Atribui-se a Karl Marx esta frase pertinente: “só se fazem as
revoluções que se fazem”. Quer dizer, a revolução não configura um ato
subjetivo e voluntarista. Quando assim ocorre, é logo vencida por
imatura e falta de consistênica. A revolução acontece quando as
condições da realidade estão objetivamente maduras e simultaneamente
existe nos grupos humanos a vontade subjetiva de querê-la. Então ela
irrompe com chance, nem sempre garantida, de vencer e se consolidar.
Atualmente teríamos todas as condições objetivas para uma revolução.
Revolução é aqui tomada no seu sentido clássico como a mudança dos fins
gerais de uma sociedade que cria os meios adequados para alcançá-los, o
que implica a mudança nas estruturas sociais, jurídicas, econômicas e
espirituais desta sociedade.
Atualmente a degradação geral em quase todos os âmbitos, especialmente
na infra-estrutura natural que sustenta a vida é tão profunda que, em
si, se necessitaria de uma radical revolução. Do contrário, podemos
chegar tarde demais e assistir a catástrofes ecológico-sociais de
magnitude nunca antes vividas pela história humana.
Mas não existe ainda, nos “donos do poder” a consciência subjetiva desta
urgência. Nem a querem. Preferem manter seu poderio mesmo com o risco
de eles mesmos sucumbirem num eventual Armagedon. O Titanic está
afundando mas sua obsessão por ganhos é tão grande que continuam
comprando e vendendo joias como se nada estivesse acontecendo.
Geralmente as “revoluções” são feitas pelos poderosos que se antecipam
aos oprimidos, dizendo, como com frequência se pratica no
Brasil:”façamos nós a “revolução” antes que o povo a faça”. Naturalmente
não se trata de uma revolução, mas de um golpe de classe, usando, como
no caso da “revolução de 1964”as forças armadas para esse fim. Esses
vitoriosos tem seus acólitos que lhes cantam a loas, levantam-lhe
monumentos, dão nomes às ruas, pontes e praças aos golpistas, como ainda
persiste no Brasil.
A história dos vencidos raramente é feita. Sua memória é apagada. Mas às
vezes esta memória vem à tona como uma força denunciatória perigosa.
Foi mérito, por exemplo, do historiador mexicano Miguel León-Portilla de
narrar o “Reverso da Conquista” da América Latina pelos ibéricos. Ai
recolhe os testemunhos dramáticos e lancinantes das vítimas astecas,
mais e incas. Em português foi traduzido por “A conquista da América
Latina vista pelos Indios”(Vozes 1987). Vejamos apenas um testemunho
indígena por ocasião da tomada de Tlatelolco (próxima da capital
Tenochtlitlan, atual cidade do México). É simplesmente de chorar:
“Nos caminhos jazem dardos quebrados; os cabelos estão espalhados;
destelhadas as casas; incandecentes seus muros; vermes abundam por ruas
e praças e as paredes estão manchadas de miolos arrebentados; vermelhas
estão as águas, como se alguém as tivesse tingido; temos mastigado
grama salitrosa, pedaços de adobe, lagartixas, ratos e terra em pó e
mais os vermes”(León-Portilla, p. 41).
Tais tragédias nos colocam a questão nunca respondida satisfatoriamente:
tem sentido a história? Sentido para quem? Há todo tipo de
interpretações, das mais pessimistas que veem a história como a
sequência de guerras, assassiantos e matanças, até as mais otimistas,
como aquela dos iluministas que pensavam a história como um crescimento
na direção do progresso sem fim e de sociedades cada vez mais
civilizadas.
As duas grandes guerras mundias, a de 1914 e a de 1939, e as que se
seguiram após, vitimando cerca de 200 milhões pessoas, pulverizaram esse
otimismo. Hoje ninguém nos pode dizer em que direção caminhamos: nem os
sábios e santos Dalai Lama e o Papa Francisco. Mas os eventos se
sucedem com toda a sua ambiguidade, alguns esperançadores, outros
amedrontadores.
Filio-me à tradição judaico-cristã que afirma: a história só pode ser
pensada partir de dois princípios: o da negação do negativo e o do
cumprimento das promessas. A negação do negativo quer dizer: o
criminoso não vai triunfar sobre a vítima. O peso do negativo da
história não detém o sentido definitivo. Pelo contrário, o Criador
“enxugará toda lágrima dos olhos, a morte não existirá mais nem haverá
luto nem pranto, nem fadiga, porque tudo isso já passou”(Apocalipse
21,4).
O princípio do cumprimento das promessas sustenta:”eis que renovo todas
as coisas; haverá um novo céu e uma nova terra; Deus morará entre nós e
todos os povos serão povos de Deus”(Apocalipse 21, 5; 1 e 3). É a
esperança imorredoura da tradição bíblica que não desaparecia nem quando
judeus eram levados às câmaras nazistas de extermínio.
Com referência à situação atual reporto-me a uma frase de Walter
Benjamin, citada por um seu estudioso franco-brasileiro, Michael
Löwy:”Marx havia dito que as revoluções são a locomotiva da história
mundial. Mas talvez as coisas se apresentem de maneira completamente
diferente. É possível que as revoluções sejam o ato, pela humanidade que
viaja nesse trem, de puxar os freios de emergência”(Waler
Benjamin:aviso de incêncio, Boitempo 2005, p. 93-94). Nosso tempo é de
puxar os freios antes que o trem se arrebente no fim da linha.
Leonardo Boff escreveu Cuidar da Terra – proteger a vida: como escapar do fim do mundo,Record, Rio 2010.
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