Querido amigo e bispo Dom Ricardo
Conviver contigo nestes três dias
de encontro provincial em Goiânia foi a maior das alegrias, meu amigo. Sei que
entendes de que falo.
Sempre critiquei os bispos, os
padres e pastores “narizes empinados”, que não gostam do povo e do cheiro do
povo, como também não gostava o ditador João Batista Figueiredo, que preferia o
cheiro dos cavalos. Clérigos engomadinhos que preferem roupas e símbolos
paramentares chiques causam má impressão e sinalizam preguiça e prazer de viver
a custa do trabalho alheio.
Contigo não é assim, meu querido
bispo do Pará. Trabalhas e tens as mãos calejadas para te sustentares. Teus
depoimentos, slides e vídeos que testemunham visitas pastorais aos povos
ribeirinhos, indígenas, caboclos, quilombolas, trabalhadores rurais, moradores
das periferias, cidades distantes dos grandes centros, pobres e outros setores
sociais são emocionantes e mostram o coração justo e dedicado de um verdadeiro
pastor. Por isso é muito bom conviver contigo, além de pessoa alegre, humilde e
simples com quem se pode falar sério e brincar, sem maiores protocolos e
formalidades próprias de quem não gosta do povo.
Certamente tuas preocupações se
sintetizam com as angústias nacionais e de nosso povo em todo o País. O povo se
mobiliza nas ruas por mais justiça, por mais respeito aos compromissos
institucionais com seus direitos e necessidades, ainda longe de solução. O
núcleo das mobilizações merece solução e respeito. Nosso povo aguenta calado há
muitos anos à espera de justiça. Não é mais possível esperar. Quem chegou até
aqui, ocupando as ruas sob-riscos de violência em face de polícias
despreparadas e associadas com a opressão, não pode recuar.
Porém, meu amigo, é estarrecedor
que o Congresso Nacional atue fora e contra os sentimentos do povo, como muito
bem esclarece Breno Altman no artigo abaixo. Muitos parlamentares
traem os cargos para os quais o povo os elegeu. Os conservadores imersos em
hipocrisia só atendem os seus egoísmos e fingem interesse nas mudanças. A mídia
descarada muito bem representada no papelão que a Globo faz ao mentir,
manipular, fazer política de oposição ao governo, sem ser partido, apesar de ser
concessão do Estado, e ao empreender fortunas em roubo de impostos, como
identificam as vultosas denúncias que rolam na própria mídia. O Supremo
Tribunal Federal, que deveria ser exemplo de combate à injustiça, como orienta
a Constituição Federal, navega como barco à deriva, de mãos dadas com a direita,
como é flagrado seu presidente Joaquim Barbosa e ex-presidente Gilmar Martins,
que se unem a grupos de conduta ética altamente suspeita. A oposição impatrioticamente
advoga golpes e mente através de seus etílicos representantes, que transpiram
ódio à democracia e ao povo.
Como acertadamente diz o
jornalista Breno Altman, é preciso que o povo pressione das ruas, de fora, que
empurre os poderes da República a responder suas demandas por justiça. Isso é
luta e não baderna; é avanço e não combustível para a direita e para o fascismo;
é pressão para dentro da democracia e não desvio para a direita como os
oportunistas e vendilhões querem ao reclamar por golpe militar.
Abraços críticos e fraternos na
boa luta pela justiça e pela paz.
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Por Breno Altman, especial para o 247
A decisão do colégio de líderes da Câmara dos Deputados, anulando a
possibilidade de convocação de consulta popular imediata sobre reforma
política, faz de célebre música dos Paralamas o hino do momento. “Luiz
Inácio falou, Luiz Inácio avisou, são trezentos picaretas com anel de
doutor”, diz a letra famosa.
Formou-se, afinal, maioria conservadora
entre os parlamentares para impedir que o povo enterre um sistema
político apodrecido e antidemocrático.
O fato é relevante para entender o que se passa com o país. Eleita
através de mecanismos que se apoiam no poder econômico e nas relações
clientelistas, a maioria dos deputados não representa partidos ou
programas. Compõe-se de porta-vozes de grupos que financiam suas
campanhas, além de dedicarem o principal de suas energias para garantir a
renovação de mandatos. De quebra, uns e outros não perdem a
oportunidade para colocar algum no bolso.
Afirma-se, em tese corretamente, que o parlamento expressa a vontade
média e heterogênea da cidadania. Essa assertiva, porém, tem pouca
validade quando os filtros estruturais do sistema estão construídos para
diluir o enfrentamento político-ideológico, transformar os partidos em
colchas de retalho, estabelecer o mandato como instrumento de lobby e
amarrar os eleitores com as cordas dos benefícios paroquiais.
Não é à toa que, apesar do eleitorado ter conduzido um partido de
esquerda ao governo federal por três vezes consecutivas, os ventos de
mudança não afetaram seriamente a correlação de forças nas duas casas do
Congresso. Ainda sobrevive, nessa instituição, um bloco político
majoritário que funciona como esteio parlamentar da plutocracia.
A administração petista, com erros e acertos, há dez anos trata de
negociar, no interior da ordem estabelecida, a formação de alianças que
permitam a implantação de seu programa reformador. Muito se avançou, aos
trancos e barrancos, mas quaisquer mudanças estruturais são barradas
pelas fileiras predominantes do conservadorismo e da fisiologia.
Os exemplos são muitos. O imposto sobre grandes fortunas, na última
tentativa de implementá-lo, naufragou com menos de 150 votos a favor, em
2003. Não se aprova a emenda contra trabalho escravo. O marco
regulatório da internet está parado há dois anos e corre-se o risco de
ser aprovada a criminalização de conteúdos sem determinação judicial.
Pressionado pelas ruas, o Senado aprovou a demagogia de considerar
corrupção um crime hediondo, mas derrubou projeto que diminuía o número
de suplentes e impedia que parentes ocupassem a vaga do titular. Pura
hipocrisia. Um símbolo de que, de todas as reformas de base necessárias,
a que mais resistência encontra no parlamento é a política.
Agora foi a gota d’água. A resolução capitaneada por Henrique Eduardo
Alves e Eduardo Cunha, caciques do PMDB, partido da base aliada,
empareda o governo entre as ruas e o Congresso. A estratégia de
construir governabilidade sem mudar as instituições está se exaurindo, e
leva junto boa parte da popularidade acumulada nos anos anteriores.
Se a presidente, o PT e a esquerda não forem capazes de romper o
cerco, repactuando com os movimentos sociais e pressionando o parlamento
de fora para dentro, será real e imediato o perigo de definhamento do
projeto político guindado ao Planalto no alvorecer do século.
Há uma ruptura entre a vontade popular e o sistema político,
manifestada claramente nas jornadas de junho e nas pesquisas
subsequentes. A aceitação sem luta do cambalacho contra o plebiscito,
sem explicitar aos cidadãos qual é e onde está o ovo da serpente,
eventualmente constituiria erro de proporções avassaladoras.
Amanhã, dia 11 de julho, as greves e mobilizações pela pauta dos
trabalhadores e pelo plebiscito serão ensaio decisivo para o grave
momento que se vive. Não deveria ser, no entanto, um instante fugaz. As
forças progressistas dependem de uma escalada das ruas para disputar
hegemonia e abrir processo constituinte que aprofunde a democracia,
varrendo a resistência dos trezentos picaretas sobre os quais Luiz
Inácio avisou.
Breno Altman é jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi e da revista Samuel.
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