Os críticos do socialismo olham para a Venezuela e dizem: ‘nós avisamos’. Mas eles estão errados
Postado em 04 Mar 2014
Publicado originalmente no Independent.
POR OWEN JONES
Aqui está a narrativa da direita: o povo venezuelano saiu às ruas
contra um regime que abusa dos direitos humanos. A resposta tem sido a
repressão assassina, sendo cada morte uma prova contundente de uma
autocracia monstruosa. As políticas econômicas do governo não serviram
para nada além de ruína para a população, o que demonstra mais uma vez
que o “socialismo” é um fracasso abjeto. Aqueles que desafiam esta
narrativa, como eu, não são nada além de ingênuos, idiotas úteis, os
equivalentes modernos dos fabianos que foram para a União Soviética de
Stalin louvá-la como uma nova civilização.
Vamos dar algum contexto. Antes de Hugo Chávez ser eleito presidente
em 1998, a Venezuela foi governada por várias administrações
neoliberais. Em 1975, 15% dos venezuelanos viviam na pobreza. Duas
décadas mais tarde, o número subiu para 45%. Quando venezuelanos
protestaram contra o então presidente Pérez – que abandonou o
neoliberalismo em 1989 -, todo o poder do estado foi jogada sobre eles
no chamado “Caracazo”, um massacre da Praça de Tiananmen em que centenas
de manifestantes foram abatidos.
Repelido pela elite política tradicional, os venezuelanos deram a
Chávez uma vitória esmagadora em 1998. Na época, ele defendia a
abordagem da Terceira Via defendida por Tony Blair, mas sua principal
estratégia era usar a riqueza do petróleo para financiar programas
sociais. As taxas de pobreza despencaram de 50% para cerca de 25%; a
extrema pobreza foi reduzida em dois terços. Segundo a ONU, o que
representa a segunda maior queda percentual de pobreza na América
Latina.
O bastião tradicional do dogma neoliberal, o Banco Mundial, revela
que, enquanto a renda per capita da Venezuela definhava abaixo da média
do continente antes de Chávez chegar ao poder, ela é agora de US$13 120,
mais alta do que Brasil ou Argentina, contra uma média de US$ 8 981.
Apesar dos problemas econômicos recentes, a ONU revelou que a Venezuela
teve a maior queda no número de pessoas em situação de pobreza na região
em 2012.
Isso quer dizer que a Venezuela é uma espécie de paraíso? Não. A
inflação está em mais de 50%. Sob o antecessor neoliberal de Chávez,
Rafael Caldear, na década de 1990, ela superou os 100%. E, no entanto
isso não foi apresentado como um fracasso do capitalismo de livre
mercado.
A situação da lei e da ordem é simplesmente inaceitável, agravada por
vários fatores: vizinhos em guerra civil na Colômbia; uma sociedade que
está repleta de armas; e uma força policial ineficaz e corrupta. O
apoio do governo a tiranias como a da Síria e a da Líbia não deve ser
esquecido, mas dado o apoio ocidental a ditaduras infames como a da
Arábia Saudita – e emprego lucrativo de Tony Blair na ditadura do
Cazaquistão -, não vamos exagerar na dose de hipocrisia.
Mas dê uma olhada no comportamento da oposição. Em 2002, Chávez foi
derrubado por um golpe apoiado pelo Ocidente, vigorosamente incitado por
uma mídia privada que faz Fox News parecer liberal. E no entanto um
levante popular devolveu o governo eleito ao poder. Imagine se o nosso
governo eleito fosse derrubado por uma junta, matando muitas pessoas
inocentes no processo, e a coisa toda fosse aplaudida por ITN e Sky
News. Qual seria o resultado?
Quanto às credenciais democráticas do governo, quando Chávez foi
eleito, em 1998, recebeu 3,7 milhões de votos contra 2,6 milhões da
oposição. Em 2013, seu sucessor, Nicolás Maduro, recebeu 7,6 milhões de
votos, contra 7,4 milhões da oposição. Os observadores internacionais
têm repetidamente declarado que as eleições são livres. Em 2012, o ex-
presidente dos EUA Jimmy Carter elogiou o processo eleitoral da
Venezuela, dizendo ser “o melhor do mundo”. Quando Chávez perdeu um
referendo constitucional em 2007, ele aceitou.
A Venezuela é um dos países mais polarizados do mundo. Negociações
devem acontecer, os mortos precisam de justiça, o governo deve garantir
as liberdades e a desordem violenta precisa acabar. Mas uma coisa é
clara. Aqueles que usam os problemas da Venezuela para ganhar pontos
políticos não têm nenhum interesse na verdade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seus comentários serão publicados. Eles contribuem com o debate e ajudam a crescer. Evitaremos apenas ofensas à honra e o desrespeito.