Querido Pai de Santo Lucas Junot
Dutra Morisson
A matéria feita
contigo no jornal online Campo Grande News (aqui)
causou-me profunda impressão e admiração. Comentei-a com meu amigo Pai Kênio
daqui de Goiânia, presidente da Federação Umbandista e Babarolixás de Goiás.
Tua juventude e
cultura mostram o entusiasmo de alguém com enorme disposição para vencer o
caminhão de preconceitos que sofres.
Mas o que mais
me emocionou no teu comportamento é a disponibilidade que imprimes ao escutares pacientemente as pessoas em teu terreiro. Sublinho como nobilíssima tua
disposição de morar no terreiro para viver mais tempo junto às pessoas e
escutá-las na sua necessidade de conversar com quem as “escute bonito mais do
que quem fale bonito”, como diz Rubem Alves eu seu poema. Escutar as pessoas é
humanizador, meu querido amigo.
Chamou-me a
atenção tua declaração de que não retiras nenhum centavo das economias das
pessoas, pois vives de tua própria profissão. És jornalista. Elas não pagam
nada para frequentar teu espaço de culto e de ensino religioso. Sem dúvidas,
num contexto em que as denominações religiosas são grandes balcões de negócios
e de golpes à economia popular, dás enorme testemunho de respeito ao povo e
seus sofridos salários. Parabéns, meu irmão. Certamente os pastores e padres da
afamada igreja mediática deveriam aprender muito contigo. Eles arrancam pesados
“dízimos” do povo e com isso compram luxo, aviões, hospedagem nos mais caros
hotéis e passeiam por todo o mundo. Tanto que aqui no Brasil vivem, graças à
inocência de milhares de crentes, os 5 mais ricos pastores do mundo. Aliás,
eles são muito ricos e capachos da classe dominante, como informou a Revista
Forbes.
Pois bem, meu
amigo, se já leste matérias que produzo aqui neste blog percebeste que sou
profundamente respeitador dos religiosos e de suas denominações. Não discrimino
ninguém, embora não precise concordar com todos. Sou professor de alunos de
vários seguimentos religiosos e nunca me atritei com nenhum. Há pouco
participei de um evento aqui em Goiânia chamado “Craques da Paz”. No Centro
Cultural Oscar Niemayer integrei uma mesa redonda com pastores evangélicos, com
judeus, budistas, espíritas, umbandistas, católicos romanos e outros para falar
sobre a paz. Integro um grupo denominado “Vivência Ecumênica”, com participação
de inúmeras denominações como luteranos, batistas, presbiterianos, episcopais, católicos romanos, espíritas
etc. Presido uma instituição que objetiva trabalhar a consciência de cidadania,
nacionalidade, direitos humanos, direitos sociais e milhares de projetos, cujo
nome é “Irmandade Brasileira Justiça e Paz” – IBRAPAZ – integrada por variadas denominações
religiosas entre cristãs e não cristãs. Seguidamente faço palestras e visito vários
cultos de igrejas diferentes. Sinto enorme alegria em conhecer a diversidade
religiosa de nosso País.
Neste artigo,
contudo, pretendo enfrentar um mal que infesta perigosamente as relações
sociais brasileiras. Titulo o comportamento de correntes ditas cristãs,
principalmente em setores evangélicos e católicos romanos, de “religiosidade
pau de arrasto da direita”.
Pastores e
padres marionetes da direita nacional e internacional não são novidades no
Brasil. No caldo que se criou em torno de 1964, para favorecer o golpe de
Estado contra a democracia, gerando o sufocamento das liberdades com
perseguições, prisões, torturas e mortes de estudantes, mulheres,
trabalhadores, intelectuais, religiosos e até de empresários nacionalistas, que
acabou por render a soberania do Brasil ao imperialismo, contou com a
participação de evangélicos e de católicos romanos. Igrejas presbiterianas,
batistas e outras reuniram seus crentes para orar contra a invasão do comunismo
e a dominação do Brasil pela União Soviética e por Cuba, segundo a paranoia que inventaram. Alguns padres, bispos
e madames católicos romanos faziam novenas com o mesmo objetivo e promoveram a
famosa “marcha da família com Deus pela liberdade” sob o princípio de que “a
família que reza unida permanece unida”.
Vale divagar um
pouquinho para entender o que é liberdade para esses seguimentos de direita do
cristianismo. Trata-se de fantasia de que o comunismo tira todos os bens das pessoas,
manda matar quem tem fé e impõe a ditadura proibindo a liberdade de culto.
Liberdade para esse tipo de pensamento medíocre é submeter-se ao imperialismo
americano e às botas dos terroristas de direita, como aconteceu no Brasil de
1964-1985.
