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segunda-feira

Carnaval: espetáculo popular, carregado de racismos, discriminações, preconceitos e contradições




Querida Profª Carmem

Permite-me que comente contigo, sem pieguices e sem moralismos – falsa moral – esse evento inevitavelmente espetacular, o carnaval. Não há como negar os fatos. O carnaval brasileiro é mesmo o maior espetáculo da terra. Essa festa atinge todos os quadrantes do País e penetra por entre as câmaras mais secretas e aparentemente insondáveis.  Refiro-me aos retiros “espirituais” dos/as santos/as que se retiram da festa da carne e do mundo para cultivar a fé num Deus fora do mundo e das mundaneidades. Eu também gosto de retiros. Já promovi inúmeros. São maravilhosos quando não se prendem a objetivos “avestrúzicos”, de esconder a cabeça num buraco para fugir do mundo, mas como momentos de reflexão, de espiritualidade e de comunhão, sem alienação e de costas para os outros.



Porém, a honestidade ante os fatos nos leva a analisar o que acontece no carnaval brasileiro, enquanto forte repercussão do capitalismo mais devasso e predatório da vida do povo.

Nas escolas de samba não há como negar a rica expressividade artístico-cultural de nosso povo. Beleza, inteligência, criatividade e diversidade se exibem eloquentemente como marcas de nossos dons naturais. Cores, sons e poesias nos encantam quando vemos nossas escolas pelas TVs. Tanta demonstração nega a falsa afirmação de que tudo no Brasil começa depois do carnaval. Essa afirmação é mentirosa e destrutiva. Pelo contrário, o carnaval é sinal de muito trabalho, muita dedicação e muito investimento. Sem trabalho jamais teríamos esse maior espetáculo da terra. 

Porém, esse carnaval empresarial, que ostenta propagandas de bancos, de indústrias de automóvel, de cerveja, de marcas de beleza, de prestadoras multinacionais de celulares etc é síntese do que o capitalismo pratica na sociedade em todos os tempos e em todas as nossas produções. É concentrador de riquezas e de produções. O povo, que deveria ser sujeito e beneficiário da maior festa popular, é sempre excluído. O carnaval é de uma minoria de clubes e de proprietários. Disputas por público e por publicidades são enormemente fortes. Não sou eu que afirmo tal expressão capitalista do domínio da maioria por uma minoria que se privilegia. O capitalismo age em toda a parte. No campo das igrejas evangélicas ele manda através de menos de meia dúzia de donos de igrejas e de TVs no Brasil. No carnaval o capitalismo atua para discriminar, para excluir os negros, os pobres e a maioria. Esta denúncia é escancarada por quem entende de carnaval. João Jorge Rodrigues, presidente da Olodum, de Salvador, Bahia, diz que os recursos da folia de lá são concentrados nas mãos de só uma artista, Ivete Sangalo. Ivete Sangalo participou da formação do grupo de direita "cansei" contra o Presidente Lula. Geralmente essa cantora quando abre a boca  sente-se imensa necessidade de gritar que ela perdeu grande oportunidade de se calar, tão grandes são as futilidades e banalidades que diz. Pois é ela que burguesamente concentra os recursos que deveriam ser partilhados entre os bahianos, excluindo enorme população de artistas negros e populares em favor da “terra de uma artista só”, diz ele. 

João Jorge Rodrigues, que não é analfabeto, portanto não fala pelos cotovelos, baseia-se em conhecimento observacional para criticar o modelo de carnaval que acontece em Salvador, lugar de maior expressão negra do Brasil, como no Rio e em São Paulo. Nessas grandes capitais o carnaval também expõe as fraturas dos conflitos sociais que correm em todo o Brasil, sempre com a marca da exclusão da maioria do povo, que Rodrigues chama de apartheid social, empurrando os negros para os guetos. Conversei com meu amigo Prof. e intelectual Laércio Júlio da Silva - que procura conhecer a realidade e não a adivinhar o que ela seja - sobre o carnaval de Goiás. Surpreendi-me com as informações que me passou. Disse que Goiás é famosa como berço da música sertaneja - a meu ver  as músicas e métricas  pobres e medíocres dessas duplas atrasadas e alienadas não têm nada a ver com música sertanejas – porém o forte mesmo deste estado corrompido por Cachoeira, Demóstenes, Marconi Perillo e outros é o samba e não as músicas sertanejas. Laércio me contou que pelo interior deste Estado grande predomina o samba dançado pelos quilombolas e pelos negros pobres. Na época do carnaval os que moram nas cidades ou proximidades fazem a festa e depois se reúnem na praça para compartilhar a comida. Nisso a mídia dominante não fala nem divulga. Esta, por ser conservadora e antipopular, aferra-se ao que lhe dá lucro, como são as músicas lixos praticadas pelas gritadas duplas pseudo sertanejas. 

