Meu querido Prof. Benedito Santos
Nossa última reunião do Comitê da Educação da Ibrapaz nesta
quinta-feira, dia 09 de janeiro de 2014, me fez muito feliz.
Sou educador há muitos anos. Lecionei em escolas ditas
religiosas e em outras de proprietários ditos religiosos e convertidos.
Confesso-te que em nenhuma delas vi reuniões pautadas por discussões sérias e
profundas em torno de alguma filosofia da educação. Fazem as tais reuniões
pedagógicas que de pedagógicas não têm nada.
Nem poderiam basear-se em filosofia da educação porque não
seguem nenhuma nem se comprometem com nada. Pior, o que seguem é o mercado
delinquente e iníquo, sem a menor criticidade e inteligência. Nenhuma delas
levantou voz em protesto aos crimes perpetrados pelo neoliberalismo em nosso
País ao fazer da educação um produto empacotado em invólucros tecnicistas, mas
destinado aos privilegiados e de péssima qualidade humanizadora aos pobres e
aos filhos dos trabalhadores. O que
fizeram não foi educação, mas ensino autoritário e ruim enquanto seus donos
ganhavam muito dinheiro.
Gosto imensamente do nosso pessoal de liderança da Ibrapaz e
particularmente de vocês do seu Comitê da Educação. Notadamente aprecio tua
pessoa pelas imensas demonstrações de crescimento e de compreensão da filosofia
da Ibrapaz no que tange à educação. Não
contei, mas foram muitas as vezes que demonstraste preocupação e nos alertaste
a atentarmos para a filosofia da Ibrapaz em todos os nossos atos educacionais.
És jovem, meu caro Prof. Benedito, e de rica experiência
internacional na Europa com as questões sociais e um batalhador pela
sobrevivência de tua família, atualmente. Tua chegada e integração comprometida
em nossa “Irmandade Brasileira Justiça e Paz”, sempre presente e participante
das decisões do Comitê da Educação no que tange aos processos dos cursos de
pós-graduação e desencadeamento do registro da primeira faculdade do futuro
complexo universitário popular, é de intenso valor, creias-me.
Uma coisa que me preocupa nessa luta pelas transformações é
quanto os sujeitos que nela se envolvem relativamente aos valores que os
determinam.
O século passado e o início desse são testemunhas de homens e
mulheres que se empenharam nas mudanças e que forças éticas e morais os mobilizaram.
Duas coisas se ressaltam: só produzem
mudanças as pessoas radicalmente despojadas da superficialidade consumista e
capitalista; outra é que as que sucumbem às ilusões não avançam nem são
exemplos em nada. Pelo contrário, deslocam-se do compromisso com suas origens e
do povo para se autossatisfazerem em suas acomodações superficiais.
Na primeira ressalva destacam-se pessoas como Nelson Mandela,
libertador de seu povo e construtor da justiça que deve avançar na África do
Sul e no mundo. Desde o inicio de sua história amargou pobreza, fome e acabou
por enfrentar uma pesada prisão de 28 anos, acrescida da perda de um filho e de
pessoas muito queridas para ele. Não creio que seja necessário que um ser
humano, para aprender a amar o seu povo e sua emancipação, precise passar pelos
calabouços e pelas correntes onde os carrascos e opressores prendem os que
lutam e pela liberdade se entregam, como se isso fosse condição para forjá-los.
Mas parece ser verdadeiro que as pessoas que não vergam sob as tormentas do
ódio e das perseguições e que se preparam melhor para guiar o povo só o
conseguem se movidas por tremenda coragem de quem ama o próximo. Assim
aconteceu com Mandela, que soube se despojar de insignificâncias para abraçar o
cerne da vida, a essência para a luta.
Na Itália nasce outro herói que se fez na luta para
desconstruir a violência e as injustiças impostas pelo fascismo de Mussolini. Em
face de um País dividido pela miséria, que corroía a dignidade dos
trabalhadores e suas famílias no sul com as riquezas que se concentravam em poucas
mãos de industriários no norte, Antonio Gramsci empenhou-se por unir a classe
trabalhadora para mudar aquela realidade. Não demorou em ser trancafiado numa
prisão durante mais de oito anos para sair de lá para morrer doente e com
derrame cerebral. Mesmo preso produziu vasta obra teórica sobre os caminhos a
seguir na construção da justiça social. Noutras palavras, Gramsci não se pôs a
chorar nos cantos da cadeia. Mesmo preso e muito mal tratado refletiu e
iluminou a realidade da luta de classes e o que fazer para superar esse
conflito de modo inteligente através da educação da classe trabalhadora, imersa
na desesperadora escuridão do senso comum usado pelos exploradores. Gramsci aproveitou
para estudar na cadeia, onde redigiu quase 4 mil páginas nos famosos “Cadernos
do Cárcere”.
