A segregação é uma cultura e impregna o instinto. A reação
ao diferente é impulsiva, irracional. Como a do ianque que despreza muçulmano
por identificar nele um terrorista em potencial; do judeu sionista em relação a
árabes; do branco racista frente ao negro; do cristão homofóbico diante de um
homossexual.
Essa cultura nefasta impregna também governos e
instituições. Chega a ser atávica, inconsciente. A família diz não ser racista,
até o dia em que a filha, branca, loura, de olhos claros, apresenta o namorado
negro...
Caso recente foi a obstrução do voo de Evo Morales, de
Moscou a La Paz, em julho deste ano. Supondo que viajava a bordo o jovem Edward
Snowden, que revelou como os serviços secretos estadunidenses espionam o mundo,
os EUA convenceram França, Itália, Portugal e Espanha a impedirem escala
técnica em seus territórios, obrigando a aeronave a pousar em Viena, onde foi
revistada.
A 18 de agosto, David Miranda, companheiro do jornalista
Glenn Greenwald, que mora no Rio e divulgou as denúncias de Snowden, ficou 9
horas retido no aeroporto de Londres, onde faria uma escala de duas horas ao
viajar de Berlim ao Rio. Confiscaram seus equipamentos eletrônicos, incluindo
celular, computador, câmera, cartões de memória, DVDs e jogos.
O objetivo da polícia britânica, monitorada pelos EUA, era
obrigar Miranda a revelar senhas e códigos do material que trazia de Berlim,
onde havia se encontrado com a documentarista Laura Poitras, para dar
prosseguimento ao documentário que Glenn Greenwald está fazendo sobre as
informações da NSA, reveladas por Snowden sobre como os EUA espionam o planeta.
Eis a lógica do poder: pune-se quem denuncia o crime e não
quem o comete.
O pior é como a grande mídia dá pouca importância a tais
atos segregacionistas. Aconselhados por Paulo Freire, façamos o exercício
contrário e coloquemos o opressor no lugar do oprimido. Como reagiria a mídia
se o avião de Obama fosse interceptado por caças de um país africano? Qual
seria o impacto se a filha de George W. Bush fosse detida, ao desembarcar no
Brasil, por ter um pai que defende a tortura de supostos terroristas, crime
considerado inafiançável por nossas leis?
Nossa cultura segregacionista reduz a pessoa à sua função,
origem, cor, condição social. Quem de nós indaga o nome do garçom que lhe
serve?
Em julho, a atriz estadunidense Oprah Winfrey entrou em uma
loja de Zurique, na Suíça, e pediu para ver uma bolsa que custava o equivalente
a R$ 90 mil. A lojista se recusou, supondo que, por ser negra, a consumidora
não tinha como pagar aquele preço.
Um amigo que pesquisa o tema fez, há pouco, um teste em um
restaurante de luxo de São Paulo. Vestiu duas mulheres e um homem, todos
brancos, com jeans esfarrapados, como dita a moda, e enviou-os ao restaurante.
Foram acolhidos com derramadas cortesias.
Uma semana depois, um trio de negros chegou ao mesmo
restaurante vestindo a mesmas roupas do trio de brancos. O porteiro encarou-os
como se fossem mendigos, chamou o maitre, que chamou o gerente, que chamou o
dono. O ingresso foi permitido, mas o clima segregacionista perdurou no
ambiente.
[Frei Betto é escritor, autor de "Aldeia do Silêncio”
(Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org- twitter:@freibetto.
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