Querida
amiga Elza Fonseca
Obrigado por teu imenso apoio ao ler, compartilhar e me incentivar
nos artigos que escrevo aqui no blog. Muita gente maravilhosa e generosa
participa do debate a que fazemos voz aqui.
Claro, há pessoas que não conseguem caminhar por dentro e
para trás dos textos. Movem-se a partir de opiniões da mídia dominante, em
fofocas e se jogam em ressentimentos sem diálogo e sem debate. Ainda ontem
visitei duas igrejas sérias para tratar de projetos da Ibrapaz que presido e
fui olhado por algumas pessoas pelos cantos ressentidos dos olhos. Outras
passaram por mim sem me cumprimentar, embora eu seja conhecido delas. Outras
boicotam projetos e se esforçam para sufocar a luta que a Ibrapaz representa.
Sábado produzi um artigo aqui intitulado
“Shoppings:
templos do terror e do consumo alienado” sobre as articulações poderosas e
discriminatórias dos donos dos shoppings. Usei uma figura forte para
classificar a iludida classe média, que tantos prejuízos causa historicamente
ao nosso País, ao apelidá-la de cadela adestrada da classe dominante e
atrasada. Muita gente despojada de entendimento ao invés de procurar entender o
significado da figura de linguagem que usei me atacou violentamente e, com isso,
confirmou a metáfora e a resignificou no sentido de que a dita classe média,
além de ser cadela adestrada, é raivosa e vira latas.
Pois bem, abri o site Fórum e li um depoimento doloroso do
Professor da USP, Dennis de Oliveira. Dennis confirma a falta de massa
encefálica no cérebro dos guardas dos shoppings e a alta dose de alienação e
preconceitos da dita classe média. Os dois unidos praticam violências das mais
traumáticas e ferinas para jovens que, como Dennis de Oliveira aos 20 anos, são
imensamente promissores e muito mais potenciais do que cérebros escurecidos
pela burrice ideológica. Nem mesmo os
santinhos de pau oco que louvam, pulam e dão dízimos se isentam da brutal carga
de ódio fundamentalista que cruza o chão social.
Convido-te a ler o belo artigo abaixo, rico em vida, dor e
protesto.
Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano.
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Sobre “rolezinhos” nos shoppings e a intolerância
19/01/2014 | Publicado por
Quando eu tinha 14 anos, eu e um amigo meu de escola fomos ao
Shopping Center Ibirapuera para procurar emprego. Estávamos, para nossos
padrões, com a nossa melhor roupa. Claro que a nossa ida ao shopping
não era motivada apenas pela necessidade de emprego, mas também tínhamos
intenção de passar por lá – fazer um “rolezinho”. O Shopping Ibirapuera
era, para nós, um lugar sofisticado, que a gente reservava para fazer
os passeios mais “chiques” – não comprávamos absolutamente nada (até
porque grana não havia), no limite íamos ao cinema quando dava ou
comíamos um lanchinho.
Era uma sexta feira, final da tarde, quando de repente um barulho
denunciava que alguém tinha soltado alguma bombinha (destas de festas
juninas) dentro do shopping. Uma mulher aparentando uns 30 anos nos viu e
cochichou ao vigilante. Atônitos, eu e meu colega fomos agarrados – um
em cada mão – pelo brutamontes que nos carregou até a sala da
vigilância, sem deixar de nos dar tapas na orelha. Lá na sala, disse que
a gente estava soltando bombinhas no shopping. Meu colega, assustado,
chorou e jurou que não éramos nós, que estávamos apenas procurando
emprego nas lojas. O chefe da segurança, usando toda a sua força de
“otoridade”, aos berros, mandou-o ficar quieto, enquanto que o vigilante
me desferiu um murro no peito que me fez cair sentado em um sofá. Bem,
as coisas rolaram um tempo, o chefe da segurança pegou nossos
documentos, fez um relato de ocorrência e fomos “convidados” a se
retirar do shopping. Um terceiro amigo que estava com a gente e não foi
levado, nos esperava lá fora e fomos embora.
Fiquei quase 20 anos sem entrar neste shopping. Neste período, aquele
menino que foi fichado como delinquente por estourar bombas no shopping
Ibirapuera, formou-se jornalista e é professor da USP. Este meu amigo
que estava comigo perdi o contato, mas tive informações que ele se
formou em comércio exterior, casou-se e está morando em Campinas com a
família. Não sei do infeliz vigilante que “cumprindo ordens” praticou
tal ato de agressão e discriminação (e provavelmente muitos outros), mas
talvez esteja sobrevivendo da aposentadoria do INSS de 2 ou 3 salários
mínimos que é a miséria que estes trabalhadores recebem. E o chefe que
dizia aos berros que era uma pessoa que usava a “inteligência e não a
violência” não deve estar muito além disso. Enquanto isso, aquela mulher
que se incomodou com a nossa presença no shopping provavelmente deve
ter filhos e filhas que hoje se incomodam quando os jovens da periferia
fazem os rolezinhos e aplaudem as decisões judiciais e as ações
repressivas de seguranças e policiais.
O que mudou de trinta anos atrás para agora? Trinta anos atrás, eu e
meu colega não vimos como reclamar daquilo e guardamos para nós mesmos
esta triste experiência – o único “protesto” que consegui fazer foi
boicotar este shopping por mais de vinte anos. E, hoje, os jovens dos
rolezinhos botam a boca no mundo. Conseguem apoio de entidades de
direitos civis, do movimento anti-racista, de personalidades políticas,
de intelectuais.
Não se trata de considerar os “rolezinhos” como movimentos políticos
ou não políticos. Isso é pura bobagem. O que estes fenômenos, assim como
os protestos contra homofobia, o machismo, a intolerância religiosa e
outros, apontam é que em uma sociedade democrática, justa e igualitária,
a existência de pessoas com esta mentalidade não fazem o menor sentido.
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