Prezado Eduardo Natel
Pelo fato de o amigo ser sensível aos dramas humanos e por
morar aí em Santa Maria certamente envolveu-se profundamente com as mortes, dor
e luta dos familiares dos 242 jovens que morreram no incêndio da Boate Kiss.
Há um ano que essa cidade, o povo gaúcho e brasileiro sofre
com o luto e com o abandono que sente por parte das autoridades.
As notícias daí informam que os familiares dos mortos e
feridos lutam na justiça por reparo, julgamentos e até indenizações pelos danos
à vida.
As informações estampam a dor pela falta de punição dos
responsáveis pelo incêndio assassino e criminoso.
Chama à atenção a revolta dolorida que se transforma em luta.
Revolta e luta esbarram no tecnicismo positivista tacanho dos
promotores e do judiciário. O Ministério Público acusa as famílias de pedirem
caça as bruxas e que ele, o MP, se nega a tal, no sentido de que pessoas como o
Prefeito Cezar Schirmer e outras autoridades sejam incluídas sem provas de
compromisso com o crime.
Marcelo Dornelles, Subprocurador-geral de Justiça para
Assuntos Institucionais do MP-RS, chegou ao clímax da alienação ao afirmar que
trabalha tecnicamente as denúncias com provas e não se baseia na revolta e nos
sentimentos de quem se sente injustiçado pelo abandono do Estado.
Exatamente aí está o problema: esse promotor demonstra o que
todos os que não fazem justiça pensam: desprezam a revolta e os sentimentos
feridos, profundamente feridos pelas perdas e pelas manobras protecionistas de
responsáveis.
Revolta e sentimentos dos injustiçados não contam. Assim o
que destrói a justiça não vale nada para os meramente técnicos.
É esse raciocínio que guia as decisões contra o povo. Os
injustos gostam mesmo é de provas materiais. Daí matéria circunstancial é concepção
própria deles, menos o que dói e faz mal para as pessoas.
Na verdade, o que acontece em Santa Maria é mais profundo e
ultrapassa a visão mesquinha dessa filosofia do direito técnico e formal.
Os 242 jovens morreram em Santa Maria em virtude de
injustiças bem mais profundas e sérias do que provinhas de promotores e juízes
alienados.
Foram vítimas de políticas públicas paupérrimas que não visam
o bem estar no que respeita a qualidade e segurança do divertimento da
juventude.
A Boate Kiss, verdadeira caixa grande de gerar morte é a fotografia
da falta de respeito do Estado para com adolescentes e jovens. Os que se
divertem em outros locais semelhantes em todo o País amanhecem dançando e voltam
para casa no outro dia por pura sorte.
Isso é fato.
O outro fato é a necessidade de vermos que a luta dos
familiares das vítimas dos crimes da Kiss devem olhar com mais amplitude e
profundidade para as causas da injustiça que já matou seus jovens. Não somente
os familiares, mas todo o povo brasileiro deve perceber que o Estado brasileiro
continua assassino de crianças, adolescentes e jovens.
Ao permitir falta de investimentos em casas adequadas, em
segurança qualificada, em transporte, em permitir o lucro fácil em cima de
potenciais cadáveres o Estado em suas várias instâncias é injusto e criminoso.
Assim como o desenvolvimento avançou pouco em outras áreas
também fez quase nada pela juventude na sua carência de espaços e condições
para se divertir.
O prefeito Cezar Schirmir deve sim ser chamado à justiça. Ele
é naturalmente responsável. Conheço-o pessoalmente. Ele nunca fez nada pelo
povo gaúcho quando foi deputado estadual, federal e secretário de governo de
Pedro Simon. E não faz nada por Santa Maria como prefeito. Schirmer pertence a
um grupo político que apoiou Fernando Henrique Cardoso no desmonte e venda do
Brasil aos interesses imperialistas e ao neoliberalismo que arrasou o Rio
Grande do Sul com Yeda Crusius, a governadora corrupta que feriu o brio gaúcho.
A política de Schirmer na comuna santamariense é cosmética e não age
profundamente nas causas da miséria da justiça.
Porém, de modo organizado e pacífico os enlutados deveriam se
unir aos que lutam por justiça em profundidade. Seus sentimentos e revolta deveriam
empurrá-los para maior profundidade nas causas das mortes de seus amados
jovens.
Os jovens assassinados pelo lucro e pelo desprezo do Estado
na Boate Kiss sofreram as mesmas injustiças, resguardadas as devidas proporções,
que sofrem os jovens rolezinhos e das periferias, alvos de maus tratos e tiros
da polícia corrupta e militarizada, outra forma de queimar e de sufocar a vida
jovem.
A solução é a luta organizada e a pressão sem tréguas por justiça, mesmo que os medíocres aleguem
desprezo pela revolta e os sentimentos de quem sofre e é injustiçado.
Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano.
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