Querido irmão Josinaldo da Silva
Deparei-me
surpreso com teu testemunho como primeiro médico indígena. Sinceramente
imaginava que havia médicos de teu povo indígena antes de ti. É incrível o montante
da discriminação e exclusão que ainda vivemos no Brasil.
Quando
falaste dos teus sonhos e das dificuldades para realizá-los, até mesmo porque
as pessoas brancas não acreditam que vocês são capazes, senti que também
falavas por mim. A notícia abaixo, que muitos lerão, é entremeada com teu
depoimento rico na contradição do que sentias como vocação e sonho de fazer
medicina e as travas que muitos colocaram em teus pés e nos teus caminhos. Somente
com teu esforço alcançado pela Universidade Nacional de Brasília, fundada pelo
não menos sonhador Darci Ribeiro, conseguiste, apesar de enorme solidão e isolamento
de tuas raízes culturais, alcançar a tão sonhada medicina.
É assim
mesmo Josinaldo. Quando os humildes se sentem arrastados por sonhos de servir seu
povo não faltam os pregoeiros do impossível para tentar desanimar e destruir as
esperanças. Incrível que gente que lutou e venceu quando chega onde queria,
bandeia para o lado dos travadores de sonhos, esfriam seus corações e negam
forças aos que lutam. Suas desculpas passam a ser as mesmas dos iludidores: “está
bem, verei o que posso fazer; “certo, converso com o pessoal e depois te dou
uma resposta”; “não posso fazer nada agora, passa aqui depois”; “ah, não sei
não, acho que isso não dará certo” e daí vai o mundão de desculpas que os
escorregadores dão para tentar matar os sonhos dos que eles imaginam enlouquecidos
de coisas impossíveis.
Estás
certo, dr. Josinaldo da Silva, meu irmão indígena. Ainda bem que não
emprestaste teus ouvidos aos agourentos. Foste em frente. Chegaste à medicina e
sonhas com ela servir ao teu povo, bem diferente da burguesia que quando faz
medicina ambiciona riquezas e acomodação. Quando formados os médicos estancam nas capitais em busca
de servir-se das doenças do próximo para enriquecer, assossiando-se à máfia da saúde - melhor dizendo, da máfia dos assassinos e vampiros da saúde. Parabéns por tua
inteligência social e cultural. Teu testemunho me encheu de esperança e de
alegria.
Abraços
críticos e fraternos na incessante luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano.
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26 de Fevereiro de 2013
Primeiro médico indígena formado trabalhará para seu povo
A 85ª turma de Medicina da UnB marcou um feito inédito: entre os novos médicos estava o primeiro a ser formado pelo vestibular indígena. Josinaldo da Silva, representante da tribo Atikum, no sertão pernambucano, é o símbolo de um projeto de diversidade promovido pela UnB nos últimos dez anos. Engajado com a causa de seu povo, Josinaldo pretende usar o conhecimento adquirido na UnB no programa Saúde da Família, que leva saúde diretamente às comunidades.
Josinaldo da Silva, primeiro médico indígena a se formar no Brasil pelo sistema de cotas
No depoimento concedido à UnB Agência,
ele conta que sonhava em ser médico desde que começou a trabalhar como
agente de saúde, aos 22 anos, mas a falta de opções em sua região fez
com que ele estudasse Matemática. Foi a criação do vestibular específico
para indígenas na UnB que possibilitou a realização de um sonho. “As
informações são mais difíceis na aldeia. Um grupo de colegas veio à
capital em 2005 e descobriu as cotas”, conta. Me interessei de imediato.
Com o curso de Medicina, poderia contribuir mais com a minha aldeia”.
Leia abaixo trechos do depoimento de Josinaldo.
Chegada a Brasília
Confesso que quando passei, não acreditei. A ficha demorou um pouco a cair. Foi no início de 2006. Vim com uma colega e aqui me reuni com um grupo de indígenas de outros cursos. Éramos 13 cotistas ao todo: além da Medicina, havia estudantes de Enfermagem, Nutrição, Biologia e Farmácia. Foi muito difícil no início. Precisamos pagar um aluguel caro, não tínhamos referências, conhecidos, ninguém que se dispusesse a ser fiador. Além disso, tínhamos uma bolsa de R$ 900. Todo mundo sabe que isso é pouco para a cidade. Nossa salvação foi a Dona Socorro, que nos acolheu na 706 Norte e agiu como um anjo. Era paciente e compreensiva, nos apoiava quando a bolsa atrasava e sempre negociava os pagamentos.
