No dia 24 de setembro de 2013 morreu na aldeia dos indígenas
Tapirapé no Araguaia a Irmãnzinha de Jesus Genoveva. Dentro de poucos
dias faria 60 anos de inserção na vida daquela tribo que estava em
extinção. Ela e suas companheiras viveram uma experiência que o
antropólogo Darcy Ribeiro considerava uma das mais exemplares de toda a
história da antropologia: o encontro e convivência de alguém da cultura
branca com a cultura indígena.
Primeiramente publico o relato-testemunho de Canuto
que bem conhecia a vida e a obra da Irmã Genoveva. Depois republicarei
um artigo que escrevi ainda em 1992 quando a encontrei na prelazia de
São Felix do Araguaia. É uma pequena homenagem a esta extraordinária e
santa mulher que se identificou com os Tapirapé a ponto de parecer uma
verdadeira Tapirapé: Lboff
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Eis o testemunho, de Canuto, que bem sabe da vida e obra da Irmãzinha Genoveva:
Cheguei
hoje às 6:00 hs da manhã lá do Urubu Branco, onde estive para os
funerais de Irmãzinha Genoveva. Queria partilhar um pouquinho com vocês
do que vi e vivi.
Primeiro, as informações de como foi a morte dela.
Genoveva
na manhã da terça-feira, 24, estava bem disposta. Tinha amassado barro
para fazer não sei bem que conserto na casa. Almoçou tranquilamente com a
irmãzinha Odile. Estavam descansando quando se queixou de dores no
peito. Odile foi logo providenciar um carro para levá-la ao hospital de
Confresa. No caminho a respiração foi ficando mais difícil. Morreu antes
de chegar ao hospital.
De
volta à aldeia, consternação geral. Genoveva viu nascer quase 100%
dos Apyãwa (é assim que se autodenominavam os Tapirapé. Assim voltam a
se autodenomiar hoje), nestes 61 anos de vida partilhada.
Os Apyãwa fizeram questão de sepultá-la, segundo seus costumes, como se
mais uma Apyãwa tivesse morrido. Os cantos fúnebres, ritmados com os
passos se prolongaram por muito tempo, durante a noite e o dia seguinte.
Muitas lamentações e choros se ouviam.
Segundo o ritual Apyãwa, Genoveva foi enterrada dentro da casa onde morava.
A
cova foi aberta com todo o cuidado pelos Apyãwa, acompanhada de
cânticos rituais. A uma altura de uns 40 centímetro do chão foram
colocadas duas travessas, uma em cada ponta da cova. Nestas travessas
foi amarrada a rede que ficou na posição de uma rede estendida com quem
está dormindo. Por sobre as travessas foram colocadas tábuas. Por sobre
as tábuas é que foi colocada a terra. Toda a terra colocada foi
peneirada pelas mulheres, como é a tradição. No dia seguinte esta terra
foi molhada e moldada de tal forma que fica firme e espessa como a de
chão batido. Tudo acompanhado com cânticos rituais.
Em sua rede em que todos os dias dormia, Genoveva continua o sono eterno entre aqueles que escolheu para ser seu povo.
A
notícia da morte se espalhou pela região, pelo Brasil e pelo mundo.
Agentes de Pastoral da Prelazia de São Félix do Araguaia, os atuais e
alguns antigos, amigos e admiradores do trabalho das irmãzinhas foram
chegando para a despedida. A vice-presidenta do CIMI, irmã Emilia, com
os coordenadores do CIMI, de Cuiabá, chegaram depois de uma viagem de
mais de 1.100 kms quando o corpo já estava na cova, ainda coberto só com
as tábuas. Os Apyãwa as retiraram para que os que acabavam de chegar a
vissem pela última vez em sua rede.
Os
membros d equipe pastoral da Prelazia de São Félix do Araguaia, junto
com os outros não indígenas, entre os cânticos rituais dos Tapirapé,
foram entremeando cânticos e depoimentos da caminhada cristã de
Irmãzinha Genoveva.
Ao
final, o cacique falou que os Apyãwa estão todos muito tristes com a
morte da irmãzinha. Falando em português e tapirapé, ressaltou o
respeito como eles sempre foram tratados pelas irmãzinhas, durante estes
sessenta anos de convivência. Lembrou de que os Apyãwa devem sua
sobrevivência às irmãzinhas, pois quando elas chegaram, eles eram muito
poucos e hoje chegam a quase mil pessoas.
