Querida Irmã Rafaela
Tenho saudades de ti, guria! Recordo de nossas conversas lá em
Uruguaiana, das longas prosas enquanto tomávamos chimarrão e me contavas de tua
viagem à Itália e sobre as impressões do grande Papa Paulo VI, um cristão comprometido
com as teses do Vaticano II.
Lembrei muito de ti ontem quando, diante da TV aqui de casa, me
emocionei com a imagem do novo Papa. Alegrei-me ao vê-lo latinoamericano,
argentino dos nossos Pampas, da Pátria de Chê Guevara e do Continente de Hugo
Chávez, o presidente dos pobres na Venezuela. Quando vi seu rosto sobre o balcão
do Vaticano na Praça São Pedro, vestindo a batina alva dos Papas e com solidéo
dos bispos me lembrei de Dom Helder, de Dom Ivo, de Dom Aluisio, de Dom Pedro
Cassaldáliga, de Dom Paulo Arns, de Dom Thomaz Balduíno, de Dom Romero, de
tantos bispos, cardeais e cristãos comprometidos com o evangelho da justiça e
me emocionei, chorei copiosamente.
Lembras, mesmo depois de tantos anos, que uma coisa que não sei ser é
hipócrita, mentiroso ou conivente com sistemas opressores. Portanto, mesmo
descrente dos cardeais conservadores e enroscados no neoliberalismo, a grande
maioria nomeada por João Paulo II e Bento XVI, papas altamente enraizados no
conservadorismo e na direita pró imperialista que, em última análise, são os
eleitores que “elegem” o papa, guardava certa esperança de que o Espírito Santo
conseguisse “arrombar” o Colégio Cardinalício e escolhesse o sucessor do
mentalmente obsoleto Bento XVI. Há que sermos honestos: os católicos não
romanos, até mesmo evangélicos, judeus, mulçumanos e budistas têm interesse na
eleição do Papa. Por isso, sem medo de errar, é possível afirmar que o mundo
todo aguardava ontem a notícia sobre quem seria o novo Papa.
Porém, nos minutos seguintes à fala do Papa Francisco fui tomado de
desconfiança e de certa amargura que somente a decepção coloca em nossa garganta.
Suspeitei do entusiasmo da mídia colonizada, dos padres e bispos que faziam os
comentários durante as transmissões diretamente
da Praça São Pedro. Minha intuição que
captava a má impressão uniu-se à minha razão, plena de criticidade, para me “dizer”
que minha tristeza continha aspectos de verdade.
Corri para as redes sociais em busca de informações do Cardeal
argentino, País vitorioso que derrotou a ditadura militar mais sanguinária da América
Latina. Meu Deus, rapidamente minha decepção cresceu. As notícias escancaram
uma biografia contraditória do Cardeal Bergoglio. Por um lado, sua história
eiva-se de sangue em face da ditadura sanguinária, como conta a postagem de
João Peres, da Rede Brasil Atual, aqui abaixo no blog. Consta que tenha facilitado a prisão e bárbaras torturas de dois
padres jesuítas, da ordem que ele presidia. As notícias sobre esse fato evidenciam
que Bergoglio desprotegeu os padres envolvidos com os pobres e com a luta pela
derrubada da ditadura. Seu currículo ainda é tingido de sangue de bebês seqüestrados,
alguns torturados e mortos à frente de seus pais presos como fator de pressão
para que confessassem seus engajamentos na oposição à ditadura. O Cardeal feito
Papa, no mínimo teria se omitido de levantar a voz profética e crítica contra
os ditadores, demonstrando conivência e leniência com o banditismo estatal e
sangrento. Outra mancha, esta denunciada pelo site Wikileaks, é a de que os
Estados Unidos viam com simpatia o Cardeal argentino, ontem eleito Papa, como poderoso
representante da oposição aos Kirchner, uma frente composta de direitistas e
grandes proprietários rurais, que se punham a Nestor e Cristina, eleitos pelo
povo argentino, sem golpes, para recuperar o Estado das mãos da direita
neoliberal e imperialista. Ora, isso é ruim, é mau sinal e indicativo de que mais
uma vez o imperialismo estadunidense influencia na eleição do Papa e expulsão
de Jesus do conclave no Vaticano, como escreveu Leonardo Boff em artigo que postei aqui.
