Querido
amigo Zulu
Obrigado pelo e-mail que enviaste através do qual expressas
angústias e preocupações com as barbaridades vivenciadas pelos jovens negros
provindos das periferias em São Paulo, de Belo Horizonte, do Rio de Janeiro e
de outros locais ao tentarem fazer rolezinhos nos shoppings.
Tua angústia como negro, pobre e estudante universitário liga-se
ao fato de milhares de jovens ocuparem os shoppings na Grande São Paulo. Por um
lado pareces te contrariar que eles combinem pelas redes sociais a ida para um “rolezinho”
no shopping e, por outro, te indignas com a brutalidade policialesca dos homens
da segurança de São Paulo.
As redes sociais parecem espumar ódio por parte de setor
estúpido, egoísta e mesquinho da classe média. O racismo e o medo dos jovens pobres
trabalhadores parecem expulsar ofensas racistas profundas da alma dos usuários
das redes que veem marginalidade e assaltos na mera presença de tantos jovens.
O que os racistas escrevem contra os jovens negros das periferias é
intraduzível.
As reações da polícia são igualmente contraditórias,
violentas e simbólicas.
Impressionante a foto acima, montagem do 247 que ilustra este artigo. À esquerda um policial negro e jovem empurra
jovens sobre automóveis e explicitamente os constrange levantando-lhes as
roupas. Pena que as fotos não verbalizam os horrores que este e outros
policiais dizem ao “revistarem” jovens que apenas querem passear e se divertir.
Impressiono-me com a contradição. O policial é negro e jovem que
maltrata negros jovens. Tudo indica que esse policial se origina igualmente dos pobres
e da periferia de tudo.
Não conheço nenhum estudo da procedência social dos policiais
de São Paulo, mas não é difícil imaginar que a grande maioria se origine dos
setores mais empobrecidos e explorados da sociedade, portanto da periferia.
Muitos desses policiais são negros e seus familiares - irmãos, filhos, pais,
tios etc - apreciam funk e alimentam sonhos de consumo, muito evidentes em
shoppings.
Os policiais procedem dos pobres, mas batem neles movidos pela
ideologia dos ricos que se negam a pagar impostos para financiar a justiça
social. Os policiais são “obedientes” a uma hierarquia militar que manda
maltratar negros, pobres, trabalhadores humildes e desempregados.
Os policiais são lavados mentalmente pela ideologia do embranquecimento
e pela discriminação que privilegia os ricos.
Os policiais são mal pagos, semianalfabetos e pobres, mas que
aspiram vida de classe média e por isso desprezam os seus semelhantes.
O comando da polícia, que é essencialmente o governador de
São Paulo, que pertence a Opus Dei, de conteúdo fascista, usa a polícia paga com impostos dos pobres para defender os interesses da burguesia racista,
discriminatória e adepta da apartheid social, esvaziando homens e mulheres
fardados da consciência social.
A foto aí acima dá ideia do que a PM pensa e fala. Mas a
repórter da Folha Vanessa Bárbara ouviu policias dizerem para os jovens que “vou
arrebentar vocês, vou arrebentar” ‘-- e plaf, deu um chute em um menino’.
Indignada ela pediu que o “corajoso” policial que ameaçava e batia em jovens
desarmados gritando que se identificassem: "Licença – pediu Vanessa -
gostaria de saber o nome do senhor, ouvi o que o senhor disse e vi o que
fez", surpreendida com covardia dele
ao tirar “a etiqueta de identificação e escondeu no bolso. Insisti em saber o
nome, tentei tirar uma foto, recorri ao tenente e falei com outros policiais --
todos identificados.’
Sensibilizada, Vanessa conta que viu “gente filmando e sendo
obrigada a apagar o arquivo, e a imprensa foi orientada a não registrar o que
ocorria.
A gente fica só imaginando o que não devem fazer quando
ninguém está realmente olhando”, escreveu a jornalista.
É isso e muito mais o que as fotos dizem, meu querido Zulu. Esse muito mais é a falta de espaço para os
pobres. Os shoppings representam tudo como símbolo neoliberal de consumo e,
como sói acontecer com o capitalismo, só não têm lugar para os pobres. Estes
não têm lugar mais em parte alguma das cidades, a não ser nos consumos de
drogas e nas cadeias, para onde são expulsos pela classe média tradicional.
Eliane Brum do El Pais desenha bem a gritante exclusão a que
são jogados os jovens pobres quando escreve que “Jefferson Luís, 20 anos,
organizador do rolezinho do Shopping Internacional de Guarulhos, foi detido, é
alvo de inquérito policial, sua mãe chorou e ele acabou cancelando outro
rolezinho já marcado por medo de ser ainda mais massacrado. Ajudante geral de
uma empresa, economizou um mês de salário para comprar a corrente dourada que
ostenta no pescoço. Jefferson disse ao jornal O Globo: “Não seria um protesto,
seria uma resposta à opressão. Não dá para ficar em casa trancado”.
É uma resposta à opressão. Jefferson e milhares de jovens não
elaboram teórica e claramente o que sentem, mas carregam em seus seres
profundas marcas da opressão que as cidades lhes impõem. Mesmo desorganizados
conseguem mobilizar milhares pelas redes sociais e vislumbrar os símbolos da
riqueza e onde protestar, para que a cidade, o Estado e o País os incluam e os
respeitem.
Em São Paulo o prefeito Fernando Hadadd reconhece que o
rolezinho simboliza a falta de espaços na cidade e promete escutar os jovens
para entender seu movimento, suas necessidades e propostas. Esse é um dos mais
importantes caminhos: o de as autoridades, em vez de perverter o poder
respondendo aos problemas sociais com “soluções” policiais, dialogar e captar
as pressões que colocam em crise o que esmaga e destrói o povo.
Portanto, Zulu, esse movimento chamado rolezinho é muito
esperançoso pelo sentido profético que encerra. É o clamor por justiça em forma
de espaço e acolhimento na cidade. A cidade não deve mais ser de apenas alguns:
seus shoppings, aeroportos, ruas, praças, campos de esportes tem que ser de
todos.
O ideal é que o movimento rolezinho incipiente se organize
mais e inclua mais pessoas e setores insatisfeitos como as mulheres, os
trabalhadores, os papeleiros, os moradores de rua, os sem teto, os sem terra
etc.
Porém, cuidado com os oportunistas de direita: eles nada
fazem e não têm o que fazer para mobilizar o povo a favor do povo, mas tentarão
se aproveitar das mobilizações para criar caos e alimentar o golpe.
Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano.
Violência retratada pela foto: 4 jovens desarmados jogados brutalmente contra uma parede, um policial grosseiramente estrangula um deles com cassetete sem a direita a reação e defesa.
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