Querido
Monge Marcelo Barros
Por onde
andas meu irmão? Sinto saudades de nossos encontros aqui em Goiânia quando nos
ajudavas com tuas sábias e serenas reflexões. És uma pessoa imensamente admirável. Consegues
sintetizar dinamicamente conhecimento, sabedoria, reflexão, prática e busca
incessante do outro. Sinto que em breve nos encontraremos em atividades comuns.
Apreciei
muito tua profunda reflexão abaixo que, no fundo, é exercício e apelo no
sentido da busca do outro, mesmo naquilo em que se pareça muito diferente de
cada um de nós. Apelas para que abramos mãos de nossos estreitos e até
mesquinhos corredores dogmáticos, onde pululam o ódio e a discriminação. Apelas
a que nos demos conta de que nossas verdades ao se mostrar tão absolutas e
únicas são exclusões de possibilidades
de que os outros também convivam com a verdade, mesmo que para nós sejam
estranhas. Aliás, o outro quase sempre é estranho, mas de estranhezas que se
constituem em desafios para o diálogo e para o crescimento de relações sociais
mais sérias e justas, em cuja esteira encontramos muito mais fatores de unidade
e de comunhão do que previamente imaginamos. Surpreedemo-nos muitas vezes com
os fatores que nos aproximam nos diferentes do que nos iguais, com os quais nos
acostumamos e nos acomodamos.
Ao citares
o inconteste Santo Agostinho afirmas que o amor ao outro, ao próximo, é a força
que mobiliza a unidade e o acolhimento do aparentemente diferente. Esse amor
não é a marca da intolerância e dos preconceitos. Nem mesmo pode ser
reconhecido nos que pregam o evangelho e a conversão a Jesus quando apregoam
que quem não confessa a fé como eles é do demônio. É berrantemente
contraditório alguém pregar o amor de Deus e excomungar e maldizer os outros
porque professam diferentemente a fé e diversamente vivenciam a religião.
No teu
iluminado artigo abaixo listas atos brutais de discriminação “religiosa”, no
fundo demonstrações de bestialidade e de ódio antissocial. Deixo que nossos
leitores corroam o cursor mais abaixo e leiam teu sábio artigo, que deveria ser
compartilhado nas redes sociais. Ontem me deparei com informações de Carlos
Alberto de Souza, ouvidor da Secretaria de Políticas da Igualdade Racial
(Seppir), publicadas num artigo no
Jornal Hoje, página 10, aqui de Goiânia,
que é de arrepiar e desafiar a que se tome atitudes em favor de mudanças nesse
estado de ânimo. Diz Carlos Alberto que a quantidade de denúncias de intolerância
religiosa feitas pelo telefone 100 da
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República cresceu quase cem
vezes, passando de 15 para 109 casos graves de agressão à denominações
religiosas diferentes dos agressores. O aumento dos casos é de 626%. Mas a
secretaria constata que a situação de intolerância e de violência é muito
maior. Muitas vezes se percebe, para concordar com esse lamentável registro, pela
mídia através de programas religiosos e pelas redes sociais na internet,
ataques de alto teor de preconceito contra os que “religiogizam” diferente.
Penso,
porém, meu querido Irmão Marcelo, que a religião movimenta-se a partir e por
causa de enorme força amorosa. Todas as religiões mostram pelas entradas e
saídas de muita gente em seus ambientes sociais e de culto que elas agregam
muita gente. Isso é maravilhoso. O mal é quanto os que se congregam sob
determinada confissão ou CNPJ acham-se donos da verdade e proprietárias de
Deus. Isso se agrava quando as religiões desunidas e intolerantes se tornam
prisioneiras da direita e da classe dominante. É triste o espetáculo de
religiosos que se prestam a serem cabos eleitorais de neoliberais, de
direitistas e traidores da Pátria, quase sempre, para não dizer sempre, em troca
de dinheiro, de terrenos para construções de templos, para empregos bem
remunerados em gabinetes de servidores públicos e até para “ganhar” espaços na
mídia e canais de rádio e de TV.
Felizmente,
meu caro Monge, surge aqui em Goiânia, a ser fundada no próximo sábado, dia 26,
às 15h, uma ONG que pretende ajudar na unidade dos diferentes seguimentos
religiosos a caminhar no rumo da unidade em favor do Brasil, da superação da
miséria, da pobreza e da anti cidadania, cujos casos sérios sempre muito
presentes, fortes e chocantes em muitas situações em nossas cidades e campos no
Brasil gritam por soluções e prssões. As finalidades dos estatutos da IRMANDADE
BRASILEIRA JUSTIÇA E PAZ consagram fortemente o potencial do amor pregado e
vivenciado internamente nas confissões religiosas em favor da unidade na busca
de recursos públicos e privados para a construção e execução de projetos. As
representações de diferentes grupos religiosos que participaram da primeira reunião
para propor a entidade exaltou enorme entusiasmo em torno desse projeto. No
sábado, dia 26, às 15, numa sala auditório da Faculdade Delta, aqui em Goiânia,
apreciaremos e aprovaremos definitivamente o estatuto e a fundação da IRMANDADE
BRASILEIRA JUSTIÇA E PAZ – IBRAPAZ. As pessoas que professam seriamente a fé no
Deus que ama e liberta não devem mais se
excluir de um projeto dessa envergadura e seriedade. As pessoas que se
congregam em diferentes igrejas e confissões são muito patriotas e amam seu
País. Elas não querem ser excluídas do amor real pelo próximo e da união com
tantos/as que amam o Brasil e desse amor prático não podem permanecer apáticas
e alheias.
