Querida Dona
Elena Mileto
Recebi cerca de 3.500 mensagens de aniversário. Algumas foram
impressionantes pelo alto significado consciente de seus conteúdos.
Uma das mais impressionantes foi a sua. A senhora sabe que a
tenho como uma mãe. A senhora me amparou na infância, na adolescência e na
juventude quando, por escolha vocacional, saí de casa porque meus queridos pais
não conseguiram entender que filho de pobres poderia ser sacerdote. Saí para
estudar, para crescer e para trilhar o caminho da luta pela humanidade.
A senhora me chamava à atenção quando eu chegava à sua casa
aí em Alegrete com as malas cheias de livros. Muitas vezes dormi sobre eles quando
a senhora ia ao meu quarto para apagar a luz para que eu dormisse mais
tranquilamente.
Porém, minha amada mãe, o que mais me impressionou foi sua
coragem em me defender quando a ditadura “botou” os olhos e as patas sobre mim.
Cheguei a me beliscar quando soube que a senhora levantou o dedo indicador em
riste para me defender na nossa igrejinha em face das acusações que as pessoas
faziam contra mim ao dizerem que souberam que eu não era mais crente, mas um “ateu”
perdido e comunista aproveitador da igreja para fazer a revolução, repercutindo
ignorantemente as bobagens que os agentes da ditadura espalhavam entre o povo.
A senhora se levantou rápido e gritou que não era nada disso.
Que não sabiam o que diziam. Que eu era seguidor do Jesus que sempre amou os
pobres e os trabalhadores. A senhora disse que eu apenas queria ser fiel ao que
aprendera na igreja e no seminário. Como o vozerio continuou a senhora se
retirou e passou a participar de outra paróquia.
Nesse dois de fevereiro, com seus quase 87 anos de vida, me
ligou para me dizer que ainda se arrepia comigo e me admira. Obrigado, minha
amada velhinha. A senhora me estimula muito a prosseguir.
Compartilho com a senhora abaixo uma carta impressionante de
um corajoso e injustiçado patriota.
A carta que o Deputado João Paulo dirige a Joaquim Barbosa,
infelizmente presidente desastrado do Supremo Tribunal Federal, é de uma beleza
ética impressionante.
A beleza ética do texto de João Paulo se ressalta por sua
coragem em não se curvar ao algoz Joaquim Barbosa. A carta é eticamente bela
porque João Paulo não se gaba do poder como ex-presidente da Câmara dos
Deputados nem como deputado federal. O deputado ressalta sua história de lutas
por justiça social em defesa dos pobres e dos trabalhadores. O seu texto é
lindo pela consciência que esse patriota tem da verdade, que Joaquim Barbosa na
sua arrogância no serviço à Globo, ignora.
Leia a carta, por gentileza. Ela mostra que quando lutamos
pela justiça nunca, jamais, devemos curvar a cabeça para os algozes e para os
detratores da justiça.
Abraços com saudade e críticos na luta pela justiça e pela
paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano.
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Caro ministro Joaquim Barbosa, há poucos dias, em entrevista, o senhor
ficou irritado porque a imprensa publicou a minha opinião sobre o
julgamento da ação penal 470 e afirmou que não conversa com réu, pois a
este só caberia o ostracismo.
Gostaria de iniciar este diálogo lembrando-lhe de recente afirmação do
ex-ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal: "O Judiciário tende a
converter-se em um produtor de insegurança" e que "o que hoje se passa
nos tribunais superiores é de arrepiar". Ele tem razão. E o julgamento
da ação penal 470, da qual V. Exa. é relator, evidencia as limitações da
Justiça brasileira.
Nos minutos finais do expediente do último dia 6 de janeiro, o senhor
decretou a minha prisão e o cumprimento parcial da sentença, fatiando o
transitado e julgado de meu caso. Imediatamente convocou a imprensa e
anunciou o feito. Desconsiderando normas processuais, não oficializou a
Câmara dos Deputados, não providenciou a carta de sentença para a Vara
de Execuções Penais, não assinou o mandado de prisão e saiu de férias.
Naquele dia e nos subsequentes, a imprensa repercutiu o caso, expondo-me
a execração.
Como formalmente vivemos em um Estado democrático de Direito, que
garante o diálogo entre o juiz e o réu, posso questionar-lhe. O meu caso
era urgente? Por que então não providenciou os trâmites jurídicos
exigidos e não assinou o mandado de prisão? Não era urgente? Por que
então decretou a prisão de afogadilho e anunciou para a imprensa?
Caro ministro, o senhor pode muito, mas não tudo. Pode cometer a
injustiça de me condenar, mas não pode me amordaçar, pois nem a ditadura
militar me calou. O senhor me condenou sem me dirigir uma pergunta.
Desconsiderou meu passado honrado, sem nenhum processo em mais de 30
anos como parlamentar.
Moro na periferia de Osasco há 50 anos. Trabalho desde a infância e
tenho minhas mãos limpas. Assumi meu compromisso com os pobres a partir
da dura realidade da vida. Não fiz da fortuna minha razão de existir, e
as humilhações não me abatem, pois tatuei na alma o lema de dom Pedro
Casaldáliga: "Minhas causas valem mais do que minha vida".
O senhor me condenou por peculato e não definiu onde, como e quanto
desviei. Anexei ao processo a execução total do contrato de publicidade
da Câmara, provando a lisura dos gastos. O senhor deve essa explicação e
não conseguirá provar nada, porque jamais pratiquei desvios de recursos
públicos.
Condenou-me por lavagem de dinheiro sem fundamentação fática e
jurídica. Condenou-me por corrupção passiva com base em um ato
administrativo que assinei (como meu antecessor) por dever de ofício.
Por que me condenou contra as provas documentais e testemunhais que
atestam a minha inocência?
Esclareça por que não aceitou os relatórios
oficiais do Tribunal de Contas da União, da auditoria interna da Câmara
dos Deputados e da perícia da Polícia Federal. Todos confirmaram que a
licitação e a execução do contrato ocorreram em consonância com a
legislação.
Desafio-lhe a provar que alguma votação tenha ocorrido na base da compra
de votos. As reformas tributária e previdenciária foram aprovadas após
amplo debate e acordo, envolvendo a oposição, que por isso em boa parte
votou a favor.
Um Judiciário autoritário e prepotente afronta o regime democrático. Um
ministro do STF deve guardar recato, não disputar a opinião pública e
fazer política. Deve ter postura isenta.
Despeço-me, senhor ministro, deixando um abraço de paz, pois não nutro
rancor, apesar de estar convicto –e a história haverá de provar– que o
julgamento da ação penal 470 desprezou leis, fatos e provas. Como sou
inocente, dormirei em paz, nem que seja injustamente preso.
JOÃO PAULO CUNHA, 55, é deputado federal (PT-SP). Foi presidente da Câmara dos Deputados (2003-04)
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