Caro amigo Vinicius Wu
Tu e eu somos gaúchos, com
muita honra. Moras aí no nosso Pampa e eu, embora gaúcho, por razões da vida, me
esparramo aqui por Goiás, morando, trabalhando e lutando em Goiânia.
Não sei se és colorado ou
gremista. Tenho grandes amigos colorados. Sou gremista, mas não fanático porque
não gosto do futebol empresa, neoliberal, manipulado por interesses comerciais,
mediáticos e financeiros, sem amor ao esporte. Para mim é por essa razão que a
Seleção Brasileira deixou de ser a histórica Seleção Canarinho. Seus jogadores
e treinadores viraram guris propagandas e suas camisetas, calções e calçados
placas de anúncios comerciais.
Aqui do coração do Brasil me
sinto envergonhado, triste e muito chateado com os gestos e gritos racistas
contra o goleiro Aranha do Santos, que jogou aí nesta quinta-feira.
No vídeo que encima esta “carta”
uma jovenzinha branca estampa toda a falta de ética, de respeito e de
alteridade cultural ao chamar Aranha de macaco. Pelo jeito trata-se de uma
burguesinha mal criada, provavelmente de família que não lhe mostrou os
caminhos do respeito e de um ensino sem educação que lhe negou o conhecimento
de que o Rio Grande do Sul é pioneiro na libertação dos escravos e tratou os
negros igualmente ao envolvê-los na Guerra dos Farrapos contra a opressão
colonial do império.
Nas andanças pelo Brasil nós
gaúchos somos tratados com preconceito. Nossa sexualidade é sublinhada com
suspeita e com desdém, cujo preconceito é marcado pelo nosso desmerecimento.
Somos também apelidados de pertencentes a outra cultura que não a brasileira. Dizem
que somos mais europeus do que brasileiros. Denominam-nos de arrogantes, de
gostarmos de aparecer, mas nunca ouvi ninguém nos chamar de racistas. Há poucos
dias protestei junto ao Kiko do site Diário do Centro do Mundo por ser
preconceito contra os gaúchos. Ele se desculpou, mas manteve seu texto
preconceituoso.
É preciso muito trabalho,
muita dedicação e tempo para mostrarmos nossa brasilidade, nossos traços universais
e nosso coração apaixonadamente nacional, além de sermos polidos, cavalheiros e
politizados.
Mas atitudes racistas como a
que tomou conta do noticiário internacional, praticada por racistas num jogo
insignificante entre Grêmio e Santos, não condizem com nossa alma. A paixão
pelo que torcemos sim, sempre é transbordante. Os que creem nesse futebol
medíocre empresarial têm o direito de torcer e até de desopilar seus desequilíbrios
em campo enquanto torcem, mas racismo não, de modo algum.
Não nego que há resquícios
abomináveis de racismo em certos setores do Rio Grande do Sul. Há poucos dias moradores
de Caxias do Sul demonstraram imensa falta de respeito e de cruel desumanidade
com negros procedentes do Haiti e da África, que precisam de abrigo para
escapar da miséria e das guerras. Mulheres entrevistadas pelo programa
Fantástico disseram que essa gente tinha que ir embora de Caxias.
As que apareceram mostrando
rancor e racismo eram mulheres brancas, tudo indicando que de raízes italianas.
Vale ressaltar que há pessoas em Caxias do Sul, como em Bento Gonçalves e região,
São Leopoldo, Novo Hamburgo, Nova Petrópolis e região, que são racistas, como
sempre foram. Elas se inconformam de que seus antecedentes saíssem de seus
países originais na Europa à força em virtude de misérias e guerras. São
incapazes, ao estilo dos judeus sionistas de Israel, de entender que o povo e o
governo brasileiros as receberam de braços abertos e contaram com sua
colaboração na construção de um País miscigenado, que passou a ser seu, também.
Já descrevi em outras “cartas” que fui discriminado em Caxias do Sul por não
ter sobrenome italiano. Minha consciência sempre me orientou que tal
discriminação não nasce do povo, mas de setores mesquinhos, de fundo fascista,
com representação nos meios de comunicação e parlamentar naquela cidade, que
não conseguem ser inteligentes para compreender a beleza do entrelaçamento dos
povos e etnias. Não entendem que nossa sociedade é composta de maioria negra,
por isso exemplo de cordialidade racial, mesmo que o racismo persista.
Sublinho aqui, Vinicius, a
minha indignação com o racismo demonstrado por esses maus gaúchos e ignorantes
recrudescidos.
Somo voz de apoio aos que
protestam contra o racismo. Peço que os responsáveis sejam identificados e
punidos. Parecem-me passíveis de punição os câmeras que não registraram os
gestos de racismo. Eles são coniventes com o crime.
O racismo é borrasca viscosa
e suja do atraso e risco perigoso da divisão de nosso povo. Deve ser eliminado
do nosso meio pela educação, como processo curador e libertador e pelo peso da
lei.
Abraços críticos e fraternos
na luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano,
farrapo e republicano, radicalmente antirracista.
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