Forte
abraço crítico e fraterno, sem perder a luta pela justiça e pela paz, jamais.
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21.01.13 -
Mundo
Religião
e Diversidade
Marcelo
Barros
Monge
beneditino e escritor
Apesar de que todas as religiões pregam amor,
compaixão e misericórdia, infelizmente, quando as religiões se tornam
dogmáticas e autoritárias, todas têm sido instrumentos de fanatismo e de
intolerância. Mesmo caminhos espirituais baseados na compaixão universal e na
não violência absoluta como é o Budismo tem servido em alguns momentos e
lugares como pretextos para intolerâncias e perseguições a dissidentes e
pessoas consideradas infiéis. E durante a história, a religião que mais caiu
nessa tentação da violência e da intolerância contra "os outros” e os
diferentes, foi o Cristianismo. Isso em absoluta contradição com o evangelho e
o espírito de Jesus de Nazaré.
No Brasil, apesar da Constituição Brasileira
defender a liberdade de culto para todas as tradições religiosas, ainda existem
programas de rádio e televisão nos quais se pregam a intolerância e se combatem
algumas tradições religiosas, como por exemplo, as de matriz afrodescendente.
Assim, em janeiro do ano de 2000, no Rio de Janeiro, Mãe Gilda, Yalorixá do
Candomblé, viu duas vezes o seu templo ser invadido por pessoas de uma Igreja
neopentecostal que entraram no templo e destruíram os assentamentos dos Orixás.
E no dia 21 de janeiro, Mãe Gilda viu estampada em um jornal uma
foto sua com a legenda: "Macumbeiros ameaçam a vida e o bolso dos
clientes”. Ao ver aquilo, aquela senhora idosa teve um infarto e faleceu. Para
que não se repitam mais fatos como esse, em 2007, o presidente Lula assinou uma
portaria através da qual, cada ano, 21 de janeiro é considerado o "Dia
Nacional contra a Intolerância Religiosa”.
Para acabar com a intolerância cultural e
religiosa, não basta uma lei ou decreto. É preciso transformar interiormente o
processo da fé. Muitas confissões religiosas ainda confundem a verdade com uma
forma cultural de expressar a verdade. Por isso absolutizam dogmas e tendem a
se fechar em um autoritarismo fundamentalista. Daí, facilmente, se justificam
conflitos e até guerras em nome de Deus. Em 1965, em um dos seus mais belos
documentos, (a declaração Nostra Aetate), o Concílio Vaticano II
proclamava o valor das outras religiões e incentivava os católicos do mundo
inteiro ao respeito ao diferente e ao diálogo. Também, em 1961, o Conselho
Mundial de Igrejas, que reúne mais de 340 Igrejas evangélicas e ortodoxas,
pediu às Igrejas cristãs uma atitude de respeito e diálogo com todas as
culturas e colaboração com outras tradições religiosas.
Atualmente, no mundo, a diversidade cultural e
religiosa é, não somente um fato que, queiramos ou não, se impõe à humanidade.
Devemos reconhecê-la como graça divina e bênção para as tradições religiosas.
Assim, elas podem se complementar e se enriquecer mutuamente. Nenhuma tem o
monopólio da verdade. Todas estão em caminho, como peregrinas da verdade que a
maioria das tradições chama de Deus. Com nenhuma religião, Deus assinou contrato
de exclusividade. E ao contrário, nas diversas tradições, de um modo ou de
outro, revelou que se deixa encontrar no diálogo e na abertura ao diferente.
Para que este diálogo seja verdadeiro e profundo,
cada grupo religioso tem de reconhecer o que Deus nos revela, não somente a
partir da sua própria tradição, mas do caminho religioso do outro. Não para que
o cristão se torne budista ou o budista se torne cristão, mas para que cada um,
em sua tradição, seja enriquecido espiritualmente com a iluminação que o outro
recebe.
Para esta abertura pluralista e para o diálogo daí
decorrente vale o que, no século IV, dizia Santo Agostinho: "Apontem-me
alguém que ame e ele sente o que estou dizendo. Deem-me alguém que deseje, que
caminhe neste deserto, alguém que tenha sede e suspira pela fonte da vida.
Mostre-me esta pessoa e ela saberá o que quero dizer”(1).
Nota:
(1) AGOSTINHO, Tratado sobre o Evangelho de João
26, 4. Cit. por Connaissance des Pères de l’Église32- dez. 1988, capa.
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