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terça-feira

O que há de falso e de verdadeiro no natal




Querido amigo Luiz Marcos Araújo Coelho



Emocionaste-me profundamente ao ligar-me e falar-me por telefone. Deste prova profunda e inconteste de que a amizade existe. Recordaste-me da reação que tive em face do menor ameaçado de ser massacrado por um maior na cidade de Rio Verde em Goiás, quando desci de teu carro e defendi o injustiçado. Comovi-me com teu depoimento sobre o episódio e do quanto ele te marcou.


Pois bem, meu amigo, nesses dias aqui, com saudades gigantescas, penso muito sobre o momento desta quadra do ano que vivemos. Meus pensamentos se movimentam rapidamente.  


Penso na origem dessa data. Na mistura e fundição entre o culto ao deus sol, comemorado mais ou menos no dia 25 de dezembro, e a celebração do nascimento de Jesus, que os cristãos primitivos comemoravam em 6 de janeiro. 


O culto ao nascimento do deus Mithra, do sol, e a comemoração do nascimento de Jesus são eventos impostos pelos poderosos. O império romano fez acordo com lideranças cristãs no século IV para que a comemoração do nascimento do segundo incorporasse e diluísse o primeiro. Como em tudo, os grandes eventos religiosos, como a celebração do nascimento do deus Mithra e de Jesus, são decisões políticas de interesse da classe dominante. 


Ao lermos os evangelhos de Mateus e de Lucas percebe-se a mescla das tradições míticas ditas pagãs, judaicas, romanas e cristãs. Ressalte-se, no entanto, que nos dois textos evangélicos há atores dinâmicos a atuar no palco do mundo violento do império romano que chamam a atenção e inspiram.  


Refiro-me a gente do povo, a mulheres que misturam medo e enfretamento à opressão de César, de Herodes e dos soldados (servidores do sol) romanos. Lucas especificamente compõe seu texto sobre o nascimento de Jesus colocando nele atores expulsos, excluídos e mal vistos socialmente, os pastores de Belém. 


Evangelicamente o nascimento de Jesus dá-se a partir da periferia e no enfrentamento das exclusões. No levante a partir das bordas sociais uma criança enfrenta o império poderoso e o põe quase de joelhos, assustado e desesperado, ainda que cruel e sanguinário na matança de crianças. Uma mulher frágil, de biografia questionável, Maria, impõe em seus braços a ousadia da mudança do mundo ao carregar um bebê tão franzino e cara de joelho como qualquer outro. Os marginais mal cheirosos, pastores de campinas e “incivilizados”, marcham como numa passeata em direção a Belém e lá permanecem em torno do gurizinho que ameaça os poderosos, trêmulos ao ser derrubados de seus tronos, como canta Maria ao repetir o poema dito por Ana, mãe de Samuel, há séculos. 


O natal de 25 de dezembro é um acerto de poderosos. O nascimento de Jesus na mítica Belém da Judéia é emergência dos oprimidos, dos esquecidos, dos desgraçados.


O natal do acordo que roubou o culto ao nascimento do deus sol invictus e o deu ao Jesus glorificado do poder e das alianças racionais, que matam as culturas e tradições milenares, inventou um velho bonzinho mas alheio a vida cotidiana e anual dos pobres para, como Papai Noel, aparecer uma vez por ano para trazer “presentes” velhos, usados e esquecidos pelos poderosos. 


O nascimento de Jesus é compromisso com as mudanças, com as transformações, com o enfrentamento das causas da opressão e das injustiças o tempo inteiro. 


Enquanto o 25 de dezembro mostra um natal ensaiado com atores casuais e eventuais o nascimento de Jesus relembra atores engajados permanentemente na vida contra a morte.


Pessoalmente não gosto desse natal inventado e consumista. Sinto nojo dele.


Não me sinto bem ao ouvir a frase chata: “feliz natal.” Soa-me fingida, vazia, sem sentido e descomprometida. É muito parecida com a pergunta idiota que desconhecidos fazem a quem não conhecem: “oi, tudo bem?”


Desprezo e evito ao máximo que posso abraços de quem quer me ver longe e morto, sempre prontos a fulminar os que amam a vida e o povo, mas que nessa época aparecem “sensíveis” a distribuir abraços alienados e falsos. 


Não gosto das missas e cultos que todos os anos dizem a mesma coisa, com seus ministros trajando vestes e roupas que nada dizem aos pobres e injustiçados. Não gosto destes cultos que cheiram mal de tão desvinculados da causa que Jesus realmente abraçou, do nascimento à morte, a da bem aventurada luta pela justiça e pela paz. 


Ah, meu amigo Marcos, adoro abraçar e ser abraçado por quem luta o ano inteiro com alegria, mesmo que chagado pelo sofrimento, para fazer com que os “Jesuses” de hoje não sejam mais excluídos. Com esses faço festas, abraço e os ergo ainda em meus braços, beijo-os, envoltos na honestidade de uma fé que joga para dentro do mundo e não na fuga dele. 


Pulo de alegria na festa grande de que participo com a revelação de amigos secretos de negros, onde dizemos as características mais belas e grandiosas de cada um que luta contra a discriminação, contra as injustiças, contra o racismo, contra o ódio e contra os aliados dos acertos de palácios onde se desfigura o Jesus da periferia para fazê-lo eterna criança eternamente menino, que nunca amadurece e que infantiliza os inconscientes. 


Teu telefonema foi para mim uma celebração natalina legítima, meu engenheiro e trabalhador amigo. As preocupações da Profª Yolanda Soares Azambuja , lá de Uruguaiana, com suas alunas que saíram da prostituição, não por pregações moralistas e discriminatórias, mas porque ela as ajudou a recuperar a dignidade perdida por machistas que as estupraram, são para mim alegria natalina comprometida. 


Mandela ao morrer fez com que sua obra de luta pelos irmãos sul africanos, esmagados pelo desumana apartheid, revelasse imensa e poderosa alegria natalina de quem sempre lutou por seu povo, mesmo que os ferrolhos e masmorras impostos pelos opressores ameaçassem sua vida. Quando Mandela morre seu povo renasce e dança pelo País e pelo mundo. 


Natal a partir de Jesus é postura quente, permanente e de braços agarrados uns nos outros em contínua aliança com a construção da justiça social. Fora isso essas festas são o culto ao narcisismo, ao egoísmo e ao nada.  É puro vazio e muitas bobagens.


Viva o natal da vida, com abraços de sempre, com feliz vida sempre, com danças sempre, com cuidados uns dos outros sempre, com solidariedade sempre, com luta intermitente sempre, até à morte, sempre. Viva o natal do povo, meu irmão!


Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz.

Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano.


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