Por outro lado, boas novas vêm da Argentina. Dão conta de que Bergoglio
é um homem muito simples. De que andava de metrô e de ônibus, de que morava num
apartamento simples e de que fazia sua própria comida, de que gostava de
visitar os pobres nas favelas, numa surpreendente marca demonstrada pelo nome
que escolheu para si: Francisco. As notícias dão a entender que Bergoglio não é
dado aos prazeres imperiais romanos, muito próprios da Cúria dominante no
Vaticano.
Portanto, Rafinha, o mundo ainda não sabe que linha seguirá o Papa
Francisco. Será um amordaçado pela cúria romana reacionária, moralista, farisaica,
apegada a dogmas moralistas mofadas de sangue, que servem aos poderosos e
alegram os imperialistas que faliram os países pobres e quebrara a Europa? Ou
se orientará pela linha libertária e luminosa que emerge da luta revolucionária
que travamos na oprimida América Latina, onde ainda é velado o libertário Hugo
Chávez? A que pressões será obediente: a Jesus de Nazaré que sofre os golpes do
imperialismo que mata palestinos, lartinoamericanos, africanos, asiáticos e
incendeia o mundo com suas guerras de dominação ou à direita carcomida e
apodrecida que domina o Vaticano de hoje?
Vi, minha querida irmã Rafaela, nas redes sociais muitas manifestações
ingênuas. Há quem sinta seus corações saindo pela boca de emoção pela eleição
de Bergoglio pelo fato de ele originar-se de um Continente sofrido e pobre. Há
patriotadas que beiram a ignorância e a escuridão provocada pela alienação, que
impossibilitam a análise reveladora da verdade.
Eu aqui, um trabalhador da educação e militante da justiça e da paz,
confesso que não me iludo com amostras enganosas. É certo que o Papa Francisco
se orientará por um dos dois pólos que o tencionam: será um reacionário
moralista ao gosto da cúria vaticana atual ou se deixará ventilar pelo sopro
dos oprimidos que debatem pela libertação do tacão neoliberal e imperialista. Neste
Continente já sofremos de muitos golpes dados pelos que sinalizaram seguir
pelos indicativos de suas raízes, mas que se deixaram empurrar pelas vaidades e
pelas pressões dos poderosos. Barak Obama provocou lágrimas no defensor dos
direitos civis dos negros, pastor Jesse Jakson, quando se elegeu Presidente dos
Estados Unidos. Mas revelou-se um traidor dos negros, dos pobres e da paz. É um
aplicador da política belicista e terrorista de seu antecessor e louco George
Buch. Joaquim Barbosa, aqui no Brasil, foi escolhido pelo Presidente Lula para
representar no Supremo Tribunal Federal a causa dos negros e dos oprimidos.
Mostrou-se o contrário ao inventar resultados para condenações sem provas no
aludido “mensalão”, traindo a causa dos pobres e negros, com o objetivo da
saciar a sede da Globo e do PIG por derrubar o que o povo constrói.
Sinceramente, espero ansiosamente que o Papa Francisco seja cristão e
seguidor de Jesus e que não dê vazão aos porões obscuros de sua biografia. Se Francisco seguir Jesus e canalizar os clamores
da Mães da Praça de Maio e dos favelados seus amigos de Buenos Ayres ajudará
nossos povos oprimidos a derrotar o imperialismo opressor e assassino. Mas, se
seguir o racionalismo do mundo central e dominador, representado pelo apoio que
deu à ditadura argentina e na oposição a Cristina Kirchner, será uma decepção e
derrota do povo para cedê-la aos seus inimigos mais poderosos e demolidores da
justiça social.
Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano.
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