Sobre homens e escorpiões
Em texto exclusivo para o 247, o poeta Lula
Miranda adapta a fábula do sapo e do escorpião para os dias atuais;
nesta quarta-feira, conheceremos a verdadeira natureza do ministro Celso
de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal. Ele transportará a
sociedade brasileira, o direito de defesa e as garantias individuais até
a outra margem do rio? Ou cederá à peçonha das paixões políticas? O que
somos?, indaga o poeta. Juízes ou verdugos? Homens ou escorpiões?
Respostas, hoje, às 14h, no Supremo Tribunal Federal
Por Lula Miranda, especial para o 247
É bastante conhecida a
fábula do escorpião e do sapo. Ou alguma de suas variantes como, em sua
versão “budista”, a fábula do escorpião e o monge etc.
Na versão com o sapo,
ambos, o escorpião e o batráquio, estão na beira de um rio e necessitam
atravessá-lo: uma tarefa fácil para o sapo, impossível para o escorpião.
Este último então pede uma carona ao primeiro. O sapo, conhecedor da
peçonha do pequeno artrópode, diz que não o levará, pois este iria
certamente ferroá-lo. O escorpião o convence então de que não faria isso
porque senão se afogariam ambos – inclusive ele, escorpião. O que seria
uma estultice – arrematou sagaz. Ao que o sapo por fim se convence e
resolve ajudá-lo a atravessar o rio. Quando, já no meio da travessia,
sente a dor aguda da ferroada. Perplexo, questiona o seu carona que lhe
responde impávido: essa é a minha natureza.
Na versão do monge, temos o homem e o escorpião como personagens da parábola ou da fábula.
Um homem é um homem; um
escorpião é um escorpião. Isso não lhes parece uma platitude, uma
obviedade? Deveria ser. Mas nem sempre é assim. Por vezes homens e
escorpiões se confundem e se misturam; não somente nas fábulas, mas na
realidade dos dias. Algumas vezes, em algumas ocasiões, o homem, tal
qual o escorpião, está inexoravelmente encalacrado e “atado” à sua
natureza primeva, “peçonhenta”.
O homem e o escorpião por vezes são seres bastante parecidos – para muito além das fábulas.
Na sessão do STF, que
julgará a admissibilidade (ou não) dos embargos infringentes, estaremos
diante da decisão de um juiz que poderá dar o seu voto em consonância
com o que supostamente estaria a clamar a multidão, a chamada “turba
ignara” – na verdade, essa não é, em absoluto, a expressão da vontade de
multidão alguma, mas da grande imprensa mercantil e dos tucanos e
demais antagonistas do PT em geral –, ou poderá/deverá julgar e votar de
acordo com o que está previsto no regulamento, no cânone da Suprema
Corte, que prevê a aceitação dos embargos infringentes quando existem 4
votos a favor do(s) réu(s)?
Remetendo-nos à fábula do
escorpião, o ministro Celso de Mello nos dará uma demonstração da
possibilidade (ou da impossibilidade) de um homem, ali colocado na
condição de juiz, julgar e votar em estrito respeito e observância da
lei e dos direitos, líquidos e certos, dos réus; ou, em vez disso, se
deixar levar pela “multidão” ou por sua natureza, pela “peçonha”, pelo
seu instinto [seu e de alguns de seus pares] e assim afundar no
arbítrio, na intolerância, na injustiça.
É possível um juiz julgar alheio às suas paixões e predileções políticas?
Centenas, milhares de
juízes, muitos dos quais recém-ingressados na magistratura; milhares dos
chamados “operadores do direito” estarão de olho na decisão do ministro
Celso de Mello, pois esta poderá lhes servir como uma lição definitiva.
Poderá servir como lição capital.
Não só aos jovens juízes,
e tampouco aos réus, mas, sobretudo, a todos nós. Pois o que está em
jogo não é tão somente algo essencial à Justiça e ao Direito. E, também,
essencial para o respeito à hombridade, à dignidade e à vida dos réus e
de suas famílias – como se isso em si e por si mesmo já não fosse o
bastante.
O que está em jogo, para
nós todos, e não somente para os ditos “operadores do direito”, é uma
questão fundamental, que diz respeito ao Estado de Direito e à cidadania
– que devem, por princípio constitucional, estar preservados e
protegidos.
Protegidos e preservados
inclusive da peçonha e vilania de alguns homens, cuja natureza em tudo
se assemelha, perigosamente, aos escorpiões e outros bichos.
Lembro-me de alguns
ministros vociferando “marimbondos de fogo”, escorpiões, cobras e
lagartos em algumas sessões da AP 470, dando vez e voz às suas paixões
políticas e, despudoradamente, despindo-se da sua condição de
magistrado. Uma desabrida falta de pudor. Uma vergonha. Que passou na
TV, como um espetáculo infame, promíscuo. Ao vivo e em cores.
O que me remeteu àquilo que predizia o poeta Augusto dos Anjos: “Acostuma-te
à lama que te espera!/O homem, que, nesta terra miserável/ Mora entre
feras, sente inevitável/ Necessidade de também ser fera”.
O que somos?
Juízes ou verdugos?
Homens ou escorpiões?
Conseguiremos ao final alcançar a outra margem do rio?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seus comentários serão publicados. Eles contribuem com o debate e ajudam a crescer. Evitaremos apenas ofensas à honra e o desrespeito.