Querido Prof. Nilton Carvalho
Sou muito feliz em conhecer-te, meu querido irmão e amigo.
Minha alegria se consolida com tua decisão de integrar nossa Ibrapaz como parte
de seu Comitê Educacional Científico e Tecnológico. Tua formação como humanista
e teólogo enriquecerá nossa caminhada, sem dúvidas.
Percebi que o amigo navegou aqui neste blog e deixou suas
preciosas marcas. Obrigado. Aguardo tuas importantes observações.
Certamente acompanhas o debate sobre o conflito acirrado da
barbárie imposta pelo sionismo israelense a nossos irmãos palestinos. Tal
acirramento criminoso é o mesmo que baliza palavras, atitudes desumanas,
impatrióticas e mercantis da direita contra nossos povos em todo o mundo. Os
judeus sionistas são a radicalização mais degradante do nazismo que atingiu
seus predecessores na Alemanha destruída por Hitler.
Neste blog há cartas reflexivas em torno de ditos evangélicos
e católicos, muitos por ignorância, outros por serem fundamentalistas
extremistas insensíveis de direita, que fazem conveniente confusão entre
judaísmo e sionismo desumano. Não creio que o enfrentamento das posições de
pessoas tão cruéis e insensíveis na defesa de posturas monstruosas que destroem
vidas e sociedades, como o que faz Israel em Gaza, mude a
consciência de pessoas de baixo interesse humano e social como Silas Malafaia e
outros de seu circuito, mas temos o dever de ajudar a milhões de outras pessoa
enganadas por eles.
Abaixo posto dois textos
excelentes. Um é de um judeu culto e inteligente. O
Antropólogo Marcelo Gruman desenvolve explicação competente de sua percepção do
que é a muralha racista que divide sionistas e palestinos no Oriente Médio. Interessante
para este blog que procura refletir a partir do chão das vivências, mesmo que
as reflexões necessariamente se robusteçam teoricamente, que Marcelo vivencia a
barbárie sionista desde viagem que fez a Israel, a partir do diálogo com seu
pai e das visitas a judeus suburbanos europeus. Não fala pelos cotovelos como o
fazem os odiosos, fundamentalista e racistas preconceituosos.
Depois do fantástico texto do Antropólogo Marcelo Gruman
posto outro. Trata-se de um artigo de um teólogo evangélico sério. Não é nenhum
fanfarrão que espuma pelos cantos da boca, em surtos de ódio sem nada dizer,
como Silas Malafaia, o maior bobo da corte, por exemplo.
Ricardo Lengruber Lobosco é teólogo metodista,
portanto protestante. Vale a pena lê-lo para avaliarmos que há entre os
evangélicos pessoas sérias e eticamente comprometidas com a verdade, que
certamente não estão com os sionistas nem se alinham a seus defensores fundamentalistas.
O Dr. Ricardo Lengruber Lobosco desconstrói a
leitura equivocada da Bíblia, geralmente porosa de subjetivismos dos que atribuem
ao Espírito Santo todas as bobagens supersticiosas que dizem ao alimentar o ódio e
os crimes de Israel, esta Nação injusta que cresce em cima dos cadáveres e da
miséria dos que ela mata de fome e com bombas.
São algumas poucas páginas abaixo, meu amigo. Sua
leitura não será nada cansativa se considerarmos o sangue que Israel derrama
das crianças, visando assassinar o futuro dos palestinos; das mulheres,
objetivando eliminar a vida e a generosidade; dos velhos buscando sufocar a
sabedoria e a cultura milenares daquele povo e dos jovens, com a intenção de
acabar com a rebeldia contra o terror nazista que impõe sobre aquela região.
Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e
pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano,
interessado na causa dos palestinos.
