Prezadíssima profª e doutora Lúcia
És uma das amizades mais caras para
mim, que nasceu da convivência intensa no contexto subterrâneo de luta contra
as trevas geradas pela ditadura, que assombrou e turvou nosso País a partir do
golpe de 1964. Parabéns pela lucidez e humildade que cultivas sem te extraviares
pelos corredores alienados e arrogantes nos quais se perderam muitos que se
consideram intelectuais. Não me lembro onde li que diplomas não encurtam
orelhas. A realidade prova a verdade desse princípio. Quando as coisas se
complicam aparecem os “intelectuais” para analisar a realidade, sempre
ancorados nos teóricos da academia, que entendem como as maiores e perfeitas profundidades,
contra os infelizes de cultura rasa que agem em defesa do povo, que eles acusam
de ser políticos. E como dizem bobagens. Do alto de seus castelos de areia,
desligados do povo, de suas angústias e lutas, relem seus manuais, que eles
chamam de autoridades do conhecimento. E dê-lhe baboseira.
Tu, minha amiga, dialogas com a
academia e com a realidade. És apaixonada pesquisadora e produtora de
conhecimento. Admiro-te por isso. Mas o mais encantador em ti é tua integração
na luta sindical da categoria dos professores e no partido através do qual
militas. Como se dizia na década de 70 sobre os doutores da Sorbonne e
empregadas domésticas de Paris: “conheciam-se mais da luta sindical e do
partido, onde se sentiam iguais na compreensão da realidade, do que nos
corredores da universidade”.
Agradeço-te por me enviares esse
texto jornalístico sobre a visão da situação atual do mundo, construída pelo
jovem de 84 anos, o linguista Noam Chomsky. Conheço esse intelectual honrado e
opositor do imperialismo imposto ao mundo pelo poder de seu País, os Estados
Unidos. Suas análises não são shows de pedantismos e de aeronautas da
interpretação da realidade, infinitamente mais analfabetos do que quaisquer militantes
que lutam a partir do povo para transformar a situação injusta que se vive há
mais de 500 anos em nosso País.
Chomsky enfrenta em seu debate e
denúncias dois problemas sérios hoje, que também nos atingem no Brasil. Um é o
neoliberalismo: essa é uma praga imposta ao mundo a partir dos anos 80. Seu
postulado é verdadeiro princípio de destruição do bem estar do povo, representado
por desequilíbrio nos investimentos sociais, que prioriza a sociedade a partir
dos trabalhadores, dos pobres e dos majoritários interesses coletivos. Como
sabes, o neoliberalismo defende que o mercado deve regular a sociedade e
manietar o Estado, sempre a favor da minoria privilegiada e dominante, que se
enraíza na escravidão desumana. Para os defensores desse princípio injusto e
iníquo, quanto menos Estado e mais mercado melhor. Dizem até que isso é
liberdade. Noutras palavras: quanto menos investimentos sociais que estimulem
vida, qualidade de vida social nos seus aspectos econômicos, políticos e culturais
melhor para as ganâncias dos poderosos. Os bancos e grandes proprietários, na
sua virulência por lucros concentrados e riquezas egoístas, são os gestores
mais desejados, contra o abandono e destruição dos valores humanos da grande
maioria do povo. São sempre, sempre mesmo, anti soberania nacional e defendem a
submissão do País aos interesses mesquinhos e belicistas do imperialismo
fabricante de guerras e de destruição do mundo. Nesta matéria que me enviaste
essa denúncia de Chomsky é explícita e cristalina.
Outro princípio que move o
pensamento de nosso filólogo é o de sua defesa intransigente da participação
popular na produção das riquezas, dos países e nas decisões políticas. Ele é
coberto de razão. Não é justo com o povo que ele sirva somente para duas coisas
tristes: para produzir e para consumir. Chomsky entende que o povo que produz
deve ser sujeito de decisões em todas as instâncias de poder e não ser
marginalizado ou “consultado” através de eleições extremamente maculadas pela
elite dominante e seus caixas 2.