Agora se impõe à
luz do sol o fundamentalismo evangélico unido ao fundamentalismo de seguimentos do católico
romano, estes bastante sustentados pela Opus Dei, pela TFP, pelo carismatismo e
outros grupos altamente conservadores, mas apaixonados por dízimos e pelo poder
político.
Os
fundamentalismos ditos cristãos são, reafirmo, essencialmente de direita e
marcantemente de comportamento fascista e nazista. Eles não gostam que os
analisemos. Logo nos acusam de julgá-los e de sermos intolerantes, fazendo o
jogo do mecanismo de defesa definido por S. Freud, de projetar nos outros o que
eles pensam e fazem.
Aqui é bom que
se ressalte que enquanto o pentecostalismo em outros países latinos americanos,
como na Nicarágua, por exemplo, os crentes são revolucionários e politicamente
progressistas, interessados na Pátria e no povo, aqui no Brasil seguimentos
carismáticos, tradicionais e pentecostais são apêndices da direita capitalista e neoliberal, fundamentalistas fanáticos.
Os
fundamentalistas são extremamente “políticos” no sentido de que atuam em favor
do mercado. O que obedece a uma lógica por parte deles. Temem o fortalecimento
do Estado, principalmente de um modelo que invista nos direitos sociais e na
elevação da consciência cidadã e de direitos do povo. Tremem em face da
laicidade do Estado porque sabem que um povo consciente e culto não será massa
fácil de manobrar nem de explorar. Avaliam que a qualidade de vida elevará a
percepção de que fé e chantagem emocional na ênfase de curas e milagres não se coadunam,
que conhecimento, ciência e educação popularizadas tirarão muitos “clientes” que
sustentam o luxo e chantagem que os faz ricos e “influentes”. Por isso temem o
Estado e sua alma laica.
Por serem de
direita os fundamentalistas visam o poder, contraditoriamente, na tentativa de
privatizá-lo nas mãos de uma confederação de igrejas. Querem o Estado, seja nos
níveis municipais, estaduais e até federal. Ao eleger vereadores e deputados
incham seus gabinetes de pastores e empregados das igrejas recebendo altos salários. Por
isso também fogem da laicidade do Estado como o diabo da cruz. Via de regra, os
“funcionários” crentes não aparecem aos postos de “trabalho” porque se dedicam
à “evangelização”, afinal eles visam dominar o Brasil e fazê-lo o maior País
“evangélico” do mundo, ainda mais com pré-sal, com petróleo etc. Já pensaste?
Seria o paraíso para a direita angelical.
Caso tenhas dúvidas de que os
fundamentalistas busquem o poder basta que recordes das eleições de 2010. O
mais hostil de seus chefes, o terceiro pastor mais rico do Brasil e do mundo, Silas
Malafaia, fez campanha eleitoral para José Serra. Em 2012 a mesma coisa. Ora,
até mesmo as árvores aqui de minha rua conhecem a ideologia desse pregador
gritão e do privatista neoliberal de direita, José Serra. E seus compromissos com os que já foram governo federal e do Estado de
São Paulo. Malafaia e outros mobilizados por ele não esconderam e não escondem
suas preferências ideológicas da direita fundamentalista. O teólogo Carlos
Eduardo Calvani, ao reagir em face da composição e objetivos da “marcha com
Jesus” acontecida em Campo Grande – MS em agosto de 2013, acertadamente escreveu (aqui): “Não nos iludamos. Os evangélicos têm um projeto de
tomada de poder na sociedade brasileira. Os evangélicos têm um projeto político
muito perigoso para o Brasil. Utilizam as Escrituras Sagradas do modo como lhes
convém, para interferir na Comissão de Direitos Humanos, para propor ou alterar
leis e infringir descaradamente as cláusulas pétreas da Constituição Federal.
Eles se infiltram nos partidos e conseguem ser eleitos para cargos no executivo
e no legislativo.” Adiante Calvai alerta para o risco que são certos
evangélicos de direita: “São mesquinhos e egoístas. Seus princípios são os da
promiscuidade “igreja-estado”. A bancada evangélica é, comprovadamente, a mais
inútil do Congresso Nacional.
No fundo, seu projeto é acabar com as manifestações religiosas com as quais não compartilham, sejam elas católico-romanas, espíritas, do candomblé, umbanda ou de qualquer outra religião que não a deles; desejam interferir na orientação sexual privada das pessoas “em nome de Deus”; fazem acusações levianas de que o movimento LGBT deseja acabar com as famílias; querem dominar o Ensino Religioso nas Escolas Públicas e, se conseguirem tomar o poder, não hesitarão em se infiltrar nas forças armadas utilizando o potencial bélico brasileiro para seus objetivos.”