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Não
em meu nome
Marcelo Gruman (*)
Na minha adolescência, tive a oportunidade de visitar Israel por duas vezes, ambas na primeira metade da década de 1990. Era estudante de uma escola judaica da zona sul da cidade do Rio de Janeiro. As viagens foram organizadas por instituições sionistas, e tinham por intuito apresentar à juventude diaspórica a realidade daquele Estado formado após o holocausto judaico da Segunda Guerra Mundial, e para o qual todo e qualquer judeu tem o direito de “retornar” caso assim o deseje. Voltar à terra ancestral. Para as organizações sionistas, ainda que não disposto a deixar a diáspora, todo e qualquer judeu ao redor do mundo deve conhecer a “terra prometida”, prestar-lhe solidariedade material ou simbólica, assim como todo muçulmano deve fazer, pelo menos uma vez na vida, a peregrinação a Meca. Para muitos jovens judeus, a visita a Israel é um rito de passagem, assim como para outros o destino é a Disneylândia.
Marcelo Gruman (*)
Na minha adolescência, tive a oportunidade de visitar Israel por duas vezes, ambas na primeira metade da década de 1990. Era estudante de uma escola judaica da zona sul da cidade do Rio de Janeiro. As viagens foram organizadas por instituições sionistas, e tinham por intuito apresentar à juventude diaspórica a realidade daquele Estado formado após o holocausto judaico da Segunda Guerra Mundial, e para o qual todo e qualquer judeu tem o direito de “retornar” caso assim o deseje. Voltar à terra ancestral. Para as organizações sionistas, ainda que não disposto a deixar a diáspora, todo e qualquer judeu ao redor do mundo deve conhecer a “terra prometida”, prestar-lhe solidariedade material ou simbólica, assim como todo muçulmano deve fazer, pelo menos uma vez na vida, a peregrinação a Meca. Para muitos jovens judeus, a visita a Israel é um rito de passagem, assim como para outros o destino é a Disneylândia.
A equivalência de Israel e Disneylândia tem um motivo. A
grande maioria dos jovens não religiosos e sem interesse por questões políticas
realizam a viagem apenas para se divertir. O roteiro é basicamente o mesmo:
visita ao Muro das Lamentações, com direito a fotos em posição hipócrita de
reza (já viram ateu rezando?), ao Museu da Diáspora, ao Museu do Holocausto, às
Colinas do Golan, ao Deserto do Neguev e a experiência de tomar um chá com os
beduínos, ir ao Mar Morto e boiar na água sem fazer esforço por conta da
altíssima concentração de sal, a “vivência” de alguns dias num dos kibutzim
ainda existentes em Israel e uma semana num acampamento militar, onde se tem a
oportunidade de atirar com uma arma de verdade. Além, é claro, da interação com
jovens de outros países hospedados no mesmo local. Para variar, brasileiros e
argentinos, esquecendo sua identidade étnica comum, atualizavam a rivalidade
futebolística e travavam uma guerra particular pelas meninas. Neste quesito, os
argentinos davam de goleada, e os brasileiros ficavam a ver navios.
Minha memória afetiva das duas viagens não é das mais
significativas. Aparte ter conhecido parentes por parte de mãe, a “terra
prometida” me frustrou quando o assunto é a construção de minha identidade
judaica. Achei os israelenses meio grosseiros (dizem que o “sabra”, o
israelense “da gema”, é duro por natureza), a comida é medíocre (o melhor
falafel que comi até hoje foi em Paris...), é tudo muito árido, a sociedade é
militarizada, o serviço militar é compulsório, não existe “excesso de
contingente”. A memória construída apenas sobre o sofrimento começava a me
incomodar.
Nossos guias, jovens talvez dez anos mais velhos do que nós, andavam armados, o motorista do ônibus andava armado. Um dos nossos passeios foi em Hebron, cidade da Cisjordânia, em que a estrada era rodeada por telas para contenção das pedras atiradas pelos palestinos. Em momento algum os guias se referiram àquele território como “ocupado”, e hoje me envergonho de ter feito parte, ainda que por poucas horas, deste “finca pé” em território ilegalmente ocupado. Para piorar, na segunda viagem quebrei a perna jogando basquete e tive de engessá-la, o que, por outro lado, me liberou da experiência desagradável de ter de apertar o gatilho de uma arma, exatamente naquela semana íamos acampar com o exército israelense.
