiu a realização da
conferência inclusive em condições adversas. Foi muito importante
enquanto processo de mobilização, porém as propostas não saíram do
papel. O então ministro Franklin Martins chegou a ensaiar um projeto,
mas que ficou em alguma gaveta para o Paulo Bernardo, que resolveu
deixar por lá. O que temos é a síntese dos 20 pontos dos movimento
sociais. Na nossa opinião, respaldado pela Confecom, o governo deveria
adotar medidas como a regulamentação dos artigos da Constituição Federal
(220 a 224) que, entre outros avanços, impedem a propriedade cruzada
dos meios e proíbem os monopólios; a garantia da inclusão digital com a
aplicação dos recursos do Fundo para Universalização do Serviço de
Telefonia (Fust) em programas de extensão da internet banda larga para
todo o país, priorizando as regiões afastadas dos grandes centros e a
população de baixa renda, a redução de 30% para 10% na participação do
capital estrangeiro nas comunicações, a descriminalização das rádios
comunitárias.
Como a CUT avalia o papel da mídia brasileira?
Os
grandes conglomerados de mídia têm posição cativa ao lado do capital,
atuando como correia de transmissão da ideologia mais reacionária, de
privatização, desmonte do Estado, arrocho salarial, retirada de direitos
sociais e trabalhistas. São emissoras de rádio e televisão, jornais,
revistas e portais de internet que atuam de forma coordenada para
distorcer os fatos, criminalizar e invisibilizar os movimentos
populares, a luta dos trabalhadores, das mulheres, negros e indígenas. É
uma conduta irresponsável e ditatorial.
O STF está julgando o chamado “mensalão”. Como você avalia a cobertura da mídia brasileira nesse caso?
Infelizmente
os que se arvoram grandes defensores da liberdade de imprensa são hoje
instrumentos que em vez de informar, divulgam as suas opiniões. São
meios de manipulação e desinformação em massa. O fato é que a mídia não
só divulgou interpretações dos fatos, mas já julgou e condenou. Onde
está a imparcialidade tão propalada? Cadê a liberdade de expressão, o
respeito à verdade dos fatos ou o direito ao contraditório?
A esquerda brasileira, ao seu ver, está avançando nessa luta pela democratização da comunicação?
Creio
que o amplo espectro da esquerda tem avançado no sentido de ter meios
próprios, de construir e articular redes, como os blogueiros
progressistas. A articulação dos vários movimentos com a luta do FNDC
tem potencializado esta caminhada, mas há muito ainda por fazer. Do
ponto de vista da CUT, por exemplo, temos ampliado os investimentos no
nosso Portal do Mundo do Trabalho (www.cut.org.br),
na estruturação de sites das nossas estaduais e Ramos, no aprimoramento
da nossa rádio e tv web. Acredito que é um processo em que estamos
amadurecendo conjuntamente, com uma consciência e um compromisso
crescente de que necessitamos lutar para que todos tenham voz, para que
não haja mais mordaças como as impostas pela velha mídia.
Quais são as principais lutas que o movimento pretende travar nos próximos meses?
Acho
que precisamos mobilizar para retomar o projeto original do Plano
Nacional de Banda Larga (PNBL), em que a Telebrás tem um papel chave
como empresa pública de articular e incentivar a construção de uma
sólida base material para a universalização dos serviços. Não será se
submetendo aos interesses das grandes empresas de telecomunicação,
despejando rios de recursos públicos e abrindo mão de impostos que vamos
conseguir colocar o país num novo patamar neste setor estratégico para o
desenvolvimento nacional, para o avanço da educação, da ciência, da
tecnologia. O que temos hoje é uma internet lenta e cara, altamente
excludente. É hora de virar esta página.
Rosane Bertotti
é coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
(FNDC) e secretária nacional de Comunicação da Central Única dos
Trabalhadores (CUT).
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