A obstinação e a coragem do grande homem italiano fê-lo criar
poderosa teoria para a prática revolucionária, que milhões de pessoas utilizam
hoje em todo o mundo como ferramenta para as transformações.
Outro impressionante homem latino americano que chama a
atenção do mundo inteiro, não somente por seu despojamento exemplar, mas por
sua capacidade de sonhar e de lutar por justiça social é o presidente do
Uruguai, Pepe Mujica. Pepe viveu preso durante quinze anos pela ditadura
militar que banhou seu País de sangue e extinguiu a liberdade do seu povo. Duas
horas após sua libertação da mais aterrorizante prisão ele se encontrava na
militância por um mundo novo. Elegeu-se senador e depois presidente de seu
País. Mora num sítio pequeno, pilota um fusca 1987 e doa 90% de seu salário. Traja-se
radicalmente com simplicidade e faz compras pessoalmente no comércio de Montevidéu
sem seguranças e proteção esnobe do Estado.
Numa entrevista esse grande homem disse que a nova sociedade
somente se construirá por pessoas movidas por valores que encarnem
concretamente em suas próprias existências. Disse que o socialismo não será
construído por pedreiros, capatazes e mestres de obras capitalistas.
A nova sociedade não pode ser construída por quem viva com a
alma entulhada por essa sociedade velha e velhaca, onde o capitalismo
inerentemente perverso, desumano e injusto faz os trabalhadores serem
brutalmente escravizados para manter a luxúria e as banalidades dos ricos [1].
Creio que o Papa Francisco alinha-se a homens como Mandela,
Gramsci e Mujica. Francisco não sofreu as agruras de prisões como eles, mas apesar
de respirar com um só pulmão, ao emergir da América Latina de indígenas
estuprados, roubados e mortos, de porões de torturas e assassinatos, não se
vendeu à Europa colonizadora. Como em Buenos Ayres, onde se transportava de
bicicleta, a pé e de metrô e fazia suas próprias refeições, o atual Papa mantêm
seus ouvidos atentos aos gemidos dos pobres e seu coração vincado à luta dos
que são pisados pela estupidez dos exploradores.
No dia 5 de dezembro de 2013 o Papa reuniu no Vaticano os
excluídos representados por significativas lideranças dos movimentos sociais,
principalmente da terra. Escutou-os falar por si mesmos sobre os gigantescos
sofrimentos causados pela exclusão dos que usam a terra e os alimentos para
fazer negócios egoístas e privilegiados. Os testemunhos mostraram que o capitalismo é
muito mais covarde e criminoso do que os cientistas e intelectuais dizem. Os
capitalistas avançam na privatização das terras, das águas, das matas, do Estado e até do
ar. A fome do capital não titubeia em matar vidas humanas, animais, a liberdade e a natureza
[2].
O Papa Francisco tem autoridade para fazer pessoalmente essa
escuta dos pobres. Ele não aceita a superficialidade dos que trajam roupas de
gala nem dos que consumam quinquilharias inúteis. Francisco é simples e se comove
com a tremenda espoliação a que milhões de populações são expostas.
Por isso não se deve esperar nada de pessoas como Joaquim
Barbosa, Gilmar Mendes e de outros ministros do STF que se movem em automóveis
de mais de um milhão de reais, comprados com o dinheiro do povo. Não há como
contarmos com o apoio de governadores que usam helicópteros do Estado para
transportar cães e maquiadoras para sua esposa, como acontece no Rio de
Janeiro.
As pessoas que usam cargos públicos para se locupletar e para
enriquecer não têm sensibilidade nem valores fortes para usar em suas próprias
vidas como exemplos de luta. São vazias e nada entendem de povo. As pressões e
mobilizações populares têm que substituí-las e expulsá-las do poder.
Tenho dito que os objetivos da Ibrapaz impedem que suas lideranças
usem cargos para exibirem status ou privilégios. Nossa postura deverá sempre
simples e despojada. Assim sempre saberemos que educação é ferramenta de
mudanças e não negócio para enriquecer donos de instituições.
Agradeço-te, querido Benedito, pelo exemplo que começas a
construir com tua paixão pela causa que a Ibrapaz simboliza. Que venham outros. Nunca teremos inveja
dos lutadores e sempre impediremos a manipulação dos aproveitadores.
Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano.
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