Sei lá, não me senti tocado por esta realidade, minha
fantasia era outra. Não encontrei minhas raízes no solo desértico do Negev,
tampouco na neve das colinas do Golan. Apesar disso, trouxe na bagagem uma
bandeira de Israel, que coloquei no meu quarto. Muitas vezes meu pai, judeu
ateu, não sionista, me perguntou o porquê daquela bandeira estar ali, e eu não
sabia responder. Hoje eu sei por que ela NÃO DEVERIA estar ali, porque minha
identidade judaica passa pela Europa, pelos vilarejos judaicos descritos nos
contos de Scholem Aleichem, pelo humor judaico característico daquela parte do
mundo, pela comida judaica daquela parte do mundo, pela música klezmer que os
judeus criaram naquela parte do mundo, pelas estórias que meus avós judeus da
Polônia contavam ao redor da mesa da sala nos incontáveis lanches nas tardes de
domingo.
Sou um judeu da diáspora, com muito orgulho. Na verdade,
questiono mesmo este conceito de “diáspora”. Como bem coloca o antropólogo
norte-americano James Clifford, as culturas diaspóricas não necessitam de uma
representação exclusiva e permanente de um “lar original”. Privilegia-se a
multilocalidade dos laços sociais. Diz ele:
As conexões transnacionais que ligam as diásporas não precisam estar articuladas primariamente através de um lar ancestral real ou simbólico (...). Descentradas, as conexões laterais [transnacionais] podem ser tão importantes quanto aquelas formadas ao redor de uma teleologia da origem/retorno. E a história compartilhada de um deslocamento contínuo, do sofrimento, adaptação e resistência pode ser tão importante quanto a projeção de uma origem específica.
Há muita confusão quando se trata de definir o que é judaísmo, ou melhor, o que é a identidade judaica. A partir da criação do Estado de Israel, a identidade judaica em qualquer parte do mundo passou a associar-se, geográfica e simbolicamente, àquele território. A diversidade cultural interna ao judaísmo foi reduzida a um espaço físico que é possível percorrer em algumas horas. A submissão a um lugar físico é a subestimação da capacidade humana de produzir cultura; o mesmo ocorre, analogamente, aos que defendem a relação inexorável de negros fora do continente africano com este continente, como se a cultura passasse literalmente pelo sangue. O que, diga-se de passagem, só serve aos racialistas e, por tabela, racistas de plantão. Prefiro a lateralidade de que nos fala Clifford.
As conexões transnacionais que ligam as diásporas não precisam estar articuladas primariamente através de um lar ancestral real ou simbólico (...). Descentradas, as conexões laterais [transnacionais] podem ser tão importantes quanto aquelas formadas ao redor de uma teleologia da origem/retorno. E a história compartilhada de um deslocamento contínuo, do sofrimento, adaptação e resistência pode ser tão importante quanto a projeção de uma origem específica.
Há muita confusão quando se trata de definir o que é judaísmo, ou melhor, o que é a identidade judaica. A partir da criação do Estado de Israel, a identidade judaica em qualquer parte do mundo passou a associar-se, geográfica e simbolicamente, àquele território. A diversidade cultural interna ao judaísmo foi reduzida a um espaço físico que é possível percorrer em algumas horas. A submissão a um lugar físico é a subestimação da capacidade humana de produzir cultura; o mesmo ocorre, analogamente, aos que defendem a relação inexorável de negros fora do continente africano com este continente, como se a cultura passasse literalmente pelo sangue. O que, diga-se de passagem, só serve aos racialistas e, por tabela, racistas de plantão. Prefiro a lateralidade de que nos fala Clifford.
Ser judeu não é o mesmo que ser israelense, e nem todo
israelense é judeu, a despeito da cidadania de segunda classe exercida por
árabes-israelenses ou por judeus de pele negra discriminados por seus pares
originários da Europa Central, de pele e olhos claros. Daí que o exercício da
identidade judaica não implica, necessariamente, o exercício de defesa de toda
e qualquer posição do Estado de Israel, seja em que campo for.
Muito desta falsa equivalência é culpa dos próprios judeus da
“diáspora”, que se alinham imediatamente aos ditames das políticas interna e
externa israelense, acríticos, crentes de que tudo que parta do Knesset (o
parlamento israelense) é “bom para os judeus”, amém. Muitos judeus diaspóricos
se interessam mais pelo que acontece no Oriente Médio do que no seu cotidiano.
