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segunda-feira

A violência contra os pobres e trabalhadores de Pinheirinho ensurdece os injustos e desumanos

Ação em Pinheirinho foi “verdadeiro estado de exceção”

Ação em Pinheirinho foi “verdadeiro estado de exceção” Foto: Divulgação

Quem afirma é o defensor público Jairo Salvador de Souza, que critica a militarização utilizada para solucionar os problemas sociais, como Pinheirinho, Cracolândia e na atuação do protesto dos estudantes da USP

Por Jornal Sul 21
25 de Junho de 2012
Jornal Sul 21
Rachel Duarte _ Sul 21 - Como está a vida dos moradores de Pinheirinho cinco meses depois da violenta desocupação promovida em janeiro deste ano? Entre os personagens do episódio em São José dos Campos, interior de São Paulo, poucos estiveram tão envolvidos com aquela comunidade quanto o defensor público. 

Jairo Salvador de Souza. Além da atuar na 2ª Defensoria Pública de São José dos Campos, Jairo de Souza é membro do Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Ele critica a militarização utilizada para solucionar os problemas sociais, como Pinheirinho, Cracolândia e na atuação do protesto dos estudantes da Universidade de São Paulo (USP). "Estamos pedindo audiência com a Organização dos Estados Americanos (OEA) para combater este tipo de prática", informou.
Com atuação no caso desde 2008, ele conviveu com os moradores do assentamento e negociava a regularização do local junto à prefeitura. Ele está representando as cinco mil famílias desalojadas de forma truculenta pela Polícia Militar do estado de São Paulo e ingressou com 800 ações judiciais pedindo a indenização por danos morais e patrimoniais. "Essa reparação é na verdade simbólica diante do que estas pessoas sofreram. Temos outra ação em que também pedimos uma reparação coletiva, tanto em termos de atendimento habitacional definitivo, como de danos morais e psicológicos coletivos", falou em entrevista ao Sul21.

O advogado também critica a postura do judiciário nos casos de habitação e elogiou a iniciativa dos juristas que pediram mudanças na legislação brasileira no tema da regularização fundiária em documento enviado à OEA na última sexta-feira (22). "Hoje, pelo interesse de uma pessoa, independente de quem seja o dono desta área, milhares de famílias são afetadas. É necessário regulamentar isso e evitar casos como Pinheirinho', disse. E complementou: "O que vimos lá foi o verdadeira estado de exceção".

Sul21 – A Defensoria Pública já contabilizou mais de 700 processos contra o Estado de São Paulo em nome de ex-moradores do Pinheirinho, em São José dos Campos. Como vem sendo este trabalho?
Jairo Souza – Logo após a desocupação, nós recebemos reclamações das famílias de que houve abusos no momento da desocupação, destruição de bens materiais e objetos pessoais, perda ou morte de animais de estimação... E enquanto averiguávamos a veracidade das denúncias, constatamos que muitas casas foram demolidas com móveis dentro e animais dentro. Há também vários relatos de abuso da força policial no momento da operação. Em função disso, abrimos centenas de ações. Contabilizamos até agora 800 ações, que pedem indenização aos danos causados a estas pessoas.

Sul21 – Quais os tipos de arbitrariedades cometidas pelo estado de São Paulo que são apontadas nas ações judiciais?
Jairo Souza – O Estado, até mesmo no cumprimento de ordem judicial, deve obedecer a legalidade e preservar a integridade física e patrimonial das pessoas. Se não fizer isso, o Estado estará agindo contra lei. Neste episódio de Pinheirinho, houve um impedimento dos advogados e defensores públicos de acompanhar a desocupação. Então, não há testemunhas das ocorrências que se deram no curso da desocupação. Algo que é claramente contra a lei. Então, o que existe são os vários relatos dos moradores sobre o modo como ocorreu a operação policial para desocupação. As casas foram alvo de bombam de efeito moral, lançadas de forma indiscriminada. Sem levar em conta se haviam pessoas com problemas cardíacos, crianças, idosos ou deficientes físicos. Foi uma chegada intimidatória. As bombas eram arremessadas de helicóptero. Os relatos são uniformes em relação a este proceder. As pessoas tinham entre 5 a 10 minutos para tirar as suas coisas de casa, em uma espécie de gincana: 'pegue o que você puder'. Se demorassem um pouco mais ocorriam humilhações e a partir do fim do prazo eram obrigadas a deixar as casas imediatamente. Os móveis foram completamente destruídos, assim como os objetos pessoais e integridade das famílias. Foram cenas de humilhações horríveis, de pais sendo expostos na frente dos filhos, com reflexos da desmoralização da figura paterna e materna que nem conseguimos mensurar. Cachorros que latiam eram abatidos com balas de borracha e mortos na frente das famílias. É deste tipo de arbitrariedade que estamos pedindo indenização.

