Querido Pe.
Francisco
Tens o mesmo nome do Papa, certamente pelas mesmas razões que
inspiraram o bispo de Roma a escolher este nome como projeto de igreja, como
escreve Leonardo Boff.
O Papa Francisco visita o Brasil e não só a Jornada Mundial
da Juventude católica nesse momento. Seu contato com a juventude e com o povo
emociona a todos nós. Parece que certas dúvidas quanto para que lado Francisco
se dirigisse politicamente não existem mais. Tudo indica que o rumo que ele segue
é o mesmo de Jesus, o do povo, o dos oprimidos, não para deixá-los oprimidos, mas juntar-se a eles na luta por uma sociedade justa para todos.
Quando Francisco apareceu na janela do Vaticano após sua
eleição muitos se entusiasmaram por ele a partir dali. Amigos meus me perguntaram
o que eu pensava dele. Sempre respondi invocando que dois papados conservadores
e comprometidos até às raízes dos cabelos com o imperialismo violento e
opressor levaram o cristianismo ocidental ao desastre e ao massacre,
transformando-o em mercador de religião e serviçal do neoliberalismo. Era
necessário que guardássemos paciência.
Nesse período de espera li Leonardo Boff, Frei Betto e
outros. O movimento que fizeram em favor do Papa Francisco foi lento e cuidadoso, como convém
a pessoas inteligentes, em busca de interpretação de seus compromissos na
Argentina e com a linha que adotaria dentro de um Vaticano enlameado por crimes
sexuais e financeiros.
Os Papas João Paulo II e Bento XVI apoiaram criminosamente o
neoliberalismo e em seu nome perseguiram a Teologia da Libertação e seus mais
comprometidos militantes. Essa verdade precisa ser reconhecida e superada pela
crítica de boa vontade. Crianças e adolescentes barbarizados por padres, bispos
e cardeais são traumatizados para sempre, no fundo, pela opção opressora de
seus papas. As alianças do Vaticano com Ronald Reagam para perseguir o socialismo
e massacrar teólogos e militantes na América Latina foram satânicas e inclinaram
pela força o cristianismo todo para a direita e para a alienação. Nada mais
herético e diabólico do que servir ao deus do mercado e ao imperialismo,
gerando multidões de miseráveis e pobres na América Latina e, agora, na própria
Europa e nos Estados Unidos, com drásticas consequências para os pobres e a classe
trabalhadora, sempre a primeira a sofrer com desemprego e redução de renda.
Quando escrevo que os dois papas antecessores arrastaram o
cristianismo para o abismo da traição e do afastamento de sua verdadeira fonte –
Jesus - não me refiro somente à Igreja Católica Romana, mas a todas as igrejas,
inclusive evangélicas e protestantes. Desde os Estados Unidos, a partir do
Instituto da Criação, as igrejas abraçaram a teologia da prosperidade e ao
conceito de mercado, bem ao estilo neoliberal. Passaram a vender orações, fé,
curas, objetos e o céu como caminho de “missão”, abandonando completamente o
projeto Jesuino-evangélico. Nesse contexto explica-se as práticas de Edir
Macedo, RR Soares, Silas Malafaia, Valdomiro Santiago e outros das mesmas prateleiras
mercadológicas neoliberais da religião. Seus pastores são engravatados,
televisivos, ricos e alheios ao povo e seus problemas sociais. Torcem para que
a economia neoliberal continue a produzir miseráveis e pobres, assim continuam
a levantar muito dinheiro com seu mercado de venda de “milagres”, enquanto
erigem monstros de riquezas e privilégios, como se fossem banqueiros. Penso que o Papa Francisco joga a
ICAR e as igrejas evangélicas, que derivaram para o mercado, a um imenso
constrangimento pedagógico. Depois que ele prega a volta para o Jesus do povo e
para o povo de Jesus, que vive nas favelas, nos campos, nas drogas, no
desemprego, no abandono da saúde etc, como se comportarão os pastores, padres e
bispos pops? Como explicarão que Jesus não se interessou pelos pobres e pelo
povo numa profunda provocação de transformações sociais e econômicas,
destruindo a distância entre ricos e pobres?
Repito: depois que João Paulo II assumiu o papado bispos e
cardeais comprometidos com o povo e com a democracia social foram aposentados e afastados cedendo lugar para conservadores e
alinhados com os interesses da classe dominante internacional. Conheço bispos e
arcebispos que abraçam políticos de direita, corruptos, que odeiam o povo,
desde que eles impeçam a ascensão popular e outro projeto mais justo. Nesse
clima morreu magoado Dom Helder Câmara, ofendido por João Paulo II. Teólogos foram caçados e expurgados da
produção teológica. O ecumenismo reduziu-se a um grupinho de privilegiados que
se reúnem para jantares, bebidas e superficialidades, representantes das tais
minoritárias e estatisticamente insignificantes igrejas históricas,
completamente descarnadas de seu conteúdo social original.
O Papa Francisco não vem do fim do mundo, como ele disse na
sacada do Vaticano no dia de sua eleição. O Papa Francisco emerge do abismo de
um Continente vitimizado pelo colonialismo que matou milhões de indígenas e
negros arrastados da África, feitos brutalmente escravos com a assistência de
uma igreja colonialista equivocada. Dos entre choques das ondas das ditaduras e
neoliberalismo, que prensaram milhões de crianças, jovens, indígenas, negros,
pobres e trabalhadores opressivamente contra as rochas da marginalização, do
abandono, do desemprego, das doenças e da morte, levanta-se o Papa Francisco.
Do abismo levanta-se o Papa Francisco. Levanta-se com os
pobres, com o povo, com as mulheres, com os indígenas, com os negros, com as
crianças, com os jovens e com velhos. É certo que todos não se contentarão em
apenas se levantar: quererão avançar para mais vida liberta e plena, como as ruas no Brasil demonstram.
Na quinta-feira me reuni com o vice presidente da Ibrapaz e
coordenador do seu Comitê de Lutas Contra o Neoliberalismo, Prof. Laércio Júlio
da Silva, e ouvi dele uma frase impressionante: “com a vinda do Papa ficará
mais fácil para a luta pela justiça e pela paz, portanto para a Ibrapaz”. Creio nisso também : muitos cristãos encorajam-se para
a luta e a comunhão se fortalecerá.
O Papa Francisco emerge do nosso abismo continental latino americano de opressão e conosco
caminha para a libertação. O abismo não é lugar para as pessoas, mas é de lá
que os lutadores emergem para a liberdade, com muita luta e unidade na ação.
Abraços críticos e fraternos na boa luta pela justiça e pela
paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano.
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