Veja-se, por exemplo, o número ínfimo de cartas de leitores judeus em jornais
de grande circulação, como O Globo, quando o assunto tratado é a corrupção ou
violência endêmica em nosso país, em comparação às indefectíveis cartas de
leitores judeus em defesa das ações militaristas israelenses nos territórios
ocupados. Seria o complexo de gueto falando mais alto?
Não preciso de Israel para ser judeu e não acredito que a
existência no presente e no futuro de nós, judeus, dependa da existência de um
Estado judeu, argumento utilizado por muitos que defendem a defesa militar
israelense por quaisquer meios, que justificam o fim. Não aceito a
justificativa de que o holocausto judaico na Segunda Guerra Mundial é o exemplo
claro de que apenas um lar nacional única e exclusivamente judaico seja capaz
de proteger a etnia da extinção.
A dor vivida pelos judeus, na visão etnocêntrica, reproduzida
nas gerações futuras através de narrativas e monumentos, é incomensurável e
acima de qualquer dor que outro grupo étnico possa ter sofrido, e justifica
qualquer ação que sirva para protegê-los de uma nova tragédia. Certa vez, ouvi
de um sobrevivente de campo de concentração que não há comparação entre o
genocídio judaico e os genocídios praticados atualmente nos países africanos,
por exemplo, em Ruanda, onde tutsis e hutus se digladiaram sob as vistas
grossas das ex-potências coloniais. Como este senhor ousa qualificar o
sofrimento alheio? Será pelo número mágico? Seis milhões? O genial Woody Allen
coloca bem a questão, num diálogo de Desconstruindo Harry (tradução livre):
- Você se importa com o Holocausto ou acha que ele não
existiu?
- Não, só eu sei que perdemos seis milhões, mas o mais
apavorante é saber que recordes são feitos para serem quebrados.
O holocausto judaico não é inexplicável, e não é explicável
pela maldade latente dos alemães. Sem dúvida, o componente antissemita estava
presente, mas, conforme demonstrado por diversos pensadores contemporâneos,
dentre os quais insuspeitos judeus (seriam judeus antissemitas Hannah Arendt,
Raul Hilberg e Zygmunt Bauman?), uma série de características do massacre está
relacionada à Modernidade, à burocratização do Estado e à “industrialização da
morte”, sofrida também por dirigentes políticos, doentes mentais, ciganos,
eslavos, “subversivos” de um modo geral. Práticas sociais genocidas, conforme
descritas pelo sociólogo argentino Daniel Feierstein (outro judeu
antissemita?), estão presentes tanto na Segunda Guerra Mundial quanto durante o
Processo de Reorganização Nacional imposto pela ditadura argentina a partir de
1976. Genocídio é genocídio, e ponto final.
A sacralização do genocídio judaico permite ações que vemos
atualmente na televisão, o esmagamento da população palestina em Gaza,
transformada em campo de concentração, isolada do resto do mundo. Destruição da
infraestrutura, de milhares de casas, a morte de centenas de civis, famílias
destroçadas, crianças torturadas em interrogatórios ilegais conforme descrito
por advogados israelenses. Não, não são a exceção, não são o efeito colateral
de uma guerra suja. São vítimas, sim, de práticas sociais genocidas, que visam,
no final do processo, ao aniquilamento físico do grupo.
Recuso-me a acumpliciar-me com esta agressão. O exército
israelense não me representa, o governo ultranacionalista não me representa. Os
assentados ilegalmente são meus inimigos.
Eu, judeu brasileiro, digo: ACABEM COM A OCUPAÇÃO!!!
(*)
Marcelo Gruman é antropólogo.
Referências bibliográficas:
CLIFFORD, James. (1997). Diasporas, in Montserrat Guibernau and John Rex (Eds.) The Ethnicity Reader: Nationalism, Multiculturalism and Migration, Polity Press, Oxford.
Vídeo
Referências bibliográficas:
CLIFFORD, James. (1997). Diasporas, in Montserrat Guibernau and John Rex (Eds.) The Ethnicity Reader: Nationalism, Multiculturalism and Migration, Polity Press, Oxford.
