Querido amigo Daniel
Neste final de semana
um novo entusiasmo me animou, meu amigo.
Explico: neste domingo
o jornal Folha de São Paulo publicou entrevista com o famoso advogado Ives
Gandra. Este experimentado advogado respondeu perguntas sobre a Ação Penal 470
do Supremo Tribunal Federal, o mal denominado “mensalão” pela mídia servil e
chamado de “mentirão” pelos que não creem que ele seja justo e verdadeiro.
Para entender a
entrevista, já amplamente divulgada e lida desde ontem, aqui o meu objetivo é o
de refletir sobre o que a subjaz, que posto abaixo, é justo entendermos um
pouco o próprio advogado Ives Gandra.
Ninguém diz nem escreve nada se não a
partir do que é, do que pensa e de onde se coloca ideologicamente.
As informações sobre o
currículo de Ives Gandra permitem entender que ele se situa à direita
politicamente em relação aos principais condenados na AP 470. Sobre a direita
escreverei mais no próximo artigo, que talvez seja postado ainda hoje aqui.
O que diz que Ives
Gandra se posiciona na ala direita, conservadora e reacionária no universo
político brasileiro?
Gnadra participa da
ordem católica romana altamente conservadora e violenta chamada “Opus Dei”. Essa
organização conta em seus quadros com pessoas como Geraldo Alckmin, governador
do Estado de São Paulo. Ora, este senhor
é neoliberal, anti presença política do Estado na economia, a favor do caos
promovido pela malfadada economia de mercado, que adora o deus lucro em primeiro
lugar e o lucro da minoria dominante e privilegiada. A Opus Dei dominou a
própria cúria romana no Vaticano durante os papados dos conservadoríssemos e
neoliberais papas João Paulo II e Bento XVI. Há fortes suspeitas de suas
ligações com o assassinato do papa sorriso João Paulo I como também de ameaças
de morte ao atual papa Francisco, se ele divergir muito à esquerda em relação à
máfia que se imiscui no Vaticano.
Ives Gandra é professor
emérito da universidade Mackenzie de São Paulo, pertencente a uma ala
protestante extremadamente de direita, usada como barricada de apoio ao golpe e
ditadura militar de 1964 no Brasil. A direção daquela universidade ajudou a
perseguir, prender e matar professores e alunos nos porões de torturas da
ditadura.
Para completar seu
currículo que identifica seu estruturado modo de ver a vida somente pelo lado
direito da avenida da existência, o advogado Ives Gandra foi professor da
famosa Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola
Superior de Guerra. Estas instituições, talvez hoje transformadas, aliaram-se à
orientação ideológica das escolas militares dos Estados Unidos e de lá trouxeram
a formação conservadora golpista contra a soberania da Nação Brasileira, desembocando
no golpe e na ditadura que afundou nosso País nas trevas de 1964 a 1985, com
gigantescos prejuízos à nossa democracia em todos os setores.
Nos debates com representantes
de esquerda e do governo Lula Gandra sempre foi intransigente defensor do mercado
e contra o projeto de desenvolvimento nacional com distribuição de renda e com
promessas de partilha de riquezas. Como direitista nunca guardou respeito por
lideranças do povo.
Por que me refiro a
esse levantamento curricular de Ives Gandra? É evidente que o faço com
respeito, mas consciente da visão de mundo desse agente do debate.
Ora, Daniel, o debate
hoje confunde-se entre preocupações sérias, calúnias e afirmações grosseiras de
quem nada entende do que escreve, fala e o faz irresponsavelmente. Não me
preocupo com os que ofendem e agridem através de artigos ou mensagens nas redes
sociais por serem de direita e mau caráter. Esses a gente exclui, bloqueia e
acabou. São asnos indomáveis. Não vale a pena a tentativa de debater com eles. São
autoritários e metidos a donos da verdade. Porém chego a angustiar-me, isto
sim, com pessoas boas, generosas e justas que se deixam envenenar com as
barbaridades que a mídia e a direita injetam nas almas inocentes. Alguns amigos
meus, que postam nas redes sociais barbaridades em termos de mentiras e
tentativas de destruição de imagens alheias, é muito triste. O mérito deles é o de desejar participar
democraticamente, mas ferem a justiça e a verdade quando se deixam arrastar
pelas mentiras que os poderosos aparelhos da dominação impõem.
Pois bem, com Ives
Gandra aprende-se que é possível divergir, mas é viável ser verdadeiro quando
se é honesto, mesmo que se seja de direita. Imagino a angústia desse homem ao
perceber-se em face de tantas mentiras e violências praticadas por Joaquim
Barbosa e seus companheiros no STF, servis cegos e imbecilizados pela mídia
nojenta e mentirosa. Na entrevista que muita gente já leu, sempre vale a pena
reler para encontrar verdades nas entre linhas, deixa entrever a angústia que
viveu e, embora delicado, na deixa de desmentir condenações sem provas com base
numa teoria suspeita e nazista, a aludida “teoria do domínio do fato”. Meu Deus,
que coisa horrorosa esse princípio que condena pessoas com base em suspeitas,
em desconfianças, em achar que por tal coisa e por tal fala as pessoas são
culpadas e condenadas. Que teoria mais vulgar, comadresca e acientífica,
verdadeiro atentado à justiça e ao judiciário.