Sul21 – Houveram algumas críticas de parlamentares do PSDB a supostos exageros na cobertura do caso. Segundo eles, por exemplo, não teriam ocorridos mortes na desocupação. O senhor que acompanhou o caso de perto, tem como dizer o que ocorreu?
Jairo de Souza – Temos registro de duas mortes decorrentes direta ou indiretamente do processo de desocupação. Uma pessoa acabou atropelando a outra ao fugir, assustada com o som das bombas. E o seu Ivo, um senhor idoso, foi espancado pela polícia de forma desnecessária. Mesmo que seja um AVC o que ele sofreu, certamente foi decorrente desta atuação dos militares. Quando o Estado não permite que os advogados e a Defensoria Pública acompanhem a desocupação, ele assume o ônus da desinformação. Na verdade, o Estado se apega em uma declaração dada pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos de que haveriam informações equivocadas sobre os procedimentos ocorridos em Pinheirinho para legitimar toda uma ação truculenta. Se fosse uma ação legítima não teria porque proibir a nossa entrada e a entrada da imprensa, como ocorreu. Se nós acreditamos nos depoimentos de todas essas pessoas sobre o que aconteceu – e elas assinaram tudo que disseram – então o Estado está faltando com a verdade sobre este episódio. Ou então se trata de uma histeria coletiva. Os depoimentos são muitos similares. A descrição dos móveis está comprovada. Há filmagens e fotografias. Isto (Pinheirinho) não pode ser visto como uma ação que respeitou a legalidade ou a ordem jurídica. O que vimos em Pinheirinho foi o verdadeiro estado de exceção.

Sul21 – Qual a indenização que está sendo pedida nas ações?
Jairo de Souza – Os danos matérias relativos ao que cada um efetivamente perdeu, o que chamamos de dano emergente. E também aquilo que se deixou de auferir. Pessoas que perderam emprego, consultas médicas ou o próprio rendimento familiar. Alguns tinham formas de renda dentro da própria comunidade, por exemplo. E também estamos pedindo danos morais sobre as humilhações, as pessoas que foram alvejadas por bombas ou balas de borracha, ou que têm crianças que não podem ver um helicóptero hoje que começam a chorar. A média dos valores está em R$ 20 mil reais. Os casos que são arbitrados pela Justiça estamos pedindo o valor mínimo de 50 salários mínimos e o máximo de 100 salários mínimos.

Sul21 – Quando os moradores serão indenizados? E o senhor avalia que estes valores são suficientes diante do impacto da intervenção sofrida pela comunidade e das possíveis consequências?
Jairo de Souza – Em processos similares a estes, leva até quatro anos. Mas é uma mera expectativa. São muitos processos e poucas varas e envolve uma série de procedimentos processuais. Essa reparação é na verdade simbólica. Temos outra ação, que movemos logo que ocorreu a desocupação, em que pedimos uma reparação coletiva, tanto em termos de atendimento habitacional definitivo, como de danos morais e psicológicos coletivos. Foi uma ação completamente desproporcional e que trouxe um dano para a cidade. O problema só foi deslocado para outros lugares da cidade e não solucionado. Os gastos para efetuar esta operação, tanto na preparação da operação, como na construção de moradias provisórias e novas moradias, são desproporcionais para o fim que se destinava a ação. Hoje o volume das despesas é maior do que se houvesse a regularização da área. Por isso estamos cobrando isso em uma ação coletiva de maior fôlego que não discute apenas os danos individuais de cada morador.

Sul21 – Onde estão os moradores de Pinheirinho hoje?
Jairo de Souza - Há vários grupos. Uma parte dos moradores, que vieram de outros estados e estavam há oito anos em São Paulo, tiveram que voltaram para suas cidades natais. Outros foram para outras ocupações. Tem outra parcela de moradores que não consegue pagar o aluguel em outros lugares, mesmo com o auxilio-moradia do governo, porque os valores de aluguel aumentaram muito. Algumas famílias se uniram para conseguir pagar. Há casos de até 15 pessoas morando no mesmo módulo. Outros migraram para municípios vizinhos onde o aluguel é mais barato, só que também gastam mais com deslocamento e levam mais tempo para chegar ao trabalho. As pessoas na verdade se espalharam por todos os lugares e muitas estão em condições ainda mais precárias do que viviam antes da desocupação.