A adaptação na cidade
Eu preciso ser sincero. Estou aqui desde 2006, mas nunca me adaptei. Acho que nunca vou me adaptar. Brasília é agradável, tem um ambiente gostoso, é uma cidade tranquila, mas é muito fechada. Eu estranho ainda viver num apartamento. A gente que é do mato sempre sente falta da natureza. É o nosso mundo, sabe?
Primeiras impressões da UnB
Foi outro momento difícil, pois tudo é estranho. A gente não conhece ninguém, não tem amigos. Acaba que passei, como outros colegas indígenas, muitos momentos de isolamento. E existe o preconceito, que ninguém admite, mas acontece. Quando era apresentado, a reação era sempre a mesma: “Você é índio, que legal, como é a vida lá na aldeia?”. Mas na hora dos trabalhos de grupo, nas conversas do intervalo, ficava sempre de lado ou por último.
O preconceito
Eu mesmo nunca ouvi, mas alguns colegas me relataram casos de professores que reclamavam por dar aulas para índios. Alguns colegas reagiram escondendo que eram cotistas. Com o perdão da expressão, acho isso uma sacanagem. Tem que enfrentar o preconceito, senão não supera a barreira. Temos de firmar o compromisso com nosso povo. E se começa uma conversa estranha, atravessada, eu corto na hora. Não permito prosperar.
Apoio de colegas e professores
É verdade que eu fiz poucos amigos. Mas esses são verdadeiros. Eles me ajudaram a transpor várias barreiras, me apoiaram no início, ajudaram nos estudos durante os primeiros semestres, quando precisei me adaptar ao ritmo da Universidade, a compreender bem toda a teoria que a medicina tem. O conhecimento nas aldeias é muito prático. A gente sabe que a coisa funciona, mas não sabe como. Na UnB é diferente, precisei estudar muito e o apoio dos colegas foi fundamental.
Alguns professores também são inesquecíveis. A Yolanda Galindo Pacheco e a Jussara Rocha Ferreira, da Anatomia, além de excelentes mestras, vestiam a camisa do grupo, defendiam as cotas e os cotistas. Elas apoiaram muito a nossa causa. Punham a mão no fogo pela gente. O professor Carlos Eduardo Tosta também foi importante, ele tinha uma sensibilidade, que eu chamaria de espiritual, e muito respeito pela tradições indígenas.
O futuro imediato
Agora estou lutando pela Residência. Não é fácil, mas tenho fé que tudo dará certo. Estou disputando uma vaga lá no Hospital de Planaltina. Quero seguir o caminho da Saúde da Família, é o que mais pode contribuir com a minha comunidade.
Meu objetivo é voltar pra aldeia tão logo termine a formação. É um acordo que faz parte do convênio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), mas é mais do que isso, é um compromisso meu com o meu povo, com os Atikum, minha origem e minha razão de estudar. O índio é o que pode cuidar melhor da saúde do índio, compreende os costumes, conhece a tradição. Um índio tem todas as condições de cuidar de uma tribo, reunindo o saber da universidade com o saber tradicional. É esse o meu objetivo.
Fonte: Assessoria da UnB
Chegada a Brasília
Confesso que quando passei, não acreditei. A ficha demorou um pouco a cair. Foi no início de 2006. Vim com uma colega e aqui me reuni com um grupo de indígenas de outros cursos. Éramos 13 cotistas ao todo: além da Medicina, havia estudantes de Enfermagem, Nutrição, Biologia e Farmácia. Foi muito difícil no início. Precisamos pagar um aluguel caro, não tínhamos referências, conhecidos, ninguém que se dispusesse a ser fiador. Além disso, tínhamos uma bolsa de R$ 900. Todo mundo sabe que isso é pouco para a cidade. Nossa salvação foi a Dona Socorro, que nos acolheu na 706 Norte e agiu como um anjo. Era paciente e compreensiva, nos apoiava quando a bolsa atrasava e sempre negociava os pagamentos.
