Querido Marcio Arueira
Expresso aqui minha alegria pelo gostoso papo que levamos contigo,
com tua mãe, com teu pai e com tua namorada. És uma jovem trabalhador e
estudante universitário. Conversar contigo é passear contigo num mundo de experiências
intensas de jovens sonhadores, generosos e construtores do mundo.
Na carta abaixo que escrevei ao MarcoAurélio me referi ao dia 1º de maio, retrospectivo para mim porque toca
fundo na minha história e na minha consciência.
Continuo esse processo hoje. Cedo acessei o vídeo abaixo para
ouvir novamente a poesia brilhante que Vinicius de Moraes escreveu em 1956, de
uma atualidade de verdades intensas, que nos chamam à luta.
Vinicius, de saudosa memória, olha para Jesus em sua tentação
máxima quando, segundo a parábola inteligente escrita por Lucas, vê o Messias levado pelo diabo para os pináculos do templo de Jerusalém para oferecer-lhe o mundo se
ele deslumbrado o adorasse. A partir do texto evangélico nosso poeta maior
ingressa no universo no qual os operários são massacrados todos os dias e
obrigados a dizer sim para os que os exploram bebendo seu sangue, engordando
com suas carnes e banhando-se no seu suor.
Vinícius, a partir de Lucas, me ajuda a olhar lá para dentro
da oficina de Nazaré onde o jovem Jesus trabalha como carpinteiro, a mesma
empresa e a mesma profissão de seu pai, barbaramente assassinado como escravo pelos
romanos, segundo a imaginação de José Saramago em seu livro “Jesus Segundo os
Evangelhos”.
Tenho certa santa inveja dos poetas porque eles conseguem enxergar
coisas que meus olhos viciados não vêm.
Vinicius de Moraes viu o messias nos operários quando eles
ultrapassam a barreira murada entre o “sim” à exploração e o “não” aos patrões,
que vivem à custa de seus sacrifícios e do roubo das riquezas que eles
produzem.
Quando @s trabalhadores/as se calam dizem “sim” aos que os
exploram. Quando acreditam que os capitalistas distribuem riquezas em forma de
empregos com salários miseráveis, com carga horária para escravos, dizem “sim” à
opressão desumana. Quando @s trabalhadores/as se omitem da luta por falta de
consciência social de seus direitos deixam-se roubar na sua maior força, o fato
de serem maioria, mas maioria que se rende à minoria que assalta as riquezas
que são suas. @s trabalhadores/as dizem “sim” ao mercado das raposas quando
perdem a consciência política e votam na direita, cujo discurso no poder é o de
achar que o salário mínimo é muito alto para quem trabalha. Trabalhadores/as
que dizem “sim” à direita amargam políticas sem dó contra eles/as, os chamados
arrochos ou medidas impopulares, que são
impopulares por serem contra o povo.
Por isso não aceito o Cristo das igrejas que dizem não gostar
de política. Elas fazem a pior das políticas, a que aliena e afoga @s
trabalhadores/as na escuridão do “sim” incapacitante para a luta que muda esse
estado de coisas. Não gosto desse Cristo patético que ignora os dramas da classe
operária e piora a situação ao pedir dela muito dinheiro para sustentar
instituições religiosas, mercados que ocupam os templos para vender mentiras.
Não gosto do Cristo das igrejas dos aleluias e dos améns aos
donos das consciências escurecidas pelas pregações sem história e sem justiça.
Não gosto do Cristo das igrejas barulhentas, dos shows promovidos por bandas e
cantos sem conteúdo, puros ruídos para abafar os gritos que se levantam das
fábricas, dos campos e dos espaços de trabalhos, onde os Cristos do povo são
crucificados pelas injustiças. Não gosto do Cristo milagreiro, dos milagres
ensaiados para impressionar o povo sem direitos a políticas públicas da saúde.
Não gosto do Cristo dos pastores e padres histéricos, gritões sem conteúdo,
atores ridículos de programas de TV, que ajudam a direita a consagrar as botas
que pisam nos direitos d@s trabalhadores/as.
Vinicius de Moraes dá as mãos a Lucas através da melhor poesia
para nos conduzir até o Cristo que liberta; do Cristo que se rovolve de dor, de
angústia e que grita por unidade da classe operária para levá-la à melhor das
alturas, a que leva o messias dentro da consciência libertária d@s
trabalhadores/as a gritar NÃO aos impiedosos que os pisam. Ao gritar “não” aos
que roubam as riquezas em forma de saúde, de educação, de arte, de fé na
justiça e de paz social com tod@s felizes o messias de classe nega o demônio da
classe dominante e afirma a salvação na união revolucionária.
Creio no Cristo que grita nas ruas, nas fábricas, nos campos,
nas favelas, nos morros e nas matas pela justiça que nega a exploração imposta
pelo capitalismo, reforçada pelo imperialismo.
Creio no Cristo, Messias da justiça, que move a classe
operária a derrubar o muro escurecedor da consciência de que @s
trabalhadores/as são @s que mudam e transformam o mundo através de cada coisa
que fazem; de que são eles/elas que são a base geradora de riquezas e não a
burguesia, que é usurpadora através da exploração e do roubo.
Creio no Cristo que move @s trabalhadores/as a quebrarem as
correntes que @s faz ser apenas “classe em si”, desunid@s interessad@s apenas
em pequenos benefícios do trabalho, sem saber que as riquezas que produzem
deveriam ser todas suas. Creio no Messias que diz “não” a essa miséria para
libertar-se tornando-se classe para si quando a classe trabalhadora une-se para tomar o
poder para realizar o sonho da justiça social, como ensina
Karl Marx em “Miséria da Filosofia”, em resposta ao livro “Filosofia da Miséria”
de Ludwig
Feuerbach.
Peço-te, querido Marcio, que acesses o vídeo abaixo.
Certamente não serás mais o mesmo depois de ver a obra de arte de Vinícius de
Moraes, “O Operário em Construção”, na voz do português Carlos Silva.
Abraços críticos e fraternos na luta por justiça e paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano, em
quaisquer situações.
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