04/12/2013 - 11:47
“Ele imagina que tudo pode ser compreendido sem o mínimo esforço
intelectual”. Reflexões em torno de poema de Brecht, no século 21
O pior analfabeto é o analfabeto midiático.
Ele ouve e assimila sem questionar, fala e repete o que ouviu, não
participa dos acontecimentos políticos, aliás, abomina a política, mas
usa as redes sociais com ganas e ânsias de quem veio para justiçar o
mundo. Prega ideias preconceituosas e discriminatórias, e interpreta os
fatos com a ingenuidade de quem não sabe quem o manipula. Nas passeatas e
na internet, pede liberdade de expressão, mas censura e ataca quem
defende bandeiras políticas. Ele não sabe que o custo de vida, o preço
do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas. E que elas – na era da informação
instantânea de massa – são muito influenciadas pela manipulação
midiática dos fatos. Não vê a pressão de jornalistas e colunistas na
mídia impressa, em emissoras de rádio e tevê – que também estão
presentes na internet – a anunciar catástrofes diárias na contramão do
que apontam as estatísticas mais confiáveis. Avanços significativos são
desprezados e pequenos deslizes são tratados como se fossem enormes
escândalos. O objetivo é desestabilizar e impedir que políticas públicas
de sucesso possam ameaçar os lucros da iniciativa privada. O mesmo
tratamento não se aplica a determinados partidos políticos e a corruptos
que ajudam a manter a enorme desigualdade social no país.
Questões iguais ou semelhantes são tratadas de forma distinta pela
mídia. Aula prática: prestar atenção como a mídia conduz o noticiário
sobre o escabroso caso que veio à tona com as informações da alemã
Siemens. Não houve nenhuma indignação dos principais colunistas, nenhum
editorial contundente. A principal emissora de TV do país calou-se por
duas semanas após matéria de capa da revista IstoÉ denunciando o esquema
de superfaturar trens e metrôs em 30%.
O analfabeto midiático é tão burro que se orgulha e estufa o peito
para dizer que viu/ouviu a informação no Jornal Nacional e leu na Veja,
por exemplo. Ele não entende como é produzida cada notícia: como se
escolhem as pautas e as fontes, sabendo antecipadamente como cada uma
delas vai se pronunciar. Não desconfia que, em muitas tevês, revistas e
jornais, a notícia já sai quase pronta da redação, bastando ouvir as
pessoas que vão confirmar o que o jornalista, o editor e,
principalmente, o “dono da voz” (obrigado, Chico Buarque!) quer como a
verdade dos fatos. Para isso as notícias se apoiam, às vezes, em fotos e
imagens. Dizem que “uma foto vale mais que mil palavras”. Não é tão
simples (Millôr, ironicamente, contra-argumentou: “então diga isto com
uma imagem”). Fotos e imagens também são construções, a partir de um
determinado olhar. Também as imagens podem ser manipuladas e editadas
“ao gosto do freguês”. Há uma infinidade de exemplos. Usaram-se imagens
para provar que o Iraque possuía depósitos de armas químicas que nunca
foram encontrados. A irresponsabilidade e a falta de independência da
mídia norte-americana ajudaram a convencer a opinião pública, e mais uma
guerra com milhares de inocentes mortos foi deflagrada.
O analfabeto midiático não percebe que o enfoque pode ser uma
escolha construída para chegar a conclusões que seriam diferentes se
outras fontes fossem contatadas ou os jornalistas narrassem os fatos de
outro ponto de vista. O analfabeto midiático imagina que tudo pode ser
compreendido sem o mínimo de esforço intelectual. Não se apoia na
filosofia, na sociologia, na história, na antropologia, nas ciências
política e econômica – para não estender demais os campos do
conhecimento – para compreender minimamente a complexidade dos fatos.
Sua mente não absorve tanta informação e ele prefere acreditar em
“especialistas” e veículos de comunicação comprometidos com interesses
de poderosos grupos políticos e econômicos. Lê pouquíssimo, geralmente
“best-sellers” e livros de autoajuda. Tem certeza de que o que lê, ouve e
vê é o suficiente, e corresponde à realidade. Não sabe o imbecil que da
sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o
pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o
corrupto e o espoliador das empresas nacionais e multinacionais.”
O analfabeto midiático gosta de criticar os políticos corruptos e
não entende que eles são uma extensão do capital, tão necessários para
aumentar fortunas e concentrar a renda. Por isso recebem todo o apoio
financeiro para serem eleitos. E, depois, contribuem para drenar o
dinheiro do Estado para uma parcela da iniciativa privada e para os
bolsos de uma elite que se especializou em roubar o dinheiro público.
Assim, por vias tortas, só sabe enxergar o político corrupto sem nunca
identificar o empresário corruptor, o detentor do grande capital, que
aprisiona os governos, com a enorme contribuição da mídia, para adotar
políticas que privilegiam os mais ricos e mantenham à margem as
populações mais pobres. Em resumo: destroem a democracia.
Para o analfabeto midiático, Brecht teria, ainda, uma última
observação a fazer: Nada é impossível de mudar. Desconfiai do mais
trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece
habitual.
—
O analfabeto político
O pior analfabeto, é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, não participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
O preço do feijão, do peixe, da farinha
Do aluguel, do sapato e do remédio
Depende das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que
Se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política.
Não sabe o imbecil,
Que da sua ignorância nasce a prostituta,
O menor abandonado,
O assaltante e o pior de todos os bandidos
Que é o político vigarista,
Pilanta, o corrupto e o espoliador
Das empresas nacionais e multinacionais.
Bertold Brecht
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