Querido Vereador Werner
Soube de teu empenho aí na nossa Santa Maria do Boqueirão, onde 241
pessoas morreram vítimas de um sistema de diversão distorcido, inseguro e
centrado no lucro, mais no lucro do que nas vidas e na alegria das pessoas. Até
o mesmo o Papa Francisco mencionou essa tragédia da boate Kiss à nossa
Presidenta Dilma.
Este evento triste tornou Santa Maria o centro das
atenções de todo o Brasil e do mundo por tratar-se da eliminação de vidas
jovens, mas um dos fatores que tornou esse incêndio presente na mídia foi o
fato de a maioria de suas vítimas serem estudantes de uma das maiores
universidades federais do Brasil. Graças a pressões de estudantes e professores universitários, muito combativos, como sempre foram, a mídia e os poderes públicos são forçados a movimentar-se na prestação de contas à justiça.
Porém, para mim, o que aconteceu aí em Santa Maria não é menos doloroso
do que as tragédias anunciadas do Rio de Janeiro, que mataram 28 pessoas até
agora, inclusive um rapaz que tudo fazia na vida para salvar seu próximo. Os
morros do Rio, as zonas ribeirinhas de outros municípios do País, as favelas de
São Paulo, de Belo Horizonte, de Porto Alegre e as periferias de Goiânia, são
sempre atingidas pelo abandono e são armadilhas permanentemente produtoras de
morte, inclusive de crianças e de jovens. As causas têm pontos de toque com o
incêndio da boate Kiss: o que importa é a fome de lucros. Os moradores dos
morros e periferias são expulsos dos campos cujas terras foram engolidas pelo
latifúndio e pelos grandes proprietários, inclusive estrangeiros. Empurrados
para a miséria, para a pobreza, para o desemprego, para a marginalização, para
as doenças, para as drogas restou aos pobres a moradia nos morros e periferias,
onde sofrem todos os tipos de agressões, de explorações e dos desarranjos causados
pelas chuvas e enchentes, fenômenos naturais que para eles representam o
inferno destruidor.
É evidente que melhorou a situação econômica para os pobres nos governos
Lula e Dilma. Mas as condições justas de moradia e de vida qualificada ainda
estão muito distantes de milhões de brasileiros. Há muito que fazer. Embora
muitos digam isso, na verdade os programas sociais Minha Casa Minha Vida, Bolsa
Família e ouros ainda não alcançaram o status de justiça social necessário. Os
governadores dos Estados mais atingidos pelas chuvas e pelas enchentes não se
lembram do povo antes das tragédias causadas por esses fenômenos. Sua visão
social não atingiu a consciência necessária para resolver em profundidade a
situação de nossos irmãos. As vultosas verbas destinadas a projetos de
reestruturação habitacional e infra estrutural perdem-se pelos escaninhos da
corrupção, da burocracia, da pobreza de consciência de justiça social e da
falta de respeito ao povo. O lucro prioriza os orçamentos e os investimentos. O
povo sempre à espera de migalhas.
As notícias dão conta de 31 mortos no Rio de Janeiro. Isso é falso:
quantos morreram nos anos anteriores? Quantos morreram em São Paulo, em Porto
Alegre, em Belo Horizonte, em Goiânia, em Maceió e em todos os lugares?
Sem ser sarcástico e desrespeitoso, mas é bom que se afirme que a dor
que dilacera os corações das famílias das vítimas da boate de Santa Maria não é
maior do que a dor dos pobres, das famílias cujos filhos, maridos, pais, mães,
trabalhadores, trabalhadoras, noras, genros, sogros, sogras, morreram tragados
por lamas, água, enchentes e morros.
A mídia, principalmente a televisiva, é de um cinismo vergonhoso: ao
noticiar a boate Kiss seus repórteres e âncoras mostram dor em seus rostos,
porém ao transmitir as vítimas das chuvas e enchentes enfiam-se de capas, de
botas de borracha e de guarda chuvas em meio às águas para dramatizar a
situação, mas não denunciam ninguém nem propõem solução.
É muito triste e feio quando a dor do próximo vira espetáculo de
audiência e não desafios políticos, sociais e econômicos. A verdade é que tanto
os 241 como os pretensos 31 mortos trazem dor e revolta nas pessoas, basta que
se escute. Para resolver as causas há que se sentir com o coração e lutar com a consciência. É bom que se diga que jovens mortos semanalmente no Brasil são milhares, graças a falta de políticas públicas para a educação, para a segurança e para a diversão. São muito mais do que os 241 da tragédia gaúcha, que anonimamente tombam e seus gritos são abafados porque são pobres, inclusive sem contar com entidades que pressionem e gritem por suas causas e na defesa de suas famílias.
Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz.
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