Vídeo
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O conflito entre israelenses e
palestinos tem raízes bem antigas. Entre a segunda metade do século XIX e a primeira
metade do século XX, uma migração em massa de judeus de vários países para a Palestina
provocou uma mudança na demografia local. Majoritariamente árabe, a região -
que até 1917 pertencia ao Império Otomano e depois, até 1948, foi um
protetorado britânico - passou a ter uma população judaica cada vez maior.
Em 1947, a ONU pôs em prática um plano
de divisão do território em duas partes: uma para os judeus e outra para os
árabes. A insatisfação em torno do mapa definido pela ONU gerou uma guerra
civil entre os dois povos.
Um dos principais pontos de
discordância era a existência de projetos nacionalistas diferentes. Discordavam
sobre o que seria uma Palestina independente: uma Palestina árabe ou um Israel
judaico? São projetos nacionais que disputam o mesmo território, que desejam criar
um tipo de comunidade política em que o outro projeto não está incluído.
Gaza e Cisjordânia se mantiveram
sob ocupação estrangeira árabe até 1967, quando a Guerra dos Seis Dias, entre
Israel e as nações vizinhas, resultou na ocupação israelense da Faixa de Gaza e
da Cisjordânia (incluindo a parte oriental de Jerusalém).
A partir daí, Israel assumiu uma
política de colonização de Gaza e da Cisjordânia com judeus, por meio de
assentamentos. Por vários anos, a ONU considerou a ocupação dos territórios
palestinos ilegal e determinou que Israel retornasse às fronteiras pré-1967, o
que tem sido ignorado pelo governo israelense. Essa guerra (de 1967) é o núcleo
da problemática mais recente. É o empecilho da solução de dois Estados [Israel
e Palestina].
Apenas em 2005, Israel decidiu
retirar seus colonos e militares da Faixa de Gaza, entregando sua administração
à Autoridade Nacional Palestina (ANP). Apesar disso, Israel continuou a
controlar as fronteiras e o acesso marítimo a Gaza.
Na Cisjordânia, pouco mudou já que
a política de assentamentos judaicos e a ocupação militar do território
continuaram. Ainda hoje, grande parte desse território palestino tem sua
administração civil e militar concentrada nas mãos de Israel.
Apesar da devolução de Gaza aos
palestinos, o território passou a ser o principal foco de problema do conflito
israelense-palestino, já que, em 2006, o Hamas, movimento fundamentalista
islâmico, venceu as eleições parlamentares palestinas. Em seguida, o Hamas
rompeu com o Fatah, organização política e militar palestina, tomando o
controle de Gaza, enquanto seu rival político mantinha o controle sobre a
Cisjordânia.
Visto como um grupo terrorista por
Israel, pelos EUA e por países europeus, o Hamas sofreu uma série de sanções
por parte desses países. O governo israelense ampliou a vigilância sobre Gaza,
aumentando seu controle sobre as fronteiras e restringindo a circulação de
produtos e pessoas entre os dois territórios. Desde então, houve uma série de
confrontos abertos entre as duas partes: o governo israelense e o Hamas.
Além dos confrontos abertos que
resultaram em centenas de mortes (na maioria, de palestinos), a relação entre
israelenses e palestinos nas últimas décadas tem sido marcada por atentados,
conflitos entre militares israelenses e civis palestinos, intifadas (revoltas
populares) e tentativas frustradas de acordos de paz.
Entre os principais pontos de
desacordo estão: 1) a divisão de Jerusalém, 2) a retirada dos colonos
israelenses de terras palestinas, 3) o retorno de refugiados das guerras
árabe-israelenses a suas antigas terras e 4) o reconhecimento da Palestina como
Estado independente.
Nos últimos dias, tem-se
acompanhado a intensificação do conflito na Faixa de Gaza. Até o momento, mais
de 260 pessoas morreram e 2 mil ficaram feridas na sequência dos ataques
iniciados em julho. A nova espiral de violência foi desencadeada após o
sequestro e homicídio, em junho, de três jovens judeus na Cisjordânia (um
ataque que Israel atribuiu ao Hamas, grupo islâmico que controla a Faixa de
Gaza) seguido da morte de um jovem palestino queimado em Jerusalém por
extremistas judeus. A partir daí, tiveram início os lançamentos de foguetes do
Hamas e os bombardeios de Israel.
