O ator preso ‘por engano’ é mais um número nas estatísticas implacáveis contra os negros
Postado em 26 Feb 2014
Até o dia 10 de fevereiro, Vinicius Romão contrariava as
estatísticas. Negro, aos 27 anos é estudante finalista de Psicologia,
tem um emprego que lhe garante um salário entre R$ 1,6 e R$ 2,0 mil, é
filho de um tenente-coronel da reserva do Exército. Atuou na novela
global “Lado a Lado”, vencedora do prêmio Emmy de 2013.
Mas as duras estatísticas que recaem sobre a população negra
atingiram Vinicius nesse dia, quando ele voltava do trabalho em uma loja
de roupas no shopping da zona Norte do Rio de Janeiro e foi detido pela
polícia sob a acusação de assalto.
Contra ele havia o testemunho da vítima, que disse ter sido atacada
por um homem negro, magro, alto, de camisa e bermuda pretas e cabelo
black-power. Sem evidências materiais e acusado por uma prova
testemunhal em desacordo com o Código Penal, Vinícius ficou duas semanas
na Casa de Detenção Patricia Acioli, em São Gonçalo.
Se em vez de negro com black-power o suspeito fosse branco de cabelos
lisos a atitude dos policiais que o abordaram e o autuaram seria
diferente? Se levarmos em conta as estatísticas, sim.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram os
negros estão entre as maiores vítimas da violência. O estudo conclui que
a probabilidade de pretos e pardos serem vítimas de homicídio é de
quase oito pontos percentuais a mais do que a da população branca. Isso
independe de sexo, idade ou escolaridade.
Vinicius não foi vítima desses facínoras que se intitulam
justiceiros, mas sofreu uma dura violência por parte do estado. Ele não
engrossou a contabilidade maldita que garante dois pretos ou pardos em
cada três vítimas de homicídio, mesmo assim a prisão equivocada é um
tiro em sua dignidade.
Os dados do Instituto mostram que os negros perdem 3,5 anos de vida
em sua expectativa ao nascer, contra 2,5 anos de um homem de outra
etnia. Vinícius já perdeu duas semanas da sua, considerando, apenas, o
tempo cronológico. O quando o trauma causou só ele pode dizer.
Conversei com alguns amigos de Vinicius. Todos o descreveram como um
rapaz amável, honesto, bom vendedor na loja em que trabalha, apaixonado
pela Psicologia e pela carreira de ator.
Perdeu a mãe há alguns anos e antes disso um irmão. Ela de problemas
cardíacos, ele de anemia falciforme – doença hereditária predominante em
negros.
Romão, como é chamado pelos amigos, é forte e pratica musculação. Na
certa driblou a estatística que levou seu irmão. Quanto às outras,
perpetradas pelo racismo ainda vivo na sociedade brasileira, vai ter que
superar e chutar a cada dia.
Com ginga de capoeirista, igual seu personagem em Lado a Lado.
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