É triste, Carmem, mas o capitalismo é destrutivo em tudo, inclusive no carnaval. Posto abaixo a boa entrevista de João Jorge Rodrigues. Boa leitura.

Abraços críticos e fraternos na luta por justiça e paz.

Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano. 

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Entrevista da 2ª na Folha - João Jorge Rodrigues 

A Bahia virou a terra de uma artista só: Ivete Sangalo

Presidente do olodum diz que divisão desigual de recursos no carnaval empobrece a Bahia e que 'Afródromo' empurraria negros para gueto 

NELSON BARROS NETO DE SALVADOR 

É Carnaval em Salvador, e João Jorge Rodrigues, 57, presidente do Olodum, crava: há um monopólio na divisão de recursos na folia da Bahia, que é "terra de uma artista só" -Ivete Sangalo. 

Na força da cantora, o líder do "bloco mais aclamado e conhecido no planeta", em suas palavras, vê um caráter étnico: ela é branca. 

A vinda a Salvador de atrações como o sul-coreano Psy, diz, é mais um retrato de uma Bahia que não valoriza seus artistas, sua negritude. 

João Jorge falou à Folha na sede do Olodum, em um belo sobrado encravado no Pelourinho. Em seguida, tinha outra entrevista: com o americano Spike Lee, 55, que filma "Go Brazil Go!", documentário sobre a ascensão econômica do país, que também vai abordar o Brasil da perspectiva racial. 

Sobre isso, ele sentencia: a capital baiana "é campeã mundial de apartheid". Sobretudo nos dias de folia.
Mestre em direito público pela Universidade de Brasília (UnB), João Jorge vai na contramão do discurso dominante entre os envolvidos no Carnaval de Salvador. 

-
Folha - Enquanto cresce a participação popular em blocos de rua no Sudeste, o Carnaval é criticado na academia e por referências do samba e do próprio axé.
 
João Jorge - O Carnaval do país é um retrato do Brasil atual. Ele é um Carnaval discriminatório, segregado, com mecanismos que reproduzem o capitalismo brasileiro: a grande exclusão da maioria em beneficio de uma minoria. 

Seria ingenuidade esperar que no Carnaval de Salvador, de São Paulo, do Recife ou do Rio nós tivéssemos democracia, oportunidade, igualdade. Você passa 359 dias no ano praticando toda forma de violência institucional, de racismo institucional, e você quer que em seis dias o Carnaval seja democrático? 

A situação é pior na Bahia?
 
Aqui, ainda mais. Você tem um segmento que tem os melhores patrocínios, maior visibilidade, todos os recursos. Há cordas separando os blocos do povo. 

Estamos falando da possibilidade de o Carnaval ser mais generoso. Além de ser uma festa da alegria, proporcionar também àqueles que fazem cultura ter apoios tão generosos quanto o de quatro grupos. Mas é ilusão achar que isso mudará em curto prazo. Os atores que podiam brigar por isso estão às vezes mais preocupados em fazer parte do jogo. 

O chamado 'Afródromo' ajuda ou atrapalha o cenário? [a iniciativa de Carlinhos Brown e outras seis entidades de criar um novo circuito, exclusivo para os blocos afro, estrearia neste ano, mas foi adiada pela nova gestão na prefeitura

O Olodum tem brigado muito para sair mais cedo e poder ser visto pela televisão. Para que empresas patrocinem de forma equitativa os blocos afros. 

Ao mesmo tempo, eles resolveram fazer algo separado. O que a sociedade mais quer é que os negros escolham um gueto para ir e se afastem da disputa com eles. É como se soubéssemos o lugar em que deveríamos ficar, em vez de aparecermos na Barra, no Campo Grande. 

Mais ainda: obriga o poder público a ter gastos com outro circuito, quando os recursos poderiam ser distribuídos de uma forma melhor. 

Até que ponto o monopólio afeta a festa, a música local?
 
A diversidade, que antes era a riqueza do Carnaval, foi diminuindo, e hoje o Ilê Aiyê, o Filhos de Gandhy, a Timbalada e o Olodum correm um pouco no meio disso. 

Mas nos demais lugares você não tem novidades. A Bahia virou a terra de uma artista só. Parece que os outros estão todos mortos. 

Isso mata os artistas emergentes, mata os que estão trabalhando e, em vez de fortalecer essa própria artista, a fulmina, porque é a galinha dos ovos de ouro aberta para pegar ovos. A festa faz de conta que está enriquecendo uma pessoa, mas na verdade está empobrecendo uma cidade, um Estado. 

A pessoa é Ivete Sangalo?
 
