Dá para reverter a desigualdade social mundial?
Atualizado em 23 de janeiro, 2014
Ninguém questiona que a desigualdade social alcança proporções intoleráveis no mundo.
Um relatório da ONG Oxfam, publicado na
segunda-feira, estima que as 85 pessoas mais ricas do planeta ganham o
equivalente às 3,5 bilhões mais pobres.
No Fórum Econômico Mundial de Davos -
que nesta semana congrega políticos, empresários e personalidades com
um volume de negócios equivalente a quase a metade do PIB americano -, a
desigualdade foi identificada como uma das principais ameaças à
economia mundial.
Mas, ainda que todos concordem com a gravidade do problema, haverá esforços para solucioná-lo?
Nos últimos 30 anos, segundo a Oxfam, o 1% mais
rico da população passou a abocanhar renda ainda maior, em 24 dos 26
países que forneceram dados sobre o período. O Brasil é citado como um
dos poucos países onde a desigualdade está diminuindo.
Nos EUA, em 1978, um salário anual médio
equivalia a US$ 48 mil (em valores atuais), e 1% da população ganhava
US$ 390 mil. Em 2010, o salário médio caiu para US$ 33 mil, enquanto 1%
da população ganhava mais de US$ 1 milhão.
O período coincide com a hegemonia da crença
neoliberal promovida entre os anos 70 e 80 por políticos como Augusto
Pinochet, no Chile, Ronald Reagan, nos EUA, Margaret Thatcher, no Reino
Unido.
A ideologia, que emergiu triunfante com a queda
do Muro de Berlim, prega regulação mínima do Estado sobre a atividade
econômica, liberdade absoluta ao mercado e redução dos impostos aos mais
ricos, a fim de promover o crescimento econômico.
A Oxfam defende iniciativas que vão na direção
oposta: "É preciso um combate global à evasão a paraísos fiscais. Um
sistema de impostos progressivo. Um salário digno", disse à BBC Mundo
Ricardo Fuentes-Nieva, chefe de pesquisas do órgão.
Estados costumam ser as únicas entidades capazes
de intervir significativamente na redução da desigualdade em nível
nacional, mas, para tal, necessita de dinheiro para financiar
investimentos em saúde, emprego, educação ou previdência social.
Distorções
Nas últimas décadas, a elite mundial contribuiu
decisivamente para o "desfinanciamento" estatal: segundo o Tax Policy
Center, dos EUA, desde a década de 1970, a carga de impostos caiu para
os mais ricos em 29 dos 30 países nos quais há dados disponíveis.
No mesmo período, o número de paraísos fiscais alcançou 50 a 60 jurisdições, que, segundo cálculo da revista The Economist, são o destino do equivalente a quase o dobro do PIB dos EUA.
O diretor da ONG Tax Justice Internacional, John Christensen, ilustra o impacto dos paraís
os fiscais.
"No âmbito de indivíduos, a perda em receita
fiscal é de cerca de US$ 225 bilhões. Em âmbito corporativo, ocorre uma
distorção de preços. (Multinacionais) pagam pouco ou nada (para manter o
dinheiro) no paraíso fiscal e, no país de origem, pagam menos do que
deveriam porque seus ganhos ficam muito abaixo da realidade", afirmou à
BBC Mundo.
Isso provoca distorções tragicômicas. Um único
edifício nas ilhas Cayman, chamado de Ugland House, é a sede oficial de
18 mil empresas.
Nos Estados Unidos, Delaware, cuja população não chega a 1 milhão de pessoas, existem 945 mil empresas, mas de uma por cabeça.
E o Google faturou US$ 5 bilhões no Reino Unido em 2012, mas praticamente não pagou impostos por isso.
Políticas
A globalização financeira, a desregulação e a
capacidade de mover a produção de um país a outro converteram esse poder
econômico em uma força capaz de dobrar governos.
"A elite mundial está impondo políticas de
Estado que lhes favoreçam", opinou Ricardo Fuentes-Nieva. "Isso produz
uma 'deslegitimação' da democracia e do Estado."
O relatório da Oxfam diz que, em pesquisas
conduzidas em seis países - Brasil, Espanha, Índia, África do Sul, Reino
Unido e EUA -, a maioria dos entrevistados opinou que as leis tendem a
favorecer os mais ricos.
A ONG fez um chamado por mais responsabilidade à
elite global - chamado que, segundo Fontes-Nieva, pode ter mais apelo
por conta da profundidade e da extensão de potenciais turbulências
globais.
"Estamos ante um perigo de ruptura do contrato
social. Desta vez, o conjunto da sociedade, inclusive a classe média, se
vê afetada. Precisamos lembrar que tratam-se de políticas públicas que
podem ser mudadas. Se não forem, o impacto prejudicará as próprias
elites, porque a crescente exclusão de consumidores pode acabar
produzindo uma sociedade economicamente doente."
Sinais de debilidade não faltam: segundo a
Organização Internacional do Trabalho (OIT), o desemprego mundial será
de 6,1% neste ano, em comparação com 5,5% em 2008. Entre os jovens, a
taxa será de 13,1%.
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