A adaptação na cidade
Eu preciso ser sincero. Estou aqui desde 2006, mas nunca me adaptei. Acho que nunca vou me adaptar. Brasília é agradável, tem um ambiente gostoso, é uma cidade tranquila, mas é muito fechada. Eu estranho ainda viver num apartamento. A gente que é do mato sempre sente falta da natureza. É o nosso mundo, sabe?
Primeiras impressões da UnB
Foi outro momento difícil, pois tudo é estranho. A gente não conhece ninguém, não tem amigos. Acaba que passei, como outros colegas indígenas, muitos momentos de isolamento. E existe o preconceito, que ninguém admite, mas acontece. Quando era apresentado, a reação era sempre a mesma: “Você é índio, que legal, como é a vida lá na aldeia?”. Mas na hora dos trabalhos de grupo, nas conversas do intervalo, ficava sempre de lado ou por último.
O preconceito
Eu mesmo nunca ouvi, mas alguns colegas me relataram casos de professores que reclamavam por dar aulas para índios. Alguns colegas reagiram escondendo que eram cotistas. Com o perdão da expressão, acho isso uma sacanagem. Tem que enfrentar o preconceito, senão não supera a barreira. Temos de firmar o compromisso com nosso povo. E se começa uma conversa estranha, atravessada, eu corto na hora. Não permito prosperar.
Apoio de colegas e professores
É verdade que eu fiz poucos amigos. Mas esses são verdadeiros. Eles me ajudaram a transpor várias barreiras, me apoiaram no início, ajudaram nos estudos durante os primeiros semestres, quando precisei me adaptar ao ritmo da Universidade, a compreender bem toda a teoria que a medicina tem. O conhecimento nas aldeias é muito prático. A gente sabe que a coisa funciona, mas não sabe como. Na UnB é diferente, precisei estudar muito e o apoio dos colegas foi fundamental.
Alguns professores também são inesquecíveis. A Yolanda Galindo Pacheco e a Jussara Rocha Ferreira, da Anatomia, além de excelentes mestras, vestiam a camisa do grupo, defendiam as cotas e os cotistas. Elas apoiaram muito a nossa causa. Punham a mão no fogo pela gente. O professor Carlos Eduardo Tosta também foi importante, ele tinha uma sensibilidade, que eu chamaria de espiritual, e muito respeito pela tradições indígenas.
O futuro imediato
Agora estou lutando pela Residência. Não é fácil, mas tenho fé que tudo dará certo. Estou disputando uma vaga lá no Hospital de Planaltina. Quero seguir o caminho da Saúde da Família, é o que mais pode contribuir com a minha comunidade.
Meu objetivo é voltar pra aldeia tão logo termine a formação. É um acordo que faz parte do convênio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), mas é mais do que isso, é um compromisso meu com o meu povo, com os Atikum, minha origem e minha razão de estudar. O índio é o que pode cuidar melhor da saúde do índio, compreende os costumes, conhece a tradição. Um índio tem todas as condições de cuidar de uma tribo, reunindo o saber da universidade com o saber tradicional. É esse o meu objetivo.
Fonte: Assessoria da UnB
Parabéns Josinaldo, como o prof. Orvandil, eu também achava que havia médicos indígenas e aí me deparei com sua história!! Incrível como o nosso País é injusto!!Que você realize seu oficio com grandeza de alma e que trabalhe pelos seus, sempre!! Abraços fraternos!!
ResponderExcluirCarmen F Barbosa
Assistente Social/UBSF V. Corumbá/C Grande/MS
Parabéns Josinaldo, como o prof. Orvandil, eu também achava que havia médicos indígenas e aí me deparei com sua história!! Incrível como o nosso País é injusto!!Que você realize seu oficio com grandeza de alma e que trabalhe pelos seus, sempre!! Abraços fraternos!!
ResponderExcluirCarmen F Barbosa
Assistente Social/UBSF V. Corumbá/C Grande/MS