Querido
Prof. André Luiz Ribeiro Justino
Vivenciamos nesta manhã grandiosa experiência com a
coordenação do Comitê da Educação da Ibrapaz ao conversarmos com deputados de
nossa Assembleia Legislativa de Goiás.
Conversar sobre a justiça e a paz, considerando suas
contradições e bases para a luta, é sempre muito construtivo e motivador. Nos
corredores da Assembleia Legislativa e em intervalos entre um encontro e outro com os deptados
me senti particularmente feliz por conversar contigo e com o prof. Maurício sobre
os apelos da justiça e da paz, motivos não somente do nome, mas da filosofia
essencial de nossa Ibrapaz. Incluo nessa alegria a homenagem que nossa Ibrapaz
receberá por nossa luta na defesa dos direitos humanos, na noite de hoje, da
Comissão dos Direitos Humanos, presidida pelo
comprometido Deputado Mauro Rubem, de nossa Assembleia Legislativa .
Porém, retorno a Nelson Mandela, um dos cadáveres mais plenos
de vida que o mundo vela nesse momento.
Muitos se perguntam nas redes sociais por que a mídia
tradicional, reconhecidamente de direita e neoliberal, portanto protetora dos
interesses dominantes e escravocratas, homenageia o grande Nelson Mandela. Eu
incluiria nessa pergunta a interrogação sobre a razão que move pessoas que
banalizam Lula, que debocham de José Dirceu, de Delúbio Soares, de José
Genoíno, condenados e presos sem provas, se arrogam em glorificadoras de Nelson
Mandela, que seguramente seria preso por Joaquim Barbosa se no Brasil
militasse.
Arvoro-me a pensar que vivemos num mundo polarizado
dinamicamente entre a luta pela justiça e as brutais e desumanizadoras
injustiças. Estas são concretamente violentas e degradantes da vida humana
Dinamicamente, porque de um lado o polo opressor - concentrador
de riquezas, de renda, de privilégios, de esbanjamentos, racista, machista,
colonizador, imperialista - dispara ações profundamente destrutivas contra os que julga
inferiores e malditos. De outro lado, muitos oprimidos despojados de
todos os direitos e dignidade, inclusive da consciência da causa da opressão
que os vitimiza e marginaliza, se aliam ao opressor, muitas vezes de modo obediente
e falsamente respeitoso.
Ouso afirmar que do lado dos opressores não há coração
aparente, mas racionalismo bestial e egoísta, que raciocina tudo em torno de
seus próprios umbigos. Todavia, contraditoriamente, o ser humano tão frívolo e
desalmado ainda tem coração e sentimentos, mesmo escondidos e encouraçados, e
admira pessoas tão radicalmente generosas e justas como Nelson Mandela.
A admiração a Nelson Mandela acontece principalmente por
direitistas e alienados distantes das áreas de conflitos e de conflagração das
lutas que o grande herói travou contra a opressão aos negros sul africanos por
parte dos brancos colonialistas. É infinitamente mais fácil admirar a bondade
quando se idealiza romanticamente os bondosos, sem nunca nada fazer pelos
injustiçados. Mais fácil ainda quando os heróis tombam. Parece fazer-se
descarga de culpas quando alienados e direitistas homenageiam Mandela.
Há ainda direitistas e seus aliados entre o povo que não
encontram generosidade, bondade e justiça entre seus pares. Nem há maneira de
isso acontecer. Não pode haver bondade e senso de justiça numa classe que
oprime e massacra outra para viver sem trabalhar e à sua custa, à custa de seus
sofrimentos. Por isso há opressores que admiram e se emocionam com a bondade do
lado que não é o seu.
Contudo, é possível que alguns direitistas se convençam da
enorme energia que emana de um povo abençoado pela luta pelos direitos outrora
esmagados. Dom Helder Câmara, referindo-se à ditadura militar no Brasil, dizia:
“por baixo de um capacete de militar há um ser humano”.
A história do povo sul africano mostra muito ódio por parte
dos brutalmente escravizados pela apartheid. Idris Elba, o ator que interpretou
Nelson Mandela no filme “Mandela: A Longa Caminhada para a Liberdade”, testemunhou a própria dor do ídolo de quem se tornou
personagem quando soube de um comentário inesquecível feito por Mandela sobre
os guardas que o maltratavam: ‘Eu odiava meus carcereiros, até perceber que se eu continuasse a
odiá-los eu ainda estaria na prisão’ (clique aqui para ler mais).