É evidente, Daniel, que
por mais que os coxinhas, alienados, comprados e direitistas esperneiem não
podemos, sob-hipótese alguma, sob pena de sermos injustos e coniventes com a
mentira, aceitar esse golpe que juízes comprometidos com o obscurantismo querem
dar contra a democracia, a verdade e a justiça.
Acolho a contribuição
do advogado Ives Gandra com muito boa vontade. Há que sermos tolerantes com
quem constrói a verdade e a justiça, não importa sua matiz ideológica. O mérito
que emperra às correntezas da verdade é o de ler os autos e não o de se guiar
pelo que a mídia diz e escreve. Essa é a sua inteligência.
É essa a lição que temos que recolher do
advogado Ives Gandra: a de não nos orientarmos pelo que os outros
matraqueiam, mas buscarmos as fontes e nelas bebermos as informações que nos conduzem aos rios de água fresca e límpida da verdade.
Repito: posto abaixo a
entrevista de Ives Gandra, dada à colunista da Folha, a senhora Mônica Bergamo.
Abraços críticos e
fraternos na luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo
cabano, farrapo e republicano.
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Entrevista
Mensalão o julgamento
Dirceu foi condenado sem provas, diz Ives Gandra
Jurista afirma que julgamento abre esperança de punição a corruptos, mas cria 'insegurança jurídica monumental'
MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA
O ex-ministro José Dirceu foi condenado sem provas. A teoria do domínio
do fato foi adotada de forma inédita pelo STF (Supremo Tribunal Federal)
para condená-lo.
Sua adoção traz uma insegurança jurídica "monumental": a partir de
agora, mesmo um inocente pode ser condenado com base apenas em
presunções e indícios.
Quem diz isso não é um petista fiel ao principal réu do mensalão. E sim o
jurista Ives Gandra Martins, 78, que se situa no polo oposto do
espectro político e divergiu "sempre e muito" de Dirceu.
Com 56 anos de advocacia e dezenas de livros publicados, inclusive em
parceria com alguns ministros do STF, Gandra, professor emérito da
Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e
da Escola Superior de Guerra, diz que o julgamento do escândalo do
mensalão tem dois lados.
Um deles é positivo: abre a expectativa de "um novo país" em que políticos corruptos seriam punidos.
O outro é ruim e perigoso pois a corte teria abandonado o princípio fundamental de que a dúvida deve sempre favorecer o réu.
Folha - O senhor já falou que o julgamento teve um lado bom e um lado ruim. Vamos começar pelo primeiro.
Ives Gandra Martins - O povo tem um desconforto enorme. Acha que
todos os políticos são corruptos e que a impunidade reina em todas as
esferas de governo. O mensalão como que abriu uma janela em um ambiente
fechado para entrar o ar novo, em um novo país em que haveria a punição
dos que praticam crimes. Esse é o lado indiscutivelmente positivo. Do
ponto de vista jurídico, eu não aceito a teoria do domínio do fato.
Por quê?
Com ela, eu passo a trabalhar com indícios e presunções. Eu não busco a
verdade material. Você tem pessoas que trabalham com você. Uma delas
comete um crime e o atribui a você. E você não sabe de nada. Não há
nenhuma prova senão o depoimento dela --e basta um só depoimento. Como
você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada,
você deveria saber. Todos os executivos brasileiros correm agora esse
risco. É uma insegurança jurídica monumental. Como um velho advogado,
com 56 anos de advocacia, isso me preocupa. A teoria que sempre
prevaleceu no Supremo foi a do "in dubio pro reo" [a dúvida favorece o
réu].
Houve uma mudança nesse julgamento?
O domínio do fato é novidade absoluta no Supremo. Nunca houve essa
teoria. Foi inventada, tiraram de um autor alemão, mas também na
Alemanha ela não é aplicada. E foi com base nela que condenaram José
Dirceu como chefe de quadrilha [do mensalão]. Aliás, pela teoria do
domínio do fato, o maior beneficiário era o presidente Lula, o que vale
dizer que se trouxe a teoria pela metade.
O domínio do fato e o "in dubio pro reo" são excludentes?
Não há possibilidade de convivência. Se eu tiver a prova material do
crime, eu não preciso da teoria do domínio do fato [para condenar].
E no caso do mensalão?
