Amiga Nádia
Vi-te muito triste e saudosa com o vazio deixado pelo profeta
Dom Tomás Balduíno. Tens razão em sofrer assim, minha irmã. Ao morrer, Dom
Tomás nos deixa órfãos e tristes.
Conheci Dom Tomás pessoalmente e estive com ele nas ruínas de
São Miguel no RS, quando celebramos ecumenicamente a causa dos indígenas
massacrados pela ditadura. Noutra vez caminhei com ele na via crucis em
Caiboaté, também no RS por ocasião do grito dos excluídos.
Dom Tomás era uma pessoa carismática e séria, enormemente catalisada
e obstinada pela causa dos povos indígenas, dos agricultores pisados pela
ganância dos proprietários rurais e pelos problemas sociais que agridem os
pobres e trabalhadores brasileiros.
Quando se vê tanta banalidade com a fé, com igrejas
eletrônicas e renovadas rebaixando a causa mais profunda com a qual se envolvem
os evangelhos, mobilizados por um subjetivismo banal, que faz de Jesus um fantoche
curandeiro e chantagista, um meio de assaltar as almas e as carteiras do povo,
Dom Tomás nos ensinou que Jesus é fonte de verdades a favor da justiça
libertadora.
A história de Dom Tomás mostra que fé e sacramentos são
fontes que remetem aos injustiçados, não para fazer alaridos ao redor deles nem
orações que clamam aos céus em favor de soluções que nós humanos temos que construir
coletivamente, com audácia e coragem. Fé não se confunde com misticismo que encolhe
e achata as pessoas, impossibilitando injustamente reações e luta para mudar as
circunstâncias causadoras de indignidade.
Dom Tomás participou de ações ousadas que exigiram dele
atitudes radicais para entender o outro, sempre excluído pelas colonizações e
pelas elites dominantes.
Vivemos num contexto delineado por um cristianismo vulgarizado,
rebaixado à condição supersticiosa como negócio mercadológico e linha auxiliar
da direita, traidor de sua origem na Palestino do século I, quando era
radicalmente uma religião dos pobres e injustiçados. Cultos e missas desse
cristianismo atual, rebaixado e relapso com o projeto que verte em Jesus, faz seus
adeptos berrar por soluções miraculosas caídas do céu, sem esforço e sem luta,
em completo escurecimento das consciências de seus seguidores. Tal
comportamento dispensa as lideranças das igrejas serventes desse cristianismo
de estudar e decidir corretamente em favor dos injustiçados.
Dom Tomás se deparou com um imenso abismo entre a dita
civilização branca, regida pela colonização que pisa no outro, o diferente
indígena e o negro originário da África. Para entender os indígenas não basta
pegar uma Bíblia, colocá-la sob os braços, sem estudo, sem pesquisa, sem
esforço intelectual e sair a gritar fórmulas vazias como Jesus salva e outras
do gênero.
Para entender os irmãos indígenas Dom Tomás estudou ciências
humanas na Universidade Nacional de Brasília. Fez mestrado em Antropologia e
Linguística para aprender as culturas e as línguas dos indígenas Xicrin do
grupo Bacjá e Kayapó.
Essa é uma tremenda lição de humildade. Para entender o
outro, o diferente, há que estudarmos seu modo de ser e de se comunicar.
Outro problema que exigiu definição de Dom Tomás foi a opção
de votar em Dilma em 2010 para evitar que a direita neoliberal, privatista e
capacho do imperialismo retomasse o poder para achincalhar e humilhar nosso
povo.
Mas, mais uma vez Dom Tomás teve que estudar, analisar e
pensar, atitudes típicas de cristãos responsáveis por esse mundo, bem
contrárias a aproveitadores que querem o lado que oferece mais dinheiro para
suas ambições empresariais, que chamam de igrejas, mentindo que são projetos para ganhar almas
para o Senhor. Só se for almas mesmo, porque o dinheiro eles tomam para si.
Dom Tomás optou por Dilma em 2010 por ver espaço apertado
entre a direita abjeta representada por José Serra e, mesmo com os erros de
Lula em relação à reforma agrária que não promoveu, o bispo profeta avaliou que
seria mais justo continuar o apoio ao projeto que iniciou em 2002 com a eleição
do primeiro operário. Para tanto, às vésperas do segundo turno, articulou um
manifesto assinado e apoiado por lideranças católicas romanas e evangélicas a favor
da eleição do modelo continuado por Dilma Roussef, crente de que favoreceria os
posseiros, indígenas, negros, camponeses e os pobres, odiados e excluídos pela
direitona.
Pode se dizer que Dom Tomás morreu preocupado com o rumo da
política nacional. Disse a pessoas de usa intimidade que a baixaria da direita
pode colocar o projeto de desenvolvimento e nacional em risco.
Noutras palavras, Dom Tomás não sonegava a realidade dura de
nosso povo nem se omitia a necessidade de se lutar por políticas justas, que
corrigisse as marginalizações históricas de nossas origens e etnias. Dom Tomás
nunca embarcou na canoa furada dos ditos cristãos que alegam não gostar de
política, para, omissos, pedir que Deus ajude as autoridades a governar com
sabedoria, sem nada fazer para mudar o rumo das injustiças.
Dom Tomás era um profeta. Ser profeta é assumir a
contextualidade da fé que remete a profecia para a luta ao denunciar as
injustiças, mas, ao mesmo tempo, se deixa entregar ao estudo, à compreensão
exata das circunstâncias injustas e a assumir posições corretas entre as opções,
uma radicalmente injusta, inaceitável e outra que oferece um mínimo de
coerência real e objetiva de mudanças e de avanços, apesar de seus defeitos.
Dom Tomás morreu mas deixou o legado do testemunho profético, que alimenta a luta na
construção da justiça social. Esta exige que se estude para compreender o outro
e exige análise para que se tome a atitude minimamente viável dentro das
circunstâncias conflitivas. Sair de Bíblia em punho a dizer galhofas sob alegação de que o "Senhor me falou", sem o menor compromisso social, é expor a justiça social a riscos e a abortos sob os aventureiros de plantão. Rezar e gritar aos berros, de mãos para céu e com a cabeça enfiada no chão são atos de fuja e alienação, totalmente sem a fé que leva aos
riscos e às ousadias na luta. Dom Tomás foi ousado, mesmo que ameaçado de prisão e de morte várias vezes.
Para entenderes melhor o testemunho de Dom Tomás e a reflexão que faço aqui sugiro que acesses o vídeo intitulado "Dom Tomás 90 anos depois", produzido pelo meu amigo Padre Carlos César Pereira Souza, da Caravideo, que postei abaixo.
Para entenderes melhor o testemunho de Dom Tomás e a reflexão que faço aqui sugiro que acesses o vídeo intitulado "Dom Tomás 90 anos depois", produzido pelo meu amigo Padre Carlos César Pereira Souza, da Caravideo, que postei abaixo.
Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano, em todas
as circunstâncias.
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