Plantada
em território Tapirapé está Genoveva, um momunento de coerência,
silêncio e humildade, de respeito e reconhecimento do diferente,
gritando como é possível, com ações simples e pequenas, salvar a vida de
todo um povo.
Valeu a pena ter ido lá nesta oportunidade.
Abraços a todas e todos
Canuto
Morreu a Irmã Genoveva, a parteira do povo Tapirapé
Via
de regra, a propagação do cristianismo se fez pela palavra do evangelho
no quadro de um projeto civilizatório e de uma forma de ser Igreja que
construiu edifícios religiosos e escolas. É o evangelho pelo caminho do
poder.
Mas nunca faltou na história outra tendência, vivida outrora por Francisco de Assis e por Bartolomé de las Casas, de acercar-se dos outros pelo caminho da convivência pacífica, sem palavras, fraterna e amorosa.
No mundo contemporâneo foi testemunhada
pelo Irmão Carlos de Foucauld que nos inícios do século XX foi ao meio
dos muçulmanos no deserto da Algéria, não para anunciar mas para
conviver com eles e acolher a diferença de sua cultura e de sua
religião. E nos dias atuais está sendo vivida, exemplarmente, pelas
seguidoras do Irmão Carlos, as Irmãzinhas de Jesus, entre os índios
Tapirapé no noroeste do Mato Grosso, próximo ao rio Araguaia. É o poder
do evangelho.
No
domingo passado, dia 17 de setembro de 2002 assisti a celebração do
cinquentenário da presença delas junto aos Tapirapé. Lá estava ainda a
pioneira, a Irmãzinha Genoveva que em outubro de 1952
começou sua convivência com a tribo. De manhã, com o bispo Pedro
Casaldáliga, advogado e defensor dos índios, se lançou um livro de
extraordinário valor: O renascer do povo Tapirapé: diário
das Irmãzinhas de Jesus de Charles de Foucauld, 1952-1953(Editora
Salesiana, SP, 2002), belíssimamente ilustrado para estar à altura da refinada estética dos Tapirapé.
Como
elas chegaram lá? As Irmãzinhas souberam através dos frades dominicanos
franceses que missionavam em terras do Araguaia, que os Tapirapé
estavam em extinção. Dos 1500 de antigamente foram reduzidos a 47 por
causa incursões dos Kayapó, das enfermidades dos brancos e da falta de
mulheres. No espírito do Irmão Carlos, de ir para conviver e não para
converter, decidiram unir-se à agonia de um povo.
À sua chegada, a
Irmãzinha Genoveva ouviu do cacique Marcos:”Os Tapirapé vão
desaparecer. Os brancos vão acabar conosco. Terra vale, caça vale, peixe
vale. Só índio não vale nada”. E eles haviam internalizado que não
valiam nada mesmo e que estavam condenados inexoravelmente a
desaparecer.
Elas
foram junto a eles e pediram hospedagem. Começaram viver com eles o
evangelho da fraternidade na roça, na luta pela mandioca de cada dia, no
aprendizado da língua e no incentivo a tudo o que era deles, inclusive a
religião, num percurso solidário e sem retorno. Com o tempo foram incorporadas como membros da tribo.
A autoestima deles voltou. Graças à mediação delas, conseguiram que mulheres Karajá se casassem com homens Tapirapé e assim garantissem a multiplicação do povo. De 47 passaram hoje a 520. Em 50 anos, elas não converteram sequer um membro da tribo. Mas conseguiram muito mais: fizeram-se parteiras de um povo, à luz daquele que entendeu sua missão de “trazer vida e vida em abundância”.
A autoestima deles voltou. Graças à mediação delas, conseguiram que mulheres Karajá se casassem com homens Tapirapé e assim garantissem a multiplicação do povo. De 47 passaram hoje a 520. Em 50 anos, elas não converteram sequer um membro da tribo. Mas conseguiram muito mais: fizeram-se parteiras de um povo, à luz daquele que entendeu sua missão de “trazer vida e vida em abundância”.
Quando
vi o rosto de uma india Tapirapé e o rosto envelhecido da Irmãzinha
Genoveva notei: se tivesse tingido de tucum seus cabelos brancos, ela
seria tida por uma perfeita mulher Tapirapé. Realizou, de fato, a
profecia da Fundadora:”As Irmãzinhas se farão Tapirapé, para daqui, irem
aos outros e amá-los, mas serão sempre
Tapirapé”. Não é por ai que deverá seguir o Cristianismo, se quiser ter
futuro num mundo globalizado? O evangelho sem poder?
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