Percebo teu cuidado, minha amiga,
com a interpretação das manifestações que eclodiram no Brasil, na sua essência,
profundamente justas. Cuidas para que não se confunda a compreensão desse
fantástico fenômeno.
Como sempre, manifestações de caráter
aparentemente espontâneo carregam elementos fortes e contraditórios, que
espantam e amedrontam um olhar despido de boa vontade e de justiça.
Digo aparentemente espontâneo
porque quando a Globo, a Veja e outros órgãos da mídia dominante estimulam e
fazem de um movimento desses verdadeiro espetáculo, acaba a espontaneidade para
virar manipulação. Isso aconteceu.
É preciso perceber que grupos
fascistas, golpistas, direitistas e até marginais atuaram fortemente nesse
movimento. Não se deve honestamente afirmar que o povo queria a violência ou a
derrubada de certa situação através de vandalismos e de crimes contra pessoas e
patrimônios. Nosso povo não age assim. Nisso não há nada de espontâneo.
Há quem pregue subversão nociva
de direita contra partidos, principalmente os de esquerda, sindicatos, centrais
sindicais e movimentos sociais. Quem cometeu atrocidades ao rasgar bandeiras de
centrais sindicais e de partidos não foi o povo, mas galinhas verdes fascistas.
Por gentileza, sejamos honestos e não oportunistas!
O que o povo critica e devemos
criticar, mas com a perspectiva de mais avanços no sentido da participação do
povo na produção e das riquezas, é que os partidos e organizações sindicais
avancem e incluam o povo na luta e não se acomodem como vem acontecendo a
partir do momento da eleição do ex-presidente Lula. Não é admissível que os
partidos nada digam com o núcleo neoliberal do Governo Dilma e que as centrais
sindicais não mobilizem a classe trabalhadora e ajudem o empresariado realmente
nacionalista e desenvolvimentista com intenção social a avançar contra
privatizações de portos, aeroportos, concessões às multinacionais da exploração
e comercialização de petróleo, no carreamento dos recursos do Tesouro Nacional
para os juros que sangram nossos investimentos e outros grandes problemas nas
áreas da educação, da saúde, da habitação, dos alimentos, do lazer, da cultura
etc. Essa acomodação, nada clara aos “intelectuais” de plantão, é que deve ser
criticada e eliminada.
Numa visão progressista e não
atrasada, que favorece o golpe, centrada na Nação soberana, os partidos e
sindicatos devem ser acolhidos e estimulados a assumir seus papeis de
dirigentes deste processo. É evidente, minha amiga, que não defendo passividade
popular e submissão a caprichos sindicais e partidários. Pelo contrário, os
partidos, sindicatos, UNE, UBS, MST etc devem se subter ao conteúdo justo que
essencializa a busca de participação do povo e avançar. Quem conhece dirigentes
sindicais, estudantis, trabalhadores rurais, nos seus mais extremados
sacrifícios de entrega apaixonada à luta do povo, não é desonesto em confundi-los
com pelegos e traidores.
Um dos gritos a ser escutados a
partir das ruas, praças, campos e janelas é que o povo quando empurra o País às
mudanças fortalece seus aparelhos ideológicos, como as organizações populares e
ultrapassa o escurecido senso comum, manipulado pela direita e pelo golpe, que critica e torce por resultados miraculosos,
como critica e torce por jogadores de times de futebol: quando eles não jogam
são criticados e desmoralizados, mas quando, os mesmos, jogam e fazem graça são
logo absolvidos e carregados nos ombros. A luta pelas transformações são mais
sérias e profundas do que suor de jogador de futebol e suas torcidas.
Aqui posto o link que remete ao
Canal Ibase e à matéria de Camila Nobrega enviada de Bonn na Alemanha, sobre a
palestra do grande Noam Chomsky.
Contata quando quiseres, minha
amiga. Essa é hora rica para debatermos honestamente a conjuntura rica que nos
faz sentir a realidade. Fofocar e perseguir quem luta só aumenta a injustiça.
Abraços críticos e fraternos na
boa luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano,
farrapo e republicano.
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