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O caçador de casos para a
 fabricação de factoides políticos teve dificuldades, mas finalmente 
encontrou no programa Mais Médicos alguém para transformar em herói 
ideológico. A médica cubana que caiu na camuflada rede de caça do 
desvario partidário da direita brasileira foi encontrada no município 
amazônico de Pacajá, no sudoeste paraense, onde há quatros meses 
trabalhava juntamente com outros seis colegas da área de saúde no 
atendimento a uma população de quarenta mil habitantes, em uma região de
 difíceis acessos rodoviários e fluviais.
Ramona Rodríguez, 
51, não largou os pacajaenses por precariedade na estrutura de trabalho 
ou porque o lugar para onde foi designada está localizado no meio da 
floresta de clima quente e úmido. É provável que, como tantos outros de 
seus compatriotas, tenha saído do seu país com a segunda intenção de 
fugir para os Estados Unidos. Ela tem a idade do embargo econômico 
imposto pelos estadunidenses a Cuba e, por meio século, foi instigada 
pela propaganda invasora da “terra das oportunidades” a atravessar os 
cerca de 150 quilômetros de mar que separam a ilha socialista do caribe 
do mais poderoso país do mundo.
Não dá para imaginar a força 
de um dilema dessa proporção nas convicções, desejos e necessidade das 
pessoas. Entretanto, agindo de má-fé e oportunismo, é possível lançar 
mão dos hiatos de consciência gerados por essa situação embaraçosa para 
tirar proveito político, como está fazendo o DEM, partido da direita 
avarenta que, no intuito de desgastar a imagem do governo federal, expõe
 de modo vexatório um programa de tamanha importância para a população 
brasileira desassistida de médicos nas periferias das cidades e no 
interior do país.
Cuba está oferecendo ao Brasil um auxílio 
humanitário de grande valor, com profissionais preparados para trabalhar
 em condições adversas e com poucas ferramentas tecnológicas, atuar nas 
Unidades Básicas de Saúde e realizar visitas domiciliares das regiões 
consideradas pouco atraentes. Os médicos cubanos são conhecidos por sua 
formação voltada ao atendimento clínico e familiar, com ênfase na 
prevenção de doenças.Para alguns médicos brasileiros, a presença dos 
colegas cubanos também se constitui em um dilema entre a consciência do 
juramento de consagrar a vida ao humanismo e a medicina de negócios.
Esse
 descontrole da honradez motivou constrangedoras manifestações negativas
 ao Mais Médicos, quando da chegada dos primeiros profissionais do 
programa a Fortaleza. Combinando insegurança e egoísmo social, um grupo 
de médicos vaiou os colegas, xingando-os de escravos, por aceitarem 
participar da missão de ocupar os postos de trabalhos ociosos e cuidar 
dos brasileiros desvalidos, em uma circunstância de remuneração que 
entra em choque com os interesses financeiros dessa parte da 
categoria.Essa fobia moral, demonstrada pelo corporativismo, expressa, 
no fundo, um temor de que um maior compromisso dos médicos cubanos 
chegue a ameaçar as vantagens que conseguiram.
Ora, os médicos
 cubanos estão no Brasil em uma tarefa de cooperação internacional, 
legitimada por um convênio endossado pela Organização Pan-Americana de 
Saúde (Opas), instância da Organização Mundial de Saúde (OMS) para as 
Américas. A natureza da relação permite que os profissionais cubanos 
atuem seguindo a noção de contrapartida da sua cultura; ou seja, se eles
 foram formados em um sistema de saúde e educação públicos e gratuitos, 
nada mais justo do que retribuir à sociedade cubana parte significativa 
do seu ganho para que outros possam continuar tendo as mesmas 
oportunidades.
Isso é mesmo difícil de ser entendido em um 
país como o Brasil, onde, via de regra, os recursos públicos servem a 
benefícios privados. Embora cubanos e brasileiros tenham empatia 
fraterna mútua, suas realidades, histórias e contextos políticos, 
sociais e econômicos são muito distintos. É da dificuldade de 
compreensão dessas diferenças que se valem os fabricantes de factoides. 
Os médicos cubanos sabiamente não têm dado entrevistas, mas quando falam
 dizem claramente que mais importante do que dinheiro é poder ajudar os 
brasileiros que precisam de cuidados médicos. Falam como se cantassem a 
música “Por quem merece amor”, de Sílvio Rodriguez: “Meu amor não é amor
 de mercado”.
É uma postura que perturba e provoca reações 
virulentas. Não é à toa que toda uma carga de preconceitos foi jogada 
sobre a dignidade dos médicos cubanos. As mídias tradicionais e as redes
 sociais estão cheias de insultos vergonhosos: “O Brasil é a chance do 
pé-de-meia dos cubanos”, dizem uns; “as médicas cubanas têm a cara de 
empregadas domésticas”, repercutem outros; há os que classificam de 
“esmolinha” a retribuição financeira que estão recebendo; e para baixar o
 nível de uma vez, chamam de “vale-coxinha” a ajuda de custo que recebem
 das prefeituras onde atuam. E, diante de tão extravagante 
“receptividade”, ainda há quem pense que a dra. Ramona está caindo fora 
do Brasil apenas por motivos de desconforto com a política de seu país.

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