Eu li todo o processo sobre o José Dirceu, ele me mandou. Nós nos
conhecemos desde os tempos em que debatíamos no programa do Ferreira
Netto na TV [na década de 1980]. Eu me dou bem com o Zé, apesar de
termos divergido sempre e muito. Não há provas contra ele. Nos embargos
infringentes, o Dirceu dificilmente vai ser condenado pelo crime de
quadrilha.
O "in dubio pro reo" não serviu historicamente para justificar a impunidade?
Facilita a impunidade se você não conseguir provar, indiscutivelmente. O
Ministério Público e a polícia têm que ter solidez na acusação. É mais
difícil. Mas eles têm instrumentos para isso. Agora, num regime
democrático, evita muitas injustiças diante do poder. A Constituição
assegura a ampla defesa --ampla é adjetivo de uma densidade
impressionante. Todos pensam que o processo penal é a defesa da
sociedade. Não. Ele objetiva fundamentalmente a defesa do acusado.
E a sociedade?
A sociedade já está se defendendo tendo todo o seu aparelho para
condenar. O que nós temos que ter no processo democrático é o direito do
acusado de se defender. Ou a sociedade faria justiça pelas próprias
mãos.
Discutiu-se muito nos últimos dias sobre o clamor popular e a pressão da mídia sobre o STF. O que pensa disso?
O ministro Marco Aurélio [Mello] deu a entender, no voto dele [contra os
embargos infringentes], que houve essa pressão. Mas o próprio Marco
Aurélio nunca deu atenção à mídia. O [ministro] Gilmar Mendes nunca deu
atenção à mídia, sempre votou como quis. Eles estão preocupados, na
verdade, com a reação da sociedade. Nesse caso se discute pela primeira
vez no Brasil, em profundidade, se os políticos desonestos devem ou não
ser punidos. O fato de ter juntado 40 réus e se transformado num caso
político tornou o julgamento paradigmático: vamos ou não entrar em uma
nova era? E o Supremo sentiu o peso da decisão. Tudo isso influenciou
para a adoção da teoria do domínio do fato.
Algum ministro pode ter votado pressionado?
Normalmente, eles não deveriam. Eu não saberia dizer. Teria que
perguntar a cada um. É possível. Eu diria que indiscutivelmente, graças à
televisão, o Supremo foi colocado numa posição de muitas vezes
representar tudo o que a sociedade quer ou o que ela não quer. Eles
estão na verdade é na berlinda. A televisão põe o Supremo na berlinda.
Mas eu creio que cada um deles decidiu de acordo com as suas convicções
pessoais, em que pode ter entrado inclusive convicções também de
natureza política.
Foi um julgamento político?
Pode ter alguma conotação política. Aliás o Marco Aurélio deu bem essa
conotação. E o Gilmar também. Disse que esse é um caso que abala a
estrutura da política. Os tribunais do mundo inteiro são cortes
políticas também, no sentido de manter a estabilidade das instituições. A
função da Suprema Corte é menos fazer justiça e mais dar essa
estabilidade. Todos os ministros têm suas posições, políticas inclusive.
Isso conta na hora em que eles vão julgar?
Conta. Como nos EUA conta. Mas, na prática, os ministros estão sempre acobertados pelo direito. São todos grandes juristas.
Como o senhor vê a atuação do ministro Ricardo Lewandowski, relator do caso?
Ele ficou exatamente no direito e foi sacrificado por isso na população.
Mas foi mantendo a postura, com tranquilidade e integridade. Na
comunidade jurídica, continua bem visto, como um homem com a coragem de
ter enfrentado tudo sozinho.
E Joaquim Barbosa?
É extremamente culto. No tribunal, é duro e às vezes indelicado com os
colegas. Até o governo Lula, os ministros tinham debates duros, mas
extremamente respeitosos. Agora, não. Mudou um pouco o estilo. Houve uma
mudança de perfil.
Em que sentido?
Sempre houve, em outros governos, um intervalo de três a quatro anos
entre a nomeação dos ministros. Os novos se adaptavam à tradição do
Supremo. Na era Lula, nove se aposentaram e foram substituídos. A
mudança foi rápida. O Supremo tinha uma tradição que era seguida. Agora,
são 11 unidades decidindo individualmente.
E que tradição foi quebrada?
A tradição, por exemplo, de nunca invadir as competências [de outro
poder] não existe mais. O STF virou um legislador ativo. Pelo artigo 49,
inciso 11, da Constituição, Congresso pode anular decisões do Supremo.
E, se houver um conflito entre os poderes, o Congresso pode chamar as
Forças Armadas. É um risco que tem que ser evitado. Pela tradição, num
julgamento como o do mensalão, eles julgariam em função do "in dubio pro
reo". Pode ser que reflua e que o Supremo volte a ser como era
antigamente. É possível que, para outros [julgamentos], voltem a adotar a
teoria do "in dubio pro reo".
Por que o senhor acha isso?
Porque a teoria do domínio do fato traz insegurança para todo mundo.
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