E mais, escreve Calvani: “Sim, matarão se for
preciso, invocando textos bíblicos, o “Deus guerreiro” do Antigo Testamento e
seus exércitos sanguinários; sim, destruirão o “Cristo Redentor” e qualquer
outro monumento de outra religião; sim, se tiverem pleno poder proibirão o
carnaval, festas juninas, romarias marianas, terreiros de candomblé e exigirão
conversão forçada a seu modelo de vida e à sua religião; o fundamentalismo que
os inflama não terá qualquer restrição em proibir shows populares, biquínis nas
praias e utilizarão armas químicas para fazer valer seus ideais. Viveremos um
“talibã evangélico”, com homens com o mesmo olhar raivoso de Malafaia, e gays
internados em campos de concentração para que sejam “curados”.
Calvani tem razão quanto aos instintos de fome de
poder e de terror desse setor distorcido da fé cristã. Tanto que a seguir os
vereadores evangélicos fundamentalistas atuantes em Campo Grande desfilaram se
revezando na tribuna em ataque ao seu artigo, sem nenhuma análise profunda nem
aceitando a crítica. O risco à democracia e ao respeito é tão grande que
Calvani recebeu ameaças, como ele mesmo relata: “Ele contou, por e-mail, que
recebeu duas ligações anônimas de pessoas ofegantes na manhã de hoje. Como não
dispõe de binas no aparelho telefônico, o reverendo, que está há três anos em
Campo Grande, ficou assustado com a repercussão. Ele contou que sua esposa está
preocupada com os filhos do casal, que são pequenos.”
Nota bem Lucas, eu não estava aí em Campo Grande
quando aconteceu essa “marcha para Jesus”, na verdade marcha dos
preconceituosos e dos fundamentalistas de direita. Por isso me socorro
novamente do teólogo e professor de teologia em faculdades evangélicas, dr.
Carlos Eduardo Calvani, que cita o triunfalista Silas Malafaia, quando este se
pronunciou aos esguichos e arroubos de estupidez no microfone luxuoso dos
“santos” de direita. “Alguns dirão que estou exagerando. Porém, Malafaia disse
ao microfone: “Nós declaramos que vamos tomar posse dos meios de comunicação,
das redes de internet, do processo político, nós vamos fazer a diferença, vamos
influenciar o Brasil com o evangelho de Jesus”. [Sabemos o que ele chama de
evangelho de Jesus].
Para definir sua
marca os fundamentalistas se caracterizam por ser contra a esquerda e,
como os fariseus do tempo de Jesus, pegam qualquer coisa que julguem errada para
tumultuar o projeto nacional de desenvolvimento e a paz social. Nota bem Lucas, para os
fundamentalistas não importa a verdade, mas o que eles denominam de verdade.
Exemplifico com
alguns pontos bastante evidentes. Seus defensores andam por aí em sites,
jornais, redes sociais, TVs – eles são apaixonados por televisão – a pregar que o Ministério
de Educação é contra a família. Dizem que agora importa uma família
onde não haja pai e mãe, mas pai-pai e mãe-mãe. Disseminam o ódio aos
homossexuais à exaustão, aferrados ao preconceito homofóbico, sempre de Bíblia
em punho, torcendo-a a granel em atendimento ao comportamento discriminatório
que os marca.
Com relação aos
que militam no campo democrático, socialista, marxista e progressista eles não
poupam energia em acusá-los de ateus, de tentar transformar o Brasil numa Cuba,
numa China, numa Venezuela e outros modelos determinantes de suas mentes delirantes.
Para reforçar
ainda mais a tese de que se robustece no Brasil o fundamentalismo com nuances moralmente
conservadoras, com característas fascistas, é possível ainda arrolar intermináveis
exemplos de como agem em busca do poder na sociedade. Darei mais dois, para não
alongar mais esse texto.
No dia 25 deste mês o site Pragmatismo político
noticiou o caso de uma patroa evangélica que perseguiu e constrangeu uma
trabalhadora de sua empresa porque ela é católica. O preconceito é tão grande
que a pregação era em torno da ideia de que se a trabalhadora se convertesse "se
livraria do mal e se tornaria uma boa funcionária". Felizmente, denunciada
à justiça a empresa indenizará a mulher por preconceito e discriminação.