Sim, ela. 

E como o senhor vê a vinda de celebridades como o sul-coreano Psy, para ações publicitárias, com o discurso de prestigiar o Carnaval?
 
Essa mudança, de a gente precisar de elementos como esses, é uma coisa recente, tem 20 anos. Antes, as pessoas vinham para participar, para conhecer o Carnaval de Salvador. Com o tempo, passou a ser: 'Eu quero que você venha para você ser importante para o Carnaval'. Inverteu. O Carnaval é que era importante para essas pessoas. 

O pessoal pergunta: qual é a atração deste ano do Olodum? É a banda Olodum. A banda mais internacional da Bahia: 37 países, quatro Copas do Mundo, tocou com os últimos 30 grandes nomes da música mundial. Na visão de outros grupos, outros artistas, eles não são atrações no Carnaval de Salvador, atração é o coreano, é a atriz da Globo. 

A novidade do Olodum é o samba-reggae, é a força biológica da música que a gente tem, a música de protesto... 

E existem novas músicas do Olodum assim?
 
Tem, e atuais. Agora, qual rádio que toca pagode, sertanejo e funk vai tocar música de protesto? Vou dar um exemplo bem simples: ninguém consegue mudar a ordem do desfile de Salvador, porque foi imposta pelo capital. A ordem é: quem tem mais dinheiro. 

Mas qual prefeito ou governador vai dizer: "A gente banca o Carnaval, dá segurança, saúde, infraestrutura, gasta R$ 84 milhões, e todos terão de cumprir a seguinte diretriz -será um desfile alternativo, com um bloco afro, depois um afoxé e um bloco de trio. Um bloco travestido e um trio independente. Em horários que todos possam aparecer na TV". Quero ver qual autoridade da Bahia vai fazer isso. 

E Claudia Leitte? Parte do público e da crítica diz que ela tenta repetir Ivete, que não teria identidade...
 
Não posso falar disso, porque esse é um problema dessas cantoras, desse tipo de personalidade cuja força é o caráter étnico. A força delas é que são cantoras brancas. Se elas se imitam ou não, não posso dizer nada, é o mercado que elas escolheram. De serem cantoras brancas, que dominam todo o mercado de publicidade, todo o mercado de shows, e que uma compete com a outra. 

Recentemente, uma delas colocou o filho para subir no palco, e a outra fez o mesmo.
 
E tem a gravidez de cada uma, tudo que é feito para gerar noticia. Estou preocupado inclusive com Spike Lee, para ele não engravidar ninguém aqui nesse período [risos], para criar notícia, entendeu? 

Agora, um fato é importante: elas exercem um papel importante na música brasileira e souberam dar um ar profissional a isso que é uma resposta também às demandas da própria comunidade negra. Você, com ótimas cantoras negras aqui, numa cidade de maioria negra, não capitalizar isso é um erro estratégico. Para você ver a força do racismo e da alienação. As cantoras negras da Bahia seriam milionárias nos EUA. 

E os desfiles das escolas de samba no Rio e em São Paulo?
 
Olha, eles foram importantes nos anos 10 e 20 do século passado para formar uma cultura do samba. Depois, foram engessados pelo modelo de desfile, pelo sambódromo e continuam sendo um espetáculo maravilhoso... De ver. Mas sem participação ampla, e isso difere do Recife, de Olinda e de Salvador. 

Por isso o Rio está tendo essa explosão de blocos de rua, mostrando que as pessoas cansaram desse modelo da fantasia, das alas, da batida, de 90 minutos de desfile. Sem falar da guerra publicitária, dos enredos patrocinados. 

Em algum momento o Carnaval foi uma festa popular?
 
Nunca, ainda não é e talvez não seja. É uma festa de multidões, mas que tem uma repressão muito grande sobre tudo. O Carnaval é extremamente limitado, onde se desfila, se bate foto, é preciso pagar taxas. E não é isso que é vendido para o mundo. 

Veja, um dos fenômenos mais interessantes do Carnaval é a visibilidade da homossexualidade. Mas é também no Carnaval em que os homossexuais são mais agredidos. Ao mesmo tempo em que parece que a cidade fica liberal, receptiva ao outro, ela é extremamente conservadora. 

O Carnaval está migrando para ter os bailes de novo, os camarotes, uma estrutura mais apartada ainda do que se conseguiu ter nos blocos de trio nos horários de desfile. 

Mas o Olodum segue nela...
 
O Carnaval não é a salvação, não é o fim do mundo. É algo importante para a civilidade que precisa emergir, mas não se resolvem os problemas das cidades sem o confronto. O Carnaval é a cara da sociedade. Só em um momento o brasileiro se mostra como ele é. É no Carnaval.

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