Noutras palavras, quem luta pela justiça deve saber lidar com
a dinâmica do ódio. Quem odeia é sempre humano. Como disse Mandela, “quem aprendeu
a odiar pode aprender a amar”. É preciso capacidade intelectual e inteligência
para interagir com quem odeia e reeducar as pessoas para amar e contá-las como
aliadas. Ouvi uma vez do comandante Borges
do Exército Popular Nicaraguense, que após a revolução sandinista todos os torturadores,
inclusive os que o torturaram, foram julgados e presos. Porém, o comandante se
propôs a visitar os presos para lhes fazer uma proposta. Quando o militar
entrou nas primeiras celas os condenados por atos contra a humanidade
esperavam dele revanche, com os mesmos métodos que criminosamente aplicaram contra os
revolucionários. Surpreenderam-se quando Borges lhes propôs novas armas para
uma nova luta. Convidou-os para se alfabetizarem para depois, armados de papel
e lápis, alfabetizarem outros irmãos nicaraguenses usando o método Paulo
Freire. Muitos aderiram e se humanizaram com a experiência libertadora por iniciativa
de um regime que se contrapôs ao ódio usando a metodologia libertadora da
alfabetização, inclusive a alfabetização do amor.
É verdade que há muitos no meio do povo, inclusive
trabalhadores, pobres e a chamada classe média baixa, que odeiam, que desprezam
e hostilizam pessoas caluniadas pela mídia e pela direita, sem ao menos se darem
ao trabalho de analisar se é verdade ou não o que dizem. Odeiam por ouvir falar, por influência da opinião dominante publicada. Odeiam injustamente.
O jovem Mandela muito cedo percebeu que os próprios chefes tribais, raízes de sua nobreza cultural, eram cooptados pelos governantes a serviço das minorias racistas e colonialistas. Depois deparou-se com o mesmo fenômeno nos missionários que chegavam da Inglaterra para "evangelizar" o seu povo. Todos viraram depósitos escuros e brutais dos entulhos ideológicos da segregação que esmagava mais e mais a alma do povo para roubar as riquezas da África do Sul.
Assim como os carcereiros pobres, muitos deles negros tão
odiados pelos brancos tanto quanto Mandela (a minoria de 13% que se apropriava
das terras e riquezas dos sul africanos, estes a maioria de 87%), congestionados pela
ideologia escurecedora e bestializante do racismo ajudavam a perseguir quem era
seu libertador, amigo e líder. Porém, como libertador e líder, coube a Mandela a
missão de ser amigo dos seus irmãos feitos inimigos para arrancar de seus
corações o ódio. E assim o grande líder, cujo cadáver a humanidade vela reflexiva,
articulou-se, primeiro com os inimigos imediatos para construir com
eles a paz entre todos os sul africanos, exemplo para a luta no mundo. Vale ressaltar que o núcleo dessa aliança de Mandela contra o ódio dos carcereiros nunca foi rendição às injustiças e ao racismo, mas ato de conquistar para a luta os corações enganados pelos racistas.
Essa é a grande sacada: construir alianças com pessoas feitas inimigas pelo engano imposto pela propaganda do opressor; libertá-las do ódio e das mentiras é derrotar a opressão.
Essa é a grande sacada: construir alianças com pessoas feitas inimigas pelo engano imposto pela propaganda do opressor; libertá-las do ódio e das mentiras é derrotar a opressão.
Penso, meu querido amigo André, que este é o momento de
decisão em favor da cordialidade em torno da luta pela justiça. Precisamos cada
vez mais aprender a conversar, a dialogar em respeito às diferenças reais entre
as pessoas e não na manutenção das discriminações que oprimem e distroem. O esforço em termos do encontro do leito comum da luta pela justiça
e pela paz carece da educação de aprendermos a ganhar as pessoas para a luta
permanente, mesmo as que se movem por ódio e pela admiração dos ídolos de pés
de barro da opressão desrespeitosa.
Viva Madila! Viva a dinâmica da luta!
Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano.
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