Outra discussão que gira pela internet e demais mídias, principalmente
em São Paulo, mostra a guinada lastimosa que a Igreja Metodista deu à direita,
graças ao movimento carismático que começou em suas entranhas na década de 70. Com
fortes conotações fundamentalistas cresce a influência dessa corrente conservadora
dentro daquela igreja, retirando-a das relações ecumênicas e dos movimentos
sociais. Culmina agora, de modo autoritário, em busca de poder, a caça às
bruxas na UMESP – Universidade Metodista de
São Paulo - uma das melhores instituições superiores privadas do País. O curso de teologia, nota A pelo MEC, onde
Carlos Eduardo Calvani doutorou-se em Ciências da Religião, por pressão do
outrora progressista Colégio Episcopal da Igreja Metodista, por chantagem dos carismáticos conservadores, como nos tempos da ditadura militar,
faz varredura para expurgar os melhores e mais sérios professores com mestrado
e doutorado, muitos deles reconhecidos e respeitados internacionalmente.
Portanto, não há dúvidas de que os fundamentalistas não querem somente ir
para um céu opaco e chato, mas buscam vantagens do poder onde quer que elas
estejam aqui mesmo nesta terra, principalmente onde haja dinheiro, muito
dinheiro.
Em conclusão te
diria que os setores “cristãos”, os de “religiosidade pau de arrasto da
direita”, caracterizam-se por serem moralistas. Como nos tempos de Jesus
apegam-se a aspectos morais para apedrejar e destruir quem não se comporta e
pensa como eles. Transbordam aeticamente de seus arraiais para interferir odiosamente na sociedade. Portanto, temos tudo para denunciá-los e criticá-los.
São
divisionistas. Seus discursos raivosos e atitudes arrogantes são no sentido de se afirmar superiores aos demais e de dividir a sociedade entre os santos - eles - e os endemoniados, principalmente os de esquerda. Somente eles se têm como certos. Eles se pensam
justos e detentores de Deus, do céu e da prosperidade, acima e
melhores do que todos.
São idólatras.
Acusam católicos de serem idólatras, como o macaco falando mal do rabo dos
outros. Eles idolatram a sua experiência de fé, que estigmatizam com certas
manifestações corporais, vocábulos e frases rotineiras. Para eles somente quem aceita Jesus do jeito deles é
cristão. Daí carimbam a aceitação de Jesus como uma experiência única e emotiva. Esta
experiência vira idolatria: só quem a tem aceitou Jesus. Os outros, não. Nesse
sentido seus discursos são sempre os mesmos. Mudam os textos bíblicos, mas a
falação idolátrica é a mesma.
Idolatram a
leitura pessoal, individualista e não estudada da Bíblia. Leem-na literal e
verbalisticamente. Ligam versículos com outros apenas pela semelhança de vocábulos, numa verborragia fanática sem sistematicidade. Não percebem linha teológica séria em nada. Sua leitura
acaba não sendo da Bíblia. Por ser amarrada no experencismo idolatrado a Bíblia
passa a ser leitura confirmatória do que eles pensam. A Bíblia é uma "santa" perfeita que eles "pedestalizam". Deus fala direta e individualmente com eles, sem os dados da revelação e da comunidade. Chegam a dizer: "Deus me falou..." Destroçam a história e a realidade. Tiram Jesus da história e
o fazem personagem celestial, abstrato e poderoso, como um rei da antiguidade e da Idade Média. Assim atendem melhor a ideologia da
direita, que não se apega a verdade alguma, mas tão somente a seus próprios
discursos e definições.
Alegam que
quando participam de seus cultos Deus se revela. Saem de lá felizes, aliviados
e prontos para as batalhas contra o inimigo. Nunca vêm Deus na luta para
transformar a sociedade injusta e massacrada pelo neoliberalismo, pois seus
líderes os desviam de tais preocupações. Seus pastores são verdadeiros eleitos
e ditadores de dogmas. Os pastores falaram Deus falou por eles. Ponto final.
Para os
fundamentalistas o Brasil tem que ser alcançado por "Cristo", isto é, por eles,
sem declarar publicamente seus objetivos debatidos em reuniões de obreiros e nas articulações
com a direita pesada neste País e no exterior. O povo, para eles, é pura massa usável e de
manobra ou um detalhe para seus propósitos.
Então Pai Lucas,
o objetivo aqui não é falar do que não existe nem sermos preconceituosos com
nossos irmãos brasileiros desencaminhados pelo fundamentalismo. O importante é
denunciar a direita e suas artimanhas num dos campos mais sensíveis, que é o
religioso, rico em mitos, fantasias e delírios.
O grande desafio é a
unidade em torno do Brasil, da justiça e da paz, que só acontecem com
desenvolvimento soberano do Brasil e com a participação democrática e
responsável de todos nós, sem espaço para a alienação e a manipulação.
Abraços críticos
e fraternos na luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil:
bispo cabano, farrapo e republicano.
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