O linguista judeu, radicado nos
EUA, Noam Chomsky ajuda a compreender a dor do momento: "Um bom retrato
está disponível num relatório da UNRWA (a agência da ONU para refugiados
palestinos). As crianças palestinas em Gaza sofrem imensamente. Uma vasta
proporção é afetada pelo regime de desnutrição imposto pelo bloqueio
israelense. A prevalência de anemia entre menores de dois anos é de 72,8%; os
índices registrados de síndrome consuptiva, nanismo e subpeso são de 34,3%,
31,4% e 31,45%, respectivamente. E estão piorando. Quando Israel está em fase
de 'bom comportamento', mais de duas crianças palestinas são mortas por semana
– um padrão que se repete há 14 anos. As causas de fundo são a ocupação
criminosa e os programas para reduzir a vida palestina a mera sobrevivência em
Gaza. Enquanto isso, na Cisjordânia os palestinos são confinados em regiões
inviáveis e Israel tomas as terras que quer, em completa violação do direito
internacional e de resoluções explícitas do Conselho de Segurança da ONU – para
não falar de decência."
O exército israelense, o quarto maior
do mundo, mas o mais moderno e sofisticado do todos, sabe a quem mata. Não mata
por engano. Mata por horror. As vítimas civis são chamadas de "danos
colaterais". Em Gaza, de cada dez “danos colaterais”, três são crianças. E
somam, aos milhares, os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento
humano, que a indústria militar está ensaiando com êxito nesta operação de
limpeza étnica.
Não há inocentes em nenhum dos
lados. De Israel, um governo reacionário que entende como sua a terra e
exclusivamente seu o direito, sem falar numa população que apoia ou cala
cinicamente perante o terror perpetrado por seu governo; da Palestina, uma
liderança extremista que tem como arma o terrorismo clássico onde gente simples
vira moeda de troca sem muito valor, com muito sangue e horror.
Teologicamente, há quem pense em
Israel como o legítimo filho da promessa; e nos Palestinos como bastardos que
não têm os direitos a que hoje reclamam. Isso é equivocado. Ler a Bíblia sob
essa ótica é reduzi-la e fazê-la dizer para o mundo contemporâneo verdades que
estão circunscritas a um outro tempo. Anacronismo. A perenidade da Bíblia está
na sua capacidade de nos revelar o caráter de Deus: partidário dos que sofrem;
solidário com os que morrem.
E, nesse pormenor, convém ler a
história de Hagar (e seu filho bastardo!) e descobrir que foi Deus quem foi
salvá-la da morte no deserto, depois de expulsa por Sara e Abrão (os pais
legítimos!). Convém ler as histórias do Egito opressor, de onde Deus fizera
libertar os israelitas; mas é preciso não se esquecer do mesmo Egito que foi
refúgio para o pequeno Jesus e sua família quando Herodes os ameaçava de morte.
Não há lugares, povos e pessoas
absolutas na Bíblia. Há, isso sim, a opção preferencial de Deus pelas vítimas
que sofrem. Não importa seus nomes ou "de que lado estejam". Se há
vítimas, Deus está com elas. Sofre com elas.
Eu creio assim: se hoje há um
rosto para Deus no oriente médio, esse rosto é árabe-palestino, porque é aí que
está o sofrimento. Mas não apenas aí. Antes de sermos "descendentes"
do povo de Deus (Israel), somos discípulos de Jesus (que sofreu numa cruz como
as vítimas desse mundo de terror).
Como cristãos que ousamos
acreditar num mundo de paz, creio devamos nos unir em torno de ideias de
humanização desse nosso tempo. Um clamor - politicamente concreto junto a
governos - pelo repúdio ao expansionismo violento e violador do direitos
humanos por parte de Israel e do Hamas talvez seja um bom começo. Fato é que
não há lado com razão; há pessoas morrendo inutilmente. Isso precisa de um
basta.
Não creio que Deus esteja desse ou
daquele lado; apenas chora cada criança que sofre. Está na cruz outra vez.
Ricardo Lengruber Lobosco
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