Hipocrisia da classe média
Representantes de movimentos sociais denunciam que
falsas vozes podem prejudicar atos autênticos
Jornal
do Brasil Claudia Freitas
A “força das ruas” levou jovens ativistas ao
gabinete da presidente Dilma Rousseff e de seus ministros, numa conquista sem
igual de credibilidade e respeito da juventude. Mas, assim como surgiram os
vândalos em meio aos atos pacíficos, figuras isoladas tentaram penetrar nesse
processo legítimo de comunicação e acordos entre movimentos juvenis e Congresso
Nacional, denominando-se líderes únicos de atos caracterizados por sua
multiplicidade. O combate à corrupção foi a bandeira dos supostos líderes. O
caso mais recente é do técnico de segurança do trabalho, Maycon Freitas, da
União Contra a Corrupção (UCC), uma rede social criada no dia 11 de maio e que
é alvo de desconfiança das organizações oficiais.
Freitas, que assumiu na imprensa a posição de
“Líder das Massas”, admite ter votado no Lula para presidente nas eleições de
2002, mas depois se desiludiu com o PT, “porque abandonou a bandeira da ética,
que era deles”; não é a favor dos partidos políticos, “pois são grupos fechados
que só servem para os políticos formarem conluios bem longe da vontade do povo”
e justifica a sua participação nas manifestações por ele e seus amigos “estarem
cansados de tantas histórias de corrupção”. Freitas diz que seu grupo “não é de
direita, de esquerda e nem de centro”.
Representantes de movimentos jovens se reuniram na
semana passada com a presidenta Dilma Rousseff
EQUÍVOCO
Para o sociólogo e cientista político da UFRJ,
Paulo Baía, é impossível eleger um único líder em protestos múltiplos e de
pautas que podem representar linhas de pensamento contrárias, como o aborto e a
legalização da maconha, por exemplo.
- As atuais manifestações têm um diferencial que é
o ponto chave de todo o processo, elas têm centenas de líderes espalhados por
todo o Brasil, que estão defendendo temas específicos e muitos deles
antagônicos. Considerando esse fato, é impossível nomear um líder único para
representar as multidões que estão nas ruas, isso é um absurdo. O que podemos
observar é que quando um jovem faz um pronunciamento, os demais se identificam
com o sentimento dele, mas isso é algo diferente de liderança, não representa
que haja ali uma unidade. Considerar o Maycon líder dos manifestos é um
equívoco e, com certeza, isso vai provocar uma rejeição à sua imagem por parte
das massas, avalia Baía.
Segundo o sociólogo, o erro daqueles que estão
tentando criar líderes momentâneos para transmitir mensagens em meio aos
protestos, reside na incompreensão dos reais motivos dos atos e ainda estão
amparados em parâmetros ultrapassados para analisar os fatos recentes. “Até
nós, professores universitários, os governantes e a própria população ainda
estamos procurando entender o que está acontecendo no Brasil, é algo muito
novo, transformador. Inclusive, os parlamentares estão apreensivos com essa
situação, pois não conseguem identificar um líder, uma unidade, mas estão
aprendendo a conviver e lidar com a multiplicidade de reivindicações e classes
protestantes”, completou Baía.
DESCONHECIDO
Presidente do Conselho Nacional da Juventude,
Alessandro Melchior participou das reuniões com a presidente Dilma Rousseff, em
Brasília, e com o ex-presidente Lula, em São Paulo e afirma não conhecer Maycon
Freitas, nem dos encontros oficiais e nem das manifestações.
- Nunca ouvi falar de Maycon Freitas. Além do MPL
(Movimento Passe Livre), as organizações que fazem parte do Conselho Nacional
de Juventude estavam desde o início das manifestações em São Paulo, isso está
nas notas e manifestos que foram lançados no início dos atos, tudo disponível
na rede. Se você perguntar para qualquer pessoa ninguém conhece esse cara. Essa
turma precisava sair do Higienópolis e do Leblon, andar de ônibus, conhecer o
Capão Redondo em São Paulo, a Maré e o Alemão, no Rio. Ler um pouco, inclusive.
Sempre digo que instrução e realidade não fazem mal a ninguém, revelou
Melchior.
Com relação ao perfil da UCC na internet, Melchior
considerou como “mais uma dessas redes virtuais de jovens brancos de classe
média-alta, com excesso de tempo livre e com tendências neofascistas”. Melchior
chegou a essa conclusão através dos discursos da UCC, que segundo ele são “superficiais
e as denúncias são sensacionalistas, sobre golpe comunista no Brasil”.
- É toda a reprodução do discurso da direita hoje.
Quando ele critica o Renan Calheiros, por exemplo, ele representa a
instituição, a própria existência do Senado. Antes dele tivemos o Sarney, o
ACM, o Jader Barbalho. Personificar o problema é sinônimo de falta de
capacidade de analisar o contexto. O bicameralismo, a lógica de uma câmara
alta, dos lordes, isso é anacrônico. Portanto, a crítica ao Renan é uma crítica
sensacionalista, que não leva a lugar nenhum, avalia o presidente do conselho.
Buscando as motivações que desencadearam os
protestos, Melchior lembra que eles surgiram em defesa da melhoria do
transporte público e pela redução dos preços das passagens. Mais tarde, caminharam
para a ampliação de direitos sociais, ainda incluindo uma crítica do transporte
público como um direito e não como serviço, como acontece hoje. Evoluindo as
discussões sobre os atos, somente nesse momento foi incluída a pauta de combate
à corrupção.
- E essa pauta do combate à corrupção foi
incorporada de forma torta, porque dizer que é contra corrupção todo mundo diz.
O problema é o foco, a proposta. Aí a capacidade de incidência reduz, pois o
senso comum impera. No Brasil, se criou paulatinamente um discurso de vincular
a corrupção ao público e à política, ignorando os bastidores, as empresas, o
mercado. Quase todos os casos de corrupção no país têm uma relação direta com
setores empresariais que financiam as campanhas. Acabar com o investimento
privado é o primeiro passo, sem isso, fica no blá blá blád e militante coxinha,
ponderou Melchior.
CONTRADIÇÃO
Repercutindo as declarações de Maycon na imprensa,
Alessandro Melchior acredita que Freitas se contradiz nas suas colocações, pois
ele cita a criação de hospitais, como se o problema fosse somente de
equipamentos públicos e redução de impostos.
- Quem vai financiar isso com a redução dos
impostos? Não há embasamento concreto. O Brasil possui menos médicos por
habitantes que a Argentina. Isso é problema concreto que se resolve a médio
prazo, com mais vagas de medicina nas universidades e, agora, com a importação
de profissionais estrangeiros, como já estamos fazendo em várias áreas. O
próprio PSDB e o Serra eram favoráveis quando estavam no Ministério da Saúde.
Agora, são contra. Na reforma política, a página da UCC fala que o plebiscito é
golpe. Eles atacam o Congresso, desqualificando a política e defendem que esse
mesmo Congresso faça a reforma política e o povo assine embaixo por referendo
depois? É um problema de organização do discurso e capacidade cognitiva, é
basicamente o que fica explícito nessa entrevista, analise o presidente da CNJ.
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