Querida Profª Sarah Rezende e Silva
És uma mestra maravilhosa e mulher experiente. Tua missão como musicóloga e regente de corais te fazem regente da vida. Nas poucas vezes em que conversamos conquistaste minha enorme admiração por tua fé e tua visão de vida. Compartilhaste-me sensações de injutiças mas de tremendas vitórias, experiências que tocam em pontos semelhantes em meu ser. Por isso me emocionam. Quantas vezes na vida somos "acusados" por juízos absolutamente violentos de coisas que se quer pensamos, muito menos fizemos. Muitas dessas acusações podem nos destruir. Há pessoas absolutamente violentas, sem caráter, más e sem senso de justiça. Algumas se instalam em certas instituições como igrejas, ongs, polícias, executivos, empresas, estado, escolas, faculdades, universidades etc e se utilizam do poder de que dispõem para destruir as pessoas, sem o menor respeito por elas, suas culturas e razões. Elas jamais pensam em dialogar, mas somente em impor seus juízos destruidores.
Pois é, o médico Ariosvaldo Giansante foi preso durante três meses com base em atitude barbaramente injusta por parte da polícia de Assis, em São Paulo. Foi acusado de tráfico de drogas porque cumpriu a ética médica, que impõe sigilo, por isso não denunciou uma paciente à polícia. Sua paciente estava no nono mês de gravidez e levava droga escondida na vagina. Depois de idas e vindas, há duas semanas, o Tribunal de Justiça reconheceu sua razão. Além de ser inocente os desembargadores dizem que ele não deveria ser acusado do crime. Mas acompanha, por gentileza, o depoimento do próprio médico ao Jornal Estado. É dramático e emocionante:
'Eram 11h30 de 31 de março de 2009. Estava de plantão na Santa Casa de Assis quando chegou a paciente que ia mudar minha vida. Era uma gestante com desconforto. Estava no nono mês. Examinei-a. Ela tinha um quadro de sofrimento fetal e podia começar o trabalho de parto a qualquer momento. Tinha de ficar no hospital e receber todos os cuidados. Sua vida e a da criança estavam em risco.
Foi quando apareceu o delegado perguntando sobre a paciente e se eu havia constatado algo ilícito. Disse que não. No exame clínico, eu havia retirado da vagina da paciente algo que parecia uma borra de café, uma substância com odor forte e escura. Joguei no lixo. Contei o que havia feito e fui para casa. Às 14h30, bateram na minha porta o delegado e um tenente. Disseram para eu contar o que aconteceu e eu respondi que apenas exerci a minha profissão. Não ia justificar nada, não tinha de dar satisfação. Tinha de salvar a vida da paciente e a da criança e isso eu fiz.
Às 23 horas, começaram a me ouvir. Disseram que eu estava preso por tráfico de drogas. Aí me removeram para a cadeia pública de Gália, perto de Marília. Cheguei às 4 horas. Fui colocado em uma cela de 2 metros por 3, um buraco com um cano de água fria onde passei três noites e três dias. Depois me transferiram para outra cela, com outros 14 presos, ladrões, assassinos e traficantes. Gente perigosa. Alguns haviam cumprido 10 anos de cadeia. O único com curso superior era eu.
Minha família ficou anestesiada, atônita. Vendemos carros. Minha filha mais velha (24 anos) foi reprovada na faculdade de Psicologia. Meu casamento quase acabou. A família sofreu comigo. Na cadeia não havia ventilação nem higiene. As noites geladas, a comida ruim: nada disso esqueço. Perdi 14 dos meus 84 quilos. Só dormia às 3 horas. Passava a maior parte do tempo olhando para o vazio. Fiquei preso três meses.
A cadeia acabou; o trauma, não. Tenho pesadelos. Não durmo mais. O consultório acabou. Sou funcionário da prefeitura e por isso não caí a zero. Relacionamentos e convívio social acabaram. Fiquei isolado na cidade (Assis tem 90 mil habitantes). Todo mundo sabe quem é o médico que foi preso por tráfico. As pessoas me evitavam, apontavam para mim. Todos me conhecem, pois os meus quase 30 anos de vida profissional foram vividos aqui na cidade.
Tive de me recolher, trancar-me em casa. Não ia mais ao Tênis Clube, dos amigos só me sobraram dois. É difícil reverter tudo isso. Apagar a imagem de quem foi preso com droga. Eu pensava: 'Não sou bandido, não fiz nada de errado.' Quantas vidas eu salvei... Sonhava com a Justiça. Quando soube da decisão do tribunal, eu chorei. É tarde, mas a verdade apareceu. Sei que não voltarei jamais a ser quem eu era. Não se passa uma borracha na mente, na memória, no meu corpo e nas dores que sinto. Quero que todos saibam o que se passou comigo... Só Deus sabe de onde tiro forças para enfrentar isso tudo. Mas não desisto.'
Foi quando apareceu o delegado perguntando sobre a paciente e se eu havia constatado algo ilícito. Disse que não. No exame clínico, eu havia retirado da vagina da paciente algo que parecia uma borra de café, uma substância com odor forte e escura. Joguei no lixo. Contei o que havia feito e fui para casa. Às 14h30, bateram na minha porta o delegado e um tenente. Disseram para eu contar o que aconteceu e eu respondi que apenas exerci a minha profissão. Não ia justificar nada, não tinha de dar satisfação. Tinha de salvar a vida da paciente e a da criança e isso eu fiz.
Às 23 horas, começaram a me ouvir. Disseram que eu estava preso por tráfico de drogas. Aí me removeram para a cadeia pública de Gália, perto de Marília. Cheguei às 4 horas. Fui colocado em uma cela de 2 metros por 3, um buraco com um cano de água fria onde passei três noites e três dias. Depois me transferiram para outra cela, com outros 14 presos, ladrões, assassinos e traficantes. Gente perigosa. Alguns haviam cumprido 10 anos de cadeia. O único com curso superior era eu.
Minha família ficou anestesiada, atônita. Vendemos carros. Minha filha mais velha (24 anos) foi reprovada na faculdade de Psicologia. Meu casamento quase acabou. A família sofreu comigo. Na cadeia não havia ventilação nem higiene. As noites geladas, a comida ruim: nada disso esqueço. Perdi 14 dos meus 84 quilos. Só dormia às 3 horas. Passava a maior parte do tempo olhando para o vazio. Fiquei preso três meses.
A cadeia acabou; o trauma, não. Tenho pesadelos. Não durmo mais. O consultório acabou. Sou funcionário da prefeitura e por isso não caí a zero. Relacionamentos e convívio social acabaram. Fiquei isolado na cidade (Assis tem 90 mil habitantes). Todo mundo sabe quem é o médico que foi preso por tráfico. As pessoas me evitavam, apontavam para mim. Todos me conhecem, pois os meus quase 30 anos de vida profissional foram vividos aqui na cidade.
Tive de me recolher, trancar-me em casa. Não ia mais ao Tênis Clube, dos amigos só me sobraram dois. É difícil reverter tudo isso. Apagar a imagem de quem foi preso com droga. Eu pensava: 'Não sou bandido, não fiz nada de errado.' Quantas vidas eu salvei... Sonhava com a Justiça. Quando soube da decisão do tribunal, eu chorei. É tarde, mas a verdade apareceu. Sei que não voltarei jamais a ser quem eu era. Não se passa uma borracha na mente, na memória, no meu corpo e nas dores que sinto. Quero que todos saibam o que se passou comigo... Só Deus sabe de onde tiro forças para enfrentar isso tudo. Mas não desisto.'
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