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domingo

Rubem Alves morre e revela os porões da morte e as jabuticabas da vida



Teólogo Zwinglio Dias

Recordo de nossos encontros aí no Rio de Janeiro na década de 80. Tuas palestras sempre foram muito ricas, mas lembro com carinho mesmo dos nossos bate papos informais quando contavas de tuas experiências na favela onde atendias pastoralmente os pobres. Sentia também tua dor ao criticares a Igreja Presbiteriana do Brasil e sua “santa” inquisição protestante, movimentada a muito ódio e perseguições aos que pensavam e agiam na contra mão de seus dogmas e receitas. Foste vítima dessas perseguições, por isso ajudaste a criar a Igreja Presbiteriana Unida. 

Hoje recordo com saudade e dor de outra grande vítima da mesma barbárie que acaba de falecer, nosso Rubem Alves. 

Ao olhar para Rubem Alves e para ti percebe-se que o dogmatismo fanático é rasteiro e ardiloso com as pessoas que seus possessos temem por causa de sua inteligência e alta capacidade de amar o próximo.

Rubem Alves conta que acabara seu mestrado nos Estados Unidos quando soube do golpe civil-mediático-militar-imperialista no Brasil. Aqui chega e no aeroporto um amigo lhe avisa que o seu considerado melhor amigo o denunciara às “autoridades” da igreja como subversivo perigoso. Desde aquele momento Alves foi perseguido ao ponto de se sentir pressionado a se desligar daquela igreja de direita e inimiga do povo brasileiro. 

No relato que faz no vídeo que posto abaixo Rubem Alves deixa escapar a dor por ser traído por seu melhor amigo, integrante da terrível CIA. 

Creio, Zwinglio, a experiência amarga do Rubem estampa clara divisão de mundo. Durante a falsa quietude dos dois as pessoas parecem conviver “educadamente”. Na dureza dos embates os ratos saem desesperados dos porões e se projetam nas tarefas sujas de contaminar às claras os ambientes de luta sincera e amorosa por um mundo novo. 

A morte de Rubem Alves talvez revele muito mais de sua vida e da vida de todos nós lutadores do que sua história entre nós. Uma das instituições que deveria ser baluarte de amor, de respeito, de justiça, de verdade, de compromisso com o outro se apresenta na história como daninha à vida. Quando Rubem Alves disse que se desligou da igreja o fez para conceituar uma instituição antro de gaviões e de diabos, nada comprometida com o Jesus que prega. 

Ser obediente a instituições injustas e a dirigentes autoritários é ser cego e surdo com os princípios e práticas do evangelho de Jesus. Antes importa a coerência da ruptura com essa casta daninha do que virar as costas para a vida que tentam sufocar e anular. 

A Igreja da qual se desligou nosso teólogo, poeta, psicanalista, filósofo e educador é a mesma que ajudou a prender, torturar, matar e a reforçar os danos que a direita mais cruel praticou contra nosso povo e nosso País nos anos de chumbo da ditadura terrorista. Claro que ele nem eu nos referimos a todos da igreja presbiteriana do Brasil. Referimo-nos a seus dirigentes, inimigos da democracia e da Nação. Hoje não sei como está essa igreja. Suponho que não mudou muito, pelo que vejo por aí. 

Rubem Alves se revela em seus poemas, textos, livros e entrevistas. Nosso escritor falecido sábado, dia 19 de julho de 2014, ensinou enfaticamente a ouvir mais do que a falar. No poema “escutatória” denunciou os riscos que sofrem as pessoas em somente querer falar sem ouvir o outro. Denuncia mais: “Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir.”  Continua seu conselho: “A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor... Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração..... E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor... Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade. No fundo, somos os mais bonitos...”

Rubem Alves praticou radicalmente a experiência da escuta do outro, coisa que os traidores e amigos da ditadura que o perseguiram na sua antiga igreja não sabem e desse prazer nunca gozarão. Aliás, os autoritários não ouvem ninguém, além de ser ontologicamente covardes. Quando não atropelam pessoalmente armam para golpear traiçoeiramente. Não escutam porque são medrosos, fracos, de baixa inteligência e sem sabedoria. 

Uma amiga minha, pastora metodista de São Paulo, passou por grave tragédia há anos. Segundo me contou, muito cansada dirigia seu carro transportando suas duas filhas numa estrada naquele estado. Por alguma razão, que não me lembro, tombou seu veículo matando as duas filhas e ficando gravemente ferida, por muito tempo em coma numa UTI. Naquele contexto de tamanho golpe seu marido a abandou deixando-a jogada em meio aos fragmentos e fraturas de seu ser. Soube do consultório e dos atendimentos psicanalíticos do teólogo Rubem Alves. Buscou-o para doloroso tratamento psicoterapêutico. Pacienciosamente o sábio mestre a ajudou a curar-se. Recuperada e dona de sua vida o procurou para o acerto financeiro do tratamento. Surpreendeu-se com a reação de Rubem: “você já me pagou”. “Como assim?”, perguntou a pastora. “Sim, você já me pagou com sua recuperação corajosa”. Minha amiga me contou o quanto chorou, gritou, se jogou ao chão e exclamou perguntando por que Deus fizera isso com ela. Alves sempre a ouviu com paciência e afeto. Muitas vezes lhe estendeu as mãos para que se levantasse e silenciosamente lhe enxugou as lágrimas. Até que minha amiga conseguiu reelaborar-se e retomar sua existência destruída para tomar sua vida em suas próprias mãos. Hoje é pastora e líder extremamente influente na cidade onde vive a trabalha em São Paulo. 

Quem escuta cura, liberta e salva. 

Creio que nosso Rubem Alves, nosso eterno e imortal amigo, nos dá a pista dessa enorme sabedoria. No poema “Jabuticamas” faz cálculo de quanto tempo dispunha a partir da avançada idade e passa a se dedicar ao que realmente vale, abandonando o que não tem sentido. “Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.” Continua seu conselho: “Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 'as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...” 

Ontem à noite lembrei deste poema “Jabuticabas” de Rubem Alves e de nossa experiência aí no Rio, querido Zwinglio, quando fui a uma festa de fraldas de uma jovem mulher trabalhadora e pobre. Ao seu lado o seu companheiro feliz cercado de amigos para um maravilhoso jantar feito de arroz, feijão campeiro, salada de tomates, refrigerantes e cerveja. Era uma choupana numa vila bem pobre aqui em Goiânia. Ali vivenciei a parte do “Jabuticabas” que reza: “sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado do que é justo. Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.' O essencial faz a vida valer a pena...e para mim basta o essencial.”

Obrigado Rubem Alves por tua vida cuja morte nos excita a viver e nos dá tesão para a luta!

Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano, comendo as jabuticabas que valem a pena, roendo cada uma até o caroço, sem nada desperdiçar, como propõe nosso poeta e mestre Rubem Alves.








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