Sul21 – O senhor critica a pulverização dos moradores. Isto é reflexo da falta de uma política habitacional mais consistente por parte do Estado de São Paulo?
Jairo de Souza – Na verdade, está se optando por dar uma solução militar para problemas sociais. Querem combater o efeito como se fosse a causa. A falta de uma política habitacional consistente que preveja atendimento habitacional digno às pessoas que não tem moradia é que leva às ocupações desordenadas. Desocupar de forma violenta é justamente o contrário que deve ser feito. Hoje se equiparou o direito a moradia à casa própria. E são coisas distintas. Não existe hoje um programa habitacional à população de baixa renda, algo consistente e que dê conta do problema. Existem 30 mil pessoas na fila da habitação. Nos últimos 20 anos, a média de construção de casas foi de 500 por ano. Isso leva a uma média de tempo de espera nas filas para os cidadãos de 52 anos até ocupar as moradias. Enquanto isso as pessoas estão vivendo e precisando atender suas necessidades. Precisam dormir, tomar banho, escovar os dentes e ter um lugar para poder se estabelecer. Elas procuram margens de rios, regiões de encosta de morros ou áreas irregulares. Isto tudo é a consequência da falta de política habitacional. E aí surge um discurso militar dizendo que vai resolver o problema colocando as pessoas para fora, como se o problema fosse somente isso. Foi a mesma medida adotada para "limpar o crack" da Cracolândia, que acaba espalhando o problema para toda a cidade e não resolve nada.

Sul21 – Os juristas e representantes de entidades de defesa dos Direitos Humanos entregaram ao Conselho Nacional de Justiça uma representação para apuração das responsabilidades disciplinares dos juízes do Tribunal de Justiça de São Paulo. A alegação é de que há necessidade de regulamentação de procedimentos especiais em casos de conflitos fundiários. O Judiciário age no sentido de beneficiar propriedades particulares?
Jairo de Souza – Isto é fundamental. É necessária uma modificação legislativa porque na atuação do judiciário e da Defensoria Pública de modo geral, nós temos percebido um privilégio muito grande em relação ao suposto direito de propriedade em detrimento da dignidade humana e do ser humano. Hoje, pelo interesse de uma pessoa, independente de quem seja o dono desta área, milhares de famílias são afetadas. No caso de Pinheirinho, quando estávamos perto de uma decisão consensual, foi dada uma ordem judicial despropositada que permitiu violentar pessoas. É necessário regulamentar os procedimentos nos casos de desocupações para evitar episódios como este.

Sul21 – Juristas de renome, como Fábio Comparato, entregaram um dossiê sobre Pinheirinho à Corte Interamericana de Direitos Humanos e ao Tribunal Penal Internacional, para denunciar as arbitrariedades cometidas pelo governo do estado de São Paulo e por autoridades do Judiciário. No que isso pode contribuir com o caso?
Jairo de Souza - Somos gratos a este grupo de juristas. Temos contato permanente com eles. Esta ação feita pelos professores Fábio Comparato, Dalmo Dallari e Celso Antonio Bandeira de Mello foi lançada na última semana. Na sexta-feira (22), foi entregue à Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, em ato na Universidade de São Paulo (USP). Uma das propostas deste termo que foi entregue é justamente a alteração na legislação para agilizar a regulamentação dos atendimentos habitacionais, como forma de evitar novas tragédias como Pinheirinho. A Defensoria está atuando em outra linha, que não é excludente desta organizada pelos juristas, mas que busca combater a militarização dos problemas sociais. Estamos entrando com pedidos de audiência nos casos que entendemos que são conduzidos desta forma, como Pinheirinho, o protesto dos estudantes da USP e a Cracolândia. Os métodos são muito parecidos. E também para evitar a prática da Polícia Militar de usar indiscriminadamente armas não-letais. Por não serem letais, quer dizer que pode se atirar o quanto quiser contra as pessoas? Isto fere a integridade física e é uma prática que não pode ser admitida pelo Estado ou considerada procedimento padrão. É para combater este tipo de atuação que estamos trabalhando para ter uma audiência com a OEA.

Sul21 – Os deputados estaduais do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo começaram a colher assinaturas para dar início a uma CPI de Pinheirinho. O senhor tem informações sobre o andamento disso? O senhor é favorável a uma CPI para este caso?
Jairo de Souza – CPI é uma ação política, mas considero como um instrumento de investigação que pode contribuir para que a verdade do caso de Pinheirinho venha à tona. Mas não houve consenso no legislativo e não se avançou para alcançar as 32 assinaturas necessárias. Porém, eu considero que seria um instrumento importante para auxiliar a apurar as violações aos direitos humanos relatadas pelos moradores. É importante que este caso, que acabou se tornando emblemático por ter ido aos extremos, traga à atenção das pessoas o tema da moradia. Essa discussão ainda é difícil no Brasil. A lição que podemos tirar deste episódio é que é necessário e urgente discutir o problema da moradia e a tendência à remoção compulsória no país. Hoje se remove famílias por qualquer motivo, principalmente nas populações mais pobres.

Fonte: Brasil 247

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