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sábado

Primeiro "dia das mães" dos filhos de Claudia e de Fabiane sem suas mães





Querida amiga Elza, mãe de muitos...

Minha amiga, vejo os comerciais televisivos em “homenagem” ao dia das mães. As mulheres mães que estampam parecem ser de outro mundo. Elas têm aparência de ser descarnadas e desossadas, embora belas e sensuais. Suas presenças se prestariam muito mais a ser propagandas de programas sexuais do que de mulheres feito gente.

Na verdade, tenho a impressão de que há dois dias das mães no segundo domingo de maio. Um é dessas mulheres consumidoras, que alavancam as vendas do comércio. São mulheres manequins que ostentam artigos como se fossem robôs, seres sem história, pelo menos sem história em um País subdesenvolvido e pobre. As mulheres dos comerciais integram famílias de filhos e maridos perfeitos, onde ninguém precisa dialogar e onde tudo é sempre festa. As famílias das mães do mundo dos comerciais se alimentam sobre mesas lautas e andam em automóveis de luxo, sem preocupações. Nada lhes falta. Não adoecem e tudo lhes é resolvido pelo celeste comércio e pelo mercado. Tudo é pura beleza e sem problemas. 

Mas há outro mundo, o real, onde nem sempre é festa. O mundo onde mulheres se tencionam, brigam, são exploradas e massacradas desonradamente. Nesse mundo as mulheres se transportam em ônibus e trens apertados e experimentam abusos de machistas de mentes infantis, que não aprenderam o sentido do respeito e do amor ao próximo.

Pior, no mundo real das mulheres trabalhadoras elas têm que driblar tudo, inclusive a morte, para de vez em quando perderem a batalha. Nesse mundo há as que são apenas vitimas engolfadas pela barbárie, sem se quer imaginar que há direitos a ser defendidos e preservados. Sem consciência de seus direitos muitas mulheres são tragadas pelas injustiças e mortas, como aconteceu com as que foram pisadas, contaminadas e extintas pelas doenças e pelas febres nos navios negreiros, antros assassinos dos escravocratas impiedosos, que as venderam como ferramentas para a produção dos proprietários de gente, de terras e de gado. Morreram e deixaram filhos  órfãos. Hoje sob as miras das policias, dos machistas e novos proprietários têm suas vidas arrancadas de modo fútil. 

É nesse mundo machista e bruto que tombaram Cláudia Ferreira da Silva, morta no Morro Congonha na zona norte do Rio de Janeiro e Fabiane Maria de Jesus, linchada por 1800 pessoas em Guarujá, cidade litoral de São Paulo. Ambas eram mães e jovens. A mídia fez de Cláudia um personagem diverso das mães dos comerciais do maldito mercado. De maneira distorcida os noticiários disseram que Cláudia foi vítima casual de operação policial, como foi arrastada por um carro da polícia porque o capô miraculosamente se abriu e, os policiais avisados pelas pessoas que viram,  a jogaram de volta como se fosse um saco de pedras, como se nada tivesse importância. Fabiane foi atropelada por uma multidão desembestada de ódio cego e atropelada a pauladas, pisada por rodas de motos, de bicicletas e a pedradas como se fosse um monstro a invadir a pacata cidade habitada por santinhos inocentes. 

Esse é o mundo fora dos comerciais do mercado infernal, fingido e interesseiro. Nesse palco as personagens são dolorosamente reais. As mulheres-mães perdem suas vidas e seus filhos são perenemente dilacerados pela dor da orfandade sangrenta. 

Como será o primeiro dia das mães reais para os filhos de Cláudia, assassinada pelos policiais de um estado falido em termos de justiça social? Como os filhos de Cláudia vêm a policia e o que vêm em cada policial que lhes roubou o direito de comemorar o dia das mães ao lado e no colo de sua mãe trabalhadora?

Como será o primeiro dias das mães dos filhos de Fabiane, atropelada por uma multidão de outras mães, pais e filhos, que lhe roubaram a vida? Como essas crianças avaliarão as multidões? O que pensarão do povo reunido, mesmo que inocente ou fazendo festa? Entenderão que o dia das mães lhes será fúnebre para sempre porque uma multidão boiada, composta de pessoas que não sabem dos direitos do próximo, notadamente do direito à vida da mulher mãe? Quem consolará os filhos de Cláudia e de Fabiane? Que argumentos os consolará, já que nenhum ressuscitará suas mães?

A dolorosa verdade do dia real das mães, aquele que os comerciais do mercado fingido e egoísta ignora e nega, somente chegará com a consagração transformadora das mulheres lutadoras, das que também são mães, irmãs e companheiras das que tombam sem esboçar reação e luta contra essas brutalidades. 

A luta das mulheres libertárias, verdadeiras mães e irmãs da humanidade, vencerá e fará as derrotas efêmeras para as que se movem pela fé eterna num mundo novo e justo, como poetizou e declama a guerrilheira Gioconda Belli.

Ou essa realidade muda com a participação e luta das mulheres reais ou continuaremos a ver nos comerciais um mundo fingido e burguês, sem verdade e sem coração, onde as mulheres reais e mães sofridas são negadas e ignoradas. 

És uma dessas mulheres lutadoras, minha cara amiga Elza Fonseca, inconformada com mortes como as de Cláudia e de Fabiane, sem te iludires com as mulheres bacanas dos comerciais mentirosos. Em tua homenagem nesse dia real das mulheres mães, e a tantas milhares que me leem aqui, ofereço a poesia da autêntica guerreira. Homenageio-as com a poesia revolucionária da nicaraguense Gioconda Belli, intitulada “Mãe”:
A mãe
trocou de roupa.
A saia virou calça;
os sapatos, botas;
a pasta, mochila.
Já não canta cantigas de ninar,
canta canções de protesto.
Vai despenteada e chorando
um amor que a envolve e assombra.
Já não ama somente seus filhos,
nem se dá somente a seus filhos.
Leva suspensas nos peitos
milhares de bocas famintas.
É mãe de meninos maltrapilhos
de molequinhos que rodam pião em calçadas empoeiradas.
Pariu a si mesma
sentindo-se – às vezes –
incapaz de suportar tanto amor sobre os ombros,
pensando no fruto de sua carne
– distante e sozinho –
chamando por ela na noite sem resposta,
enquanto ela responde a outros gritos,
a muitos gritos,
mas sempre pensando no grito solitário de sua carne
que é um grito a mais nessa gritaria de povo que a chama
e lhe arranca até os próprios filhos
de seus braços.

Